Após longo período de isolamento, situações de violência marcam retorno às aulas presenciais

Falta de contato presencial entre os alunos impactaram na capacidade de interação social pessoalmente

Postado em: 16-04-2022 às 09h29
Por: Redação
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Falta de contato presencial entre os alunos impactaram na capacidade de interação social pessoalmente | Foto: reprodução

Por Maiara Dal Bosco e Ítallo Antkiewicz

Embora tenha sido muito aguardado após dois anos de pandemia, o retorno presencial das aulas nas escolas também tem sido marcado por muitas adversidades. Prova disso é que situações de violência e questões relacionadas à saúde mental no ambiente escolar têm sido notícia em todo o Brasil. No último dia 31, uma estudante ateou fogo em uma colega dentro da escola, em Goiânia. Já no Recife, 26 alunos precisaram de atendimento médico em decorrência de sintomas de crise de ansiedade. 

Mas, por que um momento tão aguardado por professores e alunos – o retorno às aulas 100% presenciais – foi marcado, em alguns casos, por violência e desequilíbrio emocional? Para a pesquisadora Luciene Tognetta, que realizou um estudo com quase 2 mil alunos, o índice de sofrimento dos estudantes é elevado. Ela aponta que o sofrimento emocional no retorno às escolas é bastante significativo.

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A pedagoga e psicopedagoga Maria Lucia Gonçalves Fernandes ressalta que a violência nas escolas reproduz a violência da sociedade. Ou seja, os alunos que frequentam as escolas estão em interação diária com esse conteúdo, com pessoas que sofrem ou manifestam atos de violência em outros contextos.  

Sobre o assunto, a reportagem conversou com uma professora da rede Municipal de Ensino de Goiânia, que, por razões de segurança, preferiu não se identificar. Ela conta que, desde o retorno às aulas presenciais, os professores têm percebido um aumento muito grande da violência na escola em geral. 

“E não apenas na nossa escola, porque temos notícias de várias escolas em diversas partes de Goiânia e do Brasil em que a violência está acontecendo de forma exacerbada por parte dos nossos alunos. Não faltam casos de brigas, ameaças, de alunos soltando bombinhas, por exemplo”, relata. 

Para ela, o aumento da violência está relacionado ao período de isolamento social. “Claro que não há estudos, mas acreditamos sim que está, principalmente, pela nossa vivência. Agora os meninos estão com dificuldades de seguir regras, e até mesmo a questão do celular tem causado conflito, porque você pede para guardar e eles se indispõem. A convivência em geral está muito complicada. As escolas estão necessitando muito de atendimento psicológicos, tanto para professores quanto para alunos”, detalha.

A professora destaca que, de fato, o clima dentro das escolas está muito pesado. “Os alunos têm agido de uma forma bem agressiva. Não todos, claro, mas de pouco tempo para cá, eu já fui agredida verbalmente mais de uma vez. Outro problema é que os alunos não querem mais parar em sala de aula. Ficam em pé ou saindo o tempo todo”, comenta. 

Neste cenário e na avaliação dela, um dos grandes desafios que têm sido enfrentados é a falta de estrutura do governo. “Nesse momento de pandemia muitas regras e a carga horária dos professores foram mudadas, o que deixou e vem deixando muitas salas e alunos sem aula. Já estamos em abril e nada se resolveu”. 

Além disso, a docente acrescenta a falta de atendimento psicológico, já que há a questão da máscara e muitos casos de ansiedade. Nossa escola por dia não sei nem quantos alunos vão embora com crise de ansiedade, por conta de brigas. Está bem complicada a questão do retorno presencial”, pontua. 

Para o psicólogo Matheus Rodrigues da Silva, que atua na área da violência escolar e da educação, o longo tempo de isolamento social impactou sim no comportamento dos estudantes. Ele destaca que os impactos são diversos e variam a depender da idade escolar. 

“Crianças têm como seu principal contribuinte na sua constituição a interação com os outros alunos de sua idade, o que foi reduzido drasticamente pelo afastamento ao ambiente educacional e mesmo pela dificuldade em se manter relações sociais remotamente”, avalia. 

O especialista ressalta também que a falta de contato presencial entre os alunos menores impactou na capacidade deles de ter experiências com alunos da mesma faixa etária, bem como o contato com ambientes físicos e também no aumento da violência pós-pandemia por meio virtual, o cyberbullying. 

“Aquele que seria o tempo de diversão com o uso da internet, começou a se confundir com o tempo de estudos, fator que também impactou diretamente no rendimento escolar. Alunos tiveram suas formações de forma integral na modalidade on-line durante cerca de dois anos, o que causou mudanças nas suas formas de entender e compreender o mundo”.

O psicólogo acrescenta que agora retirar vários aprendizados desse ambiente e aplicar no mundo físico também poderá ser problemático e “que ainda há muito o que ser avaliado como tem sido e como será o retorno dos alunos às aulas presenciais”. 

