Segunda-feira, 01 de julho de 2024

Colônia do preconceito e isolamento

Moradores do Residencial Santa Marta, abrigo para pessoas em tratamento da hanseníase, relatam sofrimento de viverem isolados

Postado em: 20-10-2017 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Colônia do preconceito e isolamento
Moradores do Residencial Santa Marta, abrigo para pessoas em tratamento da hanseníase, relatam sofrimento de viverem isolados

Wilton Morais* 

Ao lado da Rodovia GO-403, uma pequena rua, divide as grades do Hospital Santa Marta, com as baixas casas do Residencial que leva o mesmo nome da unidade hospitalar. Conhecido como antiga Colônia Santa Marta, atualmente abriga as gerações e as vítimas de famílias que sofreram com a hanseníase. A doença, hoje possui tratamento avançado, e o paciente pode ser curado com 6 a 12 meses de terapia, usando vários medicamentos. Mesmo assim, quem viveu por longos anos com a doença e o isolamento social ainda enfrenta dificuldades impostas pelo preconceito.

“Os doentes eram trazidos por uma ambulância chamada de ‘onçinha’. Ela trazia todos os doentes da cidade. Hoje, mesmo com o tratamento avançado, as pessoas ainda têm medo”, disse o aposentado, Claudio Bueno de 54 anos. Morador desde 1976 da Colônia, Claudio relata que assim que nasceu, foi logo colocado no preventório – instituição médica em que eram internados recém nascidos até que se descobrisse se eles eram tinham contraído a doença ao nascer. “Minha mãe já era daqui. Quando eu nasci, me colocaram no preventório direto. Nem a mãe pegava no filho quando ele nascia”, contou.

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Rosa Maria de Jesus vai completar 60 anos na semana que vem. Aposentada, ela conta que a sua historia iniciou na Colônia Santa Marta. “Viemos para cá por conta da hanseníase, dizendo o médico, eu já sou negativa. Mas não acredito nisso. Estou aqui desde 1963. Cheguei era menina”, relatou.  Para Rosa, viver no residencial, faz parte de sua vida. “Faz parte da minha historia viver aqui. Ao lado dos meus irmãos de sofrimento. Aqui se foi o tempo que era bom”, disse em relação às mudanças imposta pela sociedade e o Estado, desde o início da Colônia. 

Dificuldades 

Questionada sobre as dificuldades que os moradores do Residencial Santa Marta enfrentam diariamente, Rosa Maria esclarece com indignação, “Os nossos direitos que tínhamos no hospital acabaram todos. Veio uma freira para cá, e resolveram passar a cerca do hospital. Não temos nada de graça mais. Antigamente tínhamos os alimentos, os medicamentos. Tínhamos os nossos médicos. Hoje mais nada”.

A moradora lembra de sua chegada à antiga Colônia. “Eu tinha medo de todo mundo. Um faltava nariz, outro não tinha braço, outro faltava orelha. Passei foi um ano sem comer, eu tinha medo e não sabia que também estava doente”, disse em relação ao passado.

Atualmente, Rosa não precisa dos medicamentos para o tratamento de hanseníase. “O meu remédio de hipertensão eu pego de graça na farmácia porque é assim para todos. Mas mesmo assim, ainda falta um olhar mais humano para gente”, disse. 

Também aposentada, a mineira Anésia Eustaquio de Braz, 68 anos, reclama do posto de saúde. “Hoje no postinho não tem nem médico. Lá no hospital tratam a gente bem. Mas eu acho muito humilhante, ter que atravessar a cerca. Aqui pode chamar de residencial, mas para gente sempre será a colônia Santa Marta. Não adianta trocar o nome. O pessoal chega aqui para entregar as coisas, móveis que a gente compra, e não acha. Fala que é a antiga Colônia Santa Marta, eles acham logo”, contou Anésia. 

Hospital garante atendimento para vítimas da segregação social 

A diretora técnica do Hospital de Dermatologia Sanitária e Reabilitação Santa Marta (HSD), Mônica Ribeiro Costa, esclarece que os pacientes com hanseníase já possuem atendimento direto no Hospital. 

De acordo com Mônica, a divisa do Hospital com o Residencial, é tida por conta da necessidade em delimitar o espaço da unidade de saúde. Dessa maneira, para evitar transporte irregular na área de saúde, como de caminhão de lixo, e outros. Além de garantir a segurança da unidade, como dos equipamentos do Hospital. 

Para os demais pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento médico no HSD, acontece conforme a regulação, e para todos. 

Complexo Hospitalar 

No final do ano passado, o Estado determinou que o Hospital de Dermatologia Sanitária e Reabilitação Santa Marta será transformado em um Complexo Hospitalar. O complexo será, de acordo com o Governo, uma unidade de referência em atendimento ao idoso, à saúde do homem e de assistência aos casos mais complexos de hanseníase e possíveis incapacidades.

A decisão do Governo é reflexo de medidas tomadas desde 2011 como solução para a antiga Colônia Santa Marta. Além das famílias, e outros moradores vítimas da hanseníase, que já vivem onde é atualmente o Residencial Santa Marta. A obra do Governo Estadual deve garantir o acolhimento de 22 pacientes que moram na unidade hospitalar. 

A unidade residencial que deve ser entregue, em breve, contempla 23 apartamentos individuais, área de convivência e praça de banho de sol, com infraestrutura assistencial. A unidade trata-se de um resgate do Governo do Estado aos pacientes com dependências físicas e emocionais decorrentes de sequelas da hanseníase e do isolamento social. (Wilton Morais é integrante do programa de estágio do Jornal O Hoje, sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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