Inexistência de regulação para motos elétricas gera impunidade

As scooters precisam de emplacamento, conforme disposto no artigo 120, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), defende Detran

Postado em: 28-03-2022 às 07h39
Por: Daniell Alves
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As scooters precisam de emplacamento, conforme disposto no artigo 120, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), defende Detran | Foto: Pedro Pinheiro

A falta de uma regulação das motos elétricas, as chamadas scooters, tem causado uma série de problemas no trânsito de Goiânia pela inexistência de registro e sensação de impunidade. A reportagem do O Hoje flagrou pelas vias da Capital alguns condutores andando em cima da calçada, em vias exclusivas para ônibus e sem o uso do capacete. Nos últimos meses, os condutores puderam perceber um aumento no número de scooters pelas ruas. 

Um dos motivos que explicam este fato é o aumento da gasolina, como é o caso da estudante Gabriella Victória Felizardo. Ela comprou a moto pensando em economizar. “Eu tinha recebido uma nova proposta de emprego e decidi comprar um veículo que não precisasse da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e nem de gasolina. Tem sido um investimento muito bom e, até então, não tenho carteira e não tenho tempo pra tirar”, revela. 

Segundo ela, para conduzir só é necessário os documentos pessoais. “Mas em breve pode ser que isso mude. Estão querendo enquadrá-la como ciclomotor”, explica. Contudo, a compra tem sido benéfica para Gabriella desde o fim do último ano. Isto porque ela só precisa recarregar a bateria da scooter na tomada. 

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“Os gastos giram em torno da manutenção. Se comparado a outros veículos é bem mais em conta. Na scooter no máximo que eu já gastei até hoje foi cerca de R$ 200”. Dependendo da distância percorrida, a bateria dura em torno de quatro horas. 

Embora a estudante tenha economizado com o combustível, as vias de Goiânia ainda são o problema para o tráfego. “A questão é que o asfalto é repleto de buracos, o que não é surpresa para ninguém, mas também possui muitas rachaduras e não é totalmente plano. Isso gera muita trepidação na moto e incomoda muito na hora de dirigir”, avalia. 

Impunidade

Para o capitão da Polícia Militar Hélio Alves Amado, subgerente de Fiscalização Departamento Estadual de Trânsito (Detran-GO), a falta de registro acarreta uma série de problemas, como a sensação de liberdade/impunidade para cometer as mais diversas infrações. 

Alguns modelos não possuem o Certificado de Adequação da Legislação de Trânsito (CAT), com o código específico de marca/modelo/versão do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). Isto impossibilita o registro e licenciamento destes veículos junto aos órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal (DETRAN).

“Diante dessa dificuldade, os agentes de trânsito são orientados a abordar e reter o veículo até sanar as irregularidades, como apresentar capacete de segurança e/ou um condutor habilitado, se for o caso”, pontua o capitão. 

O subgerente de Fiscalização explica que as scooters precisam de emplacamento, conforme disposto no artigo 120, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB): “todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, deve ser registrado perante o órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no Município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da lei”.

Além disso, outra questão importante é que os condutores precisam usar capacete, diferente do que foi flagrado pela reportagem. É considerado infração prevista no artigo 244, do CTB. Conduzir motocicleta, motoneta ou ciclomotor sem usar capacete de segurança ou vestuário de acordo com as normas e as especificações aprovadas pelo Contran é infração gravíssima. A pena para este tipo de delito é multa e suspensão do direito de dirigir. Os condutores também podem ter retenção do veículo até regularização e recolhimento do documento de habilitação. 

As scooters também deveriam pagar impostos. Um dos problemas, segundo o capitão, é que vários desses veículos são importados. “Alguns deles vêm com número de chassi. Outros nem possuem”, informa. De qualquer forma, deveriam pagar impostos, segundo estabelece o artigo 130. 

“Todo veículo automotor, elétrico, articulado, reboque ou semi-reboque, para transitar na via, deverá ser licenciado anualmente pelo órgão executivo de trânsito do Estado, ou do Distrito Federal, onde estiver registrado o veículo”. A solução apontada por ele é que a Receita Federal proíba a importação desses veículos sem o devido CAT com registro no Renavam. 

Fiscalização 

Sobre o assunto, o gerente de Educação para o Trânsito da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Horácio Ferreira, explica que, para conduzir é necessária uma Autorização para Conduzir Ciclomotor (ACC) e para obtenção do documento os critérios são os mesmos para tirar uma CNH de categoria A. “Ele [o condutor] vai fazer prova e aula teórica, além das aulas práticas. Após isso terá direito de conduzir o veículo”, pontua. 

Uma vez que o condutor tenha a ACC, ele tem os mesmos direitos e deveres de qualquer outro veículo de duas rodas. “Existe uma restrição do ciclomotor em vias de trânsito rápido. Ele é proibido em ruas com velocidade a partir de 80 quilômetros por hora e têm acessos especiais de trânsito livre”, informa. 

Quanto à fiscalização da SMM, o gerente afirma que o órgão aguarda uma regulação desses veículos, já que grande parte deles são vendidos no mercado com uma terminologia diferente. “Muitos fabricantes vendem como kit elétrico, o que dificulta a fiscalização. A SMM está buscando um entendimento com os órgãos relacionados para que possa haver uma fiscalização mais intensiva”, finaliza. 

Frota de veículos aumentou 20% em seis anos

A inexistência de uma regulação específica para as scooters é só mais um dos problemas do trânsito de Goiânia. Os condutores se deparam com ruas esburacadas, falta de sinalização e trânsito lento. Somado a isso, Goiás registrou um aumento no número de veículos em 2021. Dados do Detran apontam para o acréscimo de 3,5% da frota, passando de 4,17 milhões em 2020 para 4,23 milhões no ano passado. 

Em apenas seis anos, o aumento no número de veículos no estado foi de 20,6%, o que corresponde a 738.971 carros, motos e caminhões a mais. O que mais chama a atenção nesses dados é que, de acordo com o Mova-se Fórum de Mobilidade, o que mais cresceu foi o número de pessoas que compraram veículos e ganham mensalmente entre dois e quatro mil reais.  

Segundo Ronny Medrano, engenheiro civil, doutor em Transporte e integrante do Mova-se, os novos tipos de emprego como transporte por aplicativo para pessoas e cargas, na área urbana, pode ser uma causa desse aumento na frota de veículos, principalmente fomentando a migração para trabalhar de moradores da região metropolitana para Goiânia. “Um efeito no longo prazo é o aumento do congestionamento, do risco de acidentes e queda do nível de serviço nas vias e cruzamento em horários de maior pico”, afirma. 

De acordo com o Detran, o Estado tem 4,23 milhões de automóveis, sendo 1,2 milhão somente em Goiânia. Goiânia conta com 80 veículos a cada 100 habitantes. Aparecida de Goiânia aparece em segundo lugar no ranking, com 320 mil veículos. Com relação às motocicletas, são cerca de 920 mil em Goiás. O último estudo divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) mostrou a Capital em 6° lugar no quesito maior frota de carros do Brasil. Na categoria motos, ficou em 4° lugar.

O número justifica o quanto o trânsito de Goiânia é lento e estressante, conforme explica o professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) e engenheiro de transportes, Marcos Rothen. Segundo ele, a cada ano são novos carros e o trânsito piora. “E não tem opção, quem decide ir a pé, anda por calçadas inclinadas, obstruídas e o transporte coletivo não tem conforto”, avalia.

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