Bullying

“As queixas mais frequentes são de bullying, mas as causas para a violência nas escolas são diversas. Não existe uma única causa, não podemos apenas querer punir as agressões, ameaças e abusos, expulsando o agressor do espaço escolar”, afirma a psicopedagoga Maria Lúcia Rodrigues. 

Segundo ela, é necessário interpretar, compreender e intervir no processo formativo dessa pessoa em desenvolvimento ou do professor que é responsável por essa evolução, uma vez que o resultado final será reproduzir essas agressões em outros espaços sociais.

A especialista destaca que as consequências da violência no ambiente escolar são muitas. “Ela afeta o estado físico, emocional e social de todos os envolvidos na comunidade escolar. Todos saem prejudicados: alunos, professores, pais, colaboradores, comunidade geral. Para as vítimas da violência nota-se uma baixa estima, medos, transtornos emocionais e até pensamentos suicidas”, afirma. 

A psicopedagoga ressalta também o quanto a violência afeta a aprendizagem, que seria o foco principal da escola. “Por vezes, perde-se o desejo de estar nesse lugar, diminui a probabilidade de conclusão da educação básica, o que reflete na paralisação do processo educativo tanto da vítima quanto do agressor. A escola perde o lugar de interações de relações interpessoais saudáveis, lugar que se aprende a conviver com as diferenças e os diferentes, que era espaço para o convívio social”, explica.

Agressões

Já o psicólogo Matheus Rodrigues da Silva afirma que pesquisas científicas apontam que os principais alvos das agressões costumam ser aqueles alunos com características desvalorizadas socialmente, como por exemplo, os que têm alguma deficiência ou mesmo questões relativas à sexualidade, raça e condições financeiras.  

“No entanto, os alvos têm em comum a possibilidade de ser suscetível à violência. O bullying tem a caraterística de ter uma desigualdade de poder entre vítima e autor. Assim, qualquer um que esteja em situação de vulnerabilidade e seja percebido como frágil estar suscetível à violência constante, pois o que fomenta essa violência é poder atacar sem consequências”, afirma.

O especialista frisa que o bullying não pode ser enfrentado unicamente na sua ocorrência imediata. Ele deve ser entendido como uma tendência geral de uma sociedade violenta. “O enfretamento a essa prática só é ser possível com maior integração da educação com a família, governo e escola. Ainda, tendo como princípios da educação e da sociedade, a colaboração e identificação do outro, não apenas a busca pelo lucro através da competição. Ele expressa a dificuldade do aluno em se identificar e reconhecer a individualidade do outro, ou é fruto do narcisismo das relações contemporâneas”, ressalta.

Silva reforça, ainda, que o bullying não traz consequências apenas às vítimas. “De acordo com pesquisas atuais, os autores sobre o tema têm maior tendência a terem um baixo nível educacional, salários e empregos piores, maior tendência a serem criminosos, utilizarem álcool e outras drogas, além de serem pessoas que têm problemas de relacionamento mais constante na idade adulta e utilizarem maior quantidade de medicações por problemas de saúde”, explica o psicólogo.

 “As consequências mais comuns ao alvo são o baixo desempenho escolar, possível desenvolvimento de transtornos depressivos e ansiosos, enurese noturna, cefaleia, náuseas, evasão escolar e somatização de sintomas. Ainda, esses alunos têm possibilidades maiores de usarem serviços da saúde no futuro e utilizarem com maior frequência o álcool e outras drogas. Portanto, a violência tem consequências ao indivíduo e à sociedade”, completa o psicólogo.

Preocupação 

Mãe de dois filhos pré-adolescentes, a administradora de empresas Kristianni Araújo de Souza acredita que a preocupação dos pais em relação à segurança dos filhos seja bastante frequente. “Com relação aos meus filhos, tenho uma certa preocupação, principalmente quando eles estão sozinhos. Seja na porta da escola me esperando para buscá-los, no curso à tarde ou passeando com o cachorro”, afirma.

Kristianni ressalta que dentro da escola, existe também a questão do convívio social. E, a principal preocupação dela em relação aos filhos de 11 e 13 anos é o possível atrito com os colegas da própria escola. “Uma divergência de opinião com um colega, desrespeito que possa gerar algum tipo de violência física ou agressão verbal”, pontua.  

A administradora frisa também que poderia ser realizado algo a respeito da conscientização dos pais para tentar acompanhar mais os filhos no dia a dia, ouvi-los talvez. “As redes sociais da prefeitura e do Estado talvez seria um bom canal para divulgar campanhas de conscientização contra violência”, acredita. 

Para ela, quando a escola assume o posicionamento de fazer o aluno estudar para vencer na vida, ser o melhor, acaba exigindo demais sem conhecer o limite de cada um. “Nesse caso, acredito que acaba gerando ansiedade, que pode sim gerar algum transtorno relacionado a ansiedade, mas a violência, acredito que não”, avalia. (Especial para O Hoje) 

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