Promotora abre inquérito para apurar compra de fuzis pela GCM e recomenda anulação do processo à Prefeitura de Goiânia

Carmem Lúcia Santana de Freitas, da 20ª Promotoria de Goiânia, afirma que modelo de aquisição do armamento, pelo valor de mercado, fere nova legislação federal

Postado em: 23-03-2022 às 21h10
Por: Augusto Diniz
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Carmem Lúcia Santana de Freitas, da 20ª Promotoria de Goiânia, afirma que modelo de aquisição do armamento da Guarda Civil Metropolitana (foto), pelo valor de mercado, fere legislação federal | Foto: Divulgação

A promotora de Justiça Carmem Lúcia Santana de Freitas, da 20ª Promotoria de Goiânia, informa que, após análise na terça-feira (22/3) da publicação do aviso feito pela Agência da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia (GCM) no Diário Oficial do Município (DOM), da compra de 17 fuzis por dispensa de licitação, decidiu instaurar nesta quarta-feira (23/3) um inquérito civil público para apurar suposto ato de improbidade administrativa.

Em seguida, a promotora explica que irá recomendar à Prefeitura de Goiânia que anule o aviso de aquisição dos fuzis por dispensa de licitação e que o Poder Executivo da capital evite fazer qualquer tipo de contratação direta, sem a abertura do devido processo licitatório, quando se tratar de compra que supere o valor máximo previsto na Lei Federal número 14.133, de 1º de abril de 2021, a Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Com base nas informações divulgadas no DOM, Carmem Lúcia afirma em entrevista ao jornal O Hoje que, inicialmente, a compra dos 17 fuzis previstos no aviso de compra por dispensa de licitação publicado no DOM na sexta-feira (18/3), pelo valor de mercado, fere a nova Lei de Licitações.

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“A princípio, da análise feita, os 17 fuzis foram avaliados no mercado com valor entre R$ 16 mil e R$ 17 mil cada. A soma dos valores da aquisição é superior ao que a nova Lei de Licitações prevê para o somatório do produto em casos de dispensa de licitação, que seria R$ 200 mil”, afirma Carmem Lúcia.

Investigação

Com a portaria de instauração do inquérito civil público publicada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), o Aviso de Interesse de Aquisição/Contratação por Dispensa de Licitação número 19, de 14 de março de 2022, passa a ser investigado pela 20ª Promotoria de Goiânia. Incialmente, a apuração do caso partirá do texto publicado no Diário Oficial do Município e de informações divulgadas pela imprensa sobre o interesse da compra de 17 fuzis calibre 5.56 semiautomáticos. “Diante da urgência, estamos dando continuidade à investigação.”

A necessidade de apurar o caso com rapidez se dá pelo prazo dado no aviso de compra do armamento pesado para os batalhões considerados especiais da GCM, como é a Ronda Ostensiva Municipal (Romu). No documento, a Guarda Civil informa que “as propostas adicionais poderão ser enviadas no e-mail [email protected] no prazo de três dias úteis a contar da publicação”. Como o aviso veio na edição de sexta-feira do DOM, o período estipulado se encerra hoje.

De acordo com a promotora, o primeiro ponto a ser investigado é o que pode ser gasto na compra dos 17 fuzis, se irá mesmo ultrapassar o limite imposto pela Lei de Licitações para casos de dispensa de licitação, como foi o modelo escolhido pela Prefeitura de Goiânia. Em seguida, Carmem Lúcia explica que irá verificar o cumprimento das atribuições da Guarda Civil Metropolitana e a necessidade da aquisição do armamento pesado.

Proteção do patrimônio público

Para a titular do inquérito civil público no MP-GO, a compra dos fuzis aparenta ser, incialmente, um gasto desnecessário da Prefeitura de Goiânia | Foto: Divulgação/MP-GO

“A Guarda Municipal tem a missão de proteção do patrimônio público, dos bens e serviços do município, como prevê a Constituição Federal. Essa é a finalidade primordial consagrada pela Constituição. O legislador ordinário não pode ultrapassar esses limites”, observa a promotora. Carmem Lúcia explica que a Prefeitura de Goiânia ampliou a atuação da GCM com base em lei complementar e no regimento interno do órgão.

Para a titular do inquérito civil público no MP-GO, a compra dos fuzis aparenta ser, incialmente, um gasto desnecessário da Prefeitura de Goiânia. “Os guardas metropolitanos são considerados agentes de segurança civis, podem fazer o policiamento preventivo e comunitário. Não entendo necessária e adequada a aquisição das referidas armas, de valores vultosos, recuso que poderia ser empregado na implementação de política pública de defesa social, dentro das atribuições da Guarda Civil Metropolitana.”

Segundo Carmem Lúcia, a compra dos fuzis fere os princípios da proporcionalidade, legalidade, razoabilidade, efetividade e supremacia do interesse. Para a promotora de Justiça, muitas competências da GCM ainda não foram complementadas e se mostram mais importantes do que adquirir armas de fogo de grosso calibre para realizar um trabalho que é de atribuição da Polícia Militar (PM), que é o patrulhamento ostensivo.

“A Lei Federal 13.022/2014, que dispões sobre o Estatuto das Guardas Municipais, prevê as atribuições da GCM. Através de convênio, a guarda pode auxiliar a PM, mas as atribuições não podem ultrapassar as limitações previstas pela Constituição Federal. Polícia ostensiva é exclusivo das polícias militares”, descreve a representante do Ministério Público.

Em seguida, a promotora questiona: “Qual é o fundamento da utilização de um armamento tão pesado se não é função da Guarda Civil Metropolitana fazer o policiamento ostensivo?”. Para Carmem Lúcia, não cabe à GCM estender a atuação em desacordo com o que prevê a Constituição. “Mesmo que Goiânia tenha regulamentado essa previsão de patrulhamento ostensivo, o artigo 144 da Constituição é clara ao estabelecer as atribuições.”

O que diz o artigo 144 da Constituição?

No capítulo III da Constituição Federal, que dispõe sobre a segurança pública, o artigo 144 define que: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares; e VI – polícias penais federal, estaduais e distrital”.

Carmem Lúcia dá destaque durante a entrevista ao parágrafo 8º do artigo 144: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”. Mas volta a destacar que, incialmente, o ponto específico a ser averiguado no inquérito civil público é a possibilidade da dispensa de licitação. Sobre a compra dos fuzis, a promotora observa que, “dentro da razoabilidade, não é adequado adquirir essas armas, ainda mais pela condição financeira em que o município se encontra”.

“A falta de proporcionalidade e razoabilidade está no tipo do armamento. Não que eles não possam adquirir. Mas, para o porte desse tipo de armamento, são previstas várias condições. Estamos solicitando informações e requisitando documentos para saber se essas condições estão previstas.” Carmem Lúcia diz que ainda não sabe se a GCM tem à disposição dos guardas o curso necessário para utilizar um fuzil.

Na Câmara Municipal

Para o vereador Mauro Rubem (PT), a decisão de fazer uma compra por dispensa de licitação no serviço público “sempre é suspeita”. “É a regra da gestão”, afirma o parlamentar.

De acordo com Mauro, a Guarda Civil Metropolitana deveria se dedicar às suas funções fundamentais: “Cuidar dos prédios públicos, garantir a segurança nos diversos serviços públicos municipais, como saúde, educação e assistência social, realizar a segurança comunitária nos bairros de maneira contínua e comunitária”.

“Pois são as responsabilidades primeiras. A ação de enfrentamento de grandes dimensões deve ser feita pelas polícias Militar e Civil”, pontuou o vereador.

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