Encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida completa 300 anos

Escultura se tornou um dos símbolos do País e, já como Nossa Senhora Aparecida, ganhou do papa Pio XI em 1930 o título de Padroeira do Brasil

Postado em: 08-10-2017 às 19h00
Por: Lucas de Godoi
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Escultura se tornou um dos símbolos do País e, já como Nossa Senhora Aparecida, ganhou do papa Pio XI em 1930 o título de Padroeira do Brasil

Há 300 anos, uma pescaria se transformou num dos fatos mais
importantes do catolicismo brasileiro. Atentos à ordem da Câmara de
Guaratinguetá de obter o máximo possível de peixes para recepção do novo
governador, três pescadores – Domingos Garcia, Felipe Pedroso e João Alves –
jogaram as redes no Rio Paraíba. Passaram horas sem nada conseguir até que, no
Porto Itaguaçu, pescaram uma imagem de barro decapitada. Em seguida,
encontraram a cabeça de Nossa Senhora da Conceição. Minutos depois, já havia
tanto peixe que mal conseguiam carregar. Décadas depois, a escultura negra de
37 centímetros se tornaria um dos símbolos do País e, já como Nossa Senhora
Aparecida, ganharia do papa Pio XI em 1930 o título de Padroeira do Brasil.

Hoje, o Santuário Nacional de Aparecida é o maior centro
mariano do mundo em tamanho e o segundo em frequência – só perde para o de
Nossa Senhora de Guadalupe, no México. A cada ano, cerca de 12 milhões de
romeiros visitam o município de Aparecida, à margem da Via Dutra, distante 180
km de São Paulo. Ali, católicos do Brasil todo se misturam a estrangeiros, que
se multiplicaram após a visita de Bento XVI, em 2007.

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A maioria segue a mesma rotina: assistir à missa – são seis
por dia de segunda a sexta-feira e sete ou oito aos sábados e domingos – e
rezar na basílica, antes ou depois de passar diante da imagem original de Nossa
Senhora. É uma fila constante. Devotos contemplam em silêncio a padroeira de
manto colorido e coroa de ouro dada pela princesa Isabel, fazem pedidos,
agradecem favores e milagres. No subsolo, visitam a Sala das Promessas e podem
batizar crianças (e adultos) se pais e padrinhos tiverem feito curso de
preparação em suas paróquias.

O Santuário-Basílica, que é também a catedral da
Arquidiocese, está em construção desde 1946. A terraplenagem começou em 1952 e
o primeiro atendimento a romeiros foi em 1959. Atividades religiosas só
passaram a ser feitas em 1982, quando a imagem foi levada da Basílica Velha
para a Nova. Em 1984, quatro anos após ser consagrado por João Paulo II, o
local virou Santuário Nacional.

Já a data em que a imagem foi resgatada do Paraíba no século
18 é controversa. O livro História de Nossa Senhora da Conceição Aparecida,
publicado em 1979 por Júlio Brustoloni, diz que é certo que dom Pedro de
Almeida, o conde de Assumar, governador de São Paulo e Minas que motivou o
pedido dos peixes, ficou em Guaratinguetá de 17 a 30 de outubro de 1717. Outro
livro – Senhora Aparecida, de Tereza Galvão Pasin – conta que a imagem foi
levada para a casa de Felipe Pedroso, o mais velho dos três pescadores. Seu
filho Atanásio fez um altar para Nossa Senhora numa capelinha perto da estrada
entre São Paulo e Minas. Todo sábado, alguém aparecia ali para rezar. Logo
começaram relatos de milagres, como o das velas que se acenderam sozinhas, do
escravo cujas correntes se arrebentaram quando pediu proteção da Virgem Maria e
o do cavalo (ou mula) que grudou as patas dianteiras nas pedras da escadaria,
quando o dono ameaçou entrar montado na Matriz. Num quarto milagre, uma menina
cega de Jaboticabal começou a enxergar. Houve ainda o resgate milagroso de um
menino que se afogava no Paraíba.

Segundo anotações guardadas na Cúria Metropolitana de
Aparecida, a imagem da padroeira tinha originalmente “tez branca no rosto e nas
mãos, manto azul escuro e forro vermelho-granada”. E por que então ficou negra?
Documento transcrito por Tereza Pasin levanta uma hipótese: “Pelo fato de ficar
por muitos anos submersa no lodo das águas e, posteriormente, exposta ao lume e
à fumaça dos candeeiros, velas e tochas, (a imagem) adquiriu a cor que hoje
conserva”.

Devoção que se espalha

Em três séculos, a devoção a Nossa Senhora Aparecida, que
ganhou esse nome por ter “aparecido” aos pescadores, espalhou-se
Brasil afora. Chegou com os tropeiros da Feira de Muares de Sorocaba a
Curitiba, Viamão e Laguna no Sul, atingiu as minas de Cuiabá com mineradores,
alcançou Goiás com sertanistas. Por 145 anos, até 1888, multidões rezaram aos
pés da imagem numa capela de paredes de taipa e pilão erguida pelo padre José
Alves Vilella nas encostas do Morro dos Coqueiros. Só em 1888 ela foi
reinaugurada como Matriz Basílica. Sem ostentar a riqueza dos altares dourados
da época colonial, o primeiro santuário de Aparecida foi tombado pelo interesse
histórico, religioso e arquitetônico em 1982. Após restauro, foi reinaugurado
em 2015. É a atual Matriz Basílica ou Basílica Velha.

Já a grande basílica às margens da Dutra, que deve lotar
neste feriado, ainda continua em obras. A previsão é terminar o revestimento da
cúpula central neste mês. Todas as paredes exibem pinturas bíblicas do artista
plástico Cláudio Pastro. Ao morrer, em outubro de 2016, ele deixou esboços dos
desenhos que faltam. Padres da Congregação do Santíssimo Redentor, que dirigem
o santuário e cuidam da pastoral de devoção mariana desde 1894, vão iniciar
agora o acabamento externo. Ex-ecônomo, reitor e bispo auxiliar de Aparecida,
d. Darci Nicioli afirma que as obras do Santuário não terminarão nunca,
“pois sempre haverá trabalho de manutenção e melhorias”.

O dinheiro chega como doações depositadas em cofres ou
depósito bancário. Os padres e o arcebispo de Aparecida, d. Orlando Brandes,
pedem contribuição por rádio e televisão. Serviços a romeiros são prestados por
empresas terceirizadas, como restaurantes e lojas do Centro de Apoio ao
Romeiro, que não podem vender artigos contrários à doutrina católica. A
farmácia não vende preservativos, porque a Igreja proíbe controle artificial de
natalidade. “Toda a obra do Santuário é bancada por doações dos
devotos”, informa o padre João Batista de Almeida, sucessor de d. Darci no
cargo de reitor.

O dinheiro arrecadado paga ainda programas sociais e de
evangelização. Na comunicação, o Santuário mantém uma rede de rádio, a TV
Aparecida, portal, revistas, jornal e a editora Santuário. Um centro de evento
para 8 mil pessoas sentadas recebe show, peça, esporte e celebração religiosa.
Além de João Paulo II e Bento XVI, o papa Francisco visitou Aparecida em julho
de 2013, em sua primeira viagem ao exterior. Prometeu voltar nos 300 anos, mas
cancelou por questão de agenda. O presidente Michel Temer insistiu, mas recebeu
um não diplomático do Vaticano. (José Maria Mayrink)

(Agência Estado) – Foto:
Luis Blanco

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