Cerca de 24,7 mil recém-nascidos foram registrados sem o nome do pai no Estado

Projeto do MP garante o direito à paternidade, envolvendo a atuação judicial e extrajudicial

Postado em: 20-04-2022 às 08h18
Por: Daniell Alves
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Projeto do MP garante o direito à paternidade, envolvendo a atuação judicial e extrajudicial | Foto: Pedro Pinheiro

No Estado, cerca de 24,7 mil recém-nascidos foram registrados sem o nome do pai na certidão de nascimento nos últimos cinco anos. A Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) sancionou lei que torna obrigatória a comunicação de  nascimentos sem  identificação de paternidade à Defensoria Pública (DPE) e ao Ministério Público de Goiás (MPGO). As unidades cartorárias devem enviar os registros à Defensoria Pública do Estado e Ministério Público de Goiás (MPGO). A iniciativa deve garantir o direito da criança previsto na lei, além da pensão alimentícia e herança em caso de falecimento do pai. 

O pai do designer gráfico, Vanderson Henrique dos Santos, 32 anos, não apareceu no cartório no dia do registro. Por isso, ele cresceu sem o nome do pai na certidão de nascimento. Para ele, o fato de não constar o nome no documento não afetou o psicólogo de forma negativa. “Nunca fui muito ligado a esse lance de família unida, pois mudávamos muito de cidade. Acabou que ficou perdido no tempo essa ideia, mas sempre ficava a pergunta de como seria ter”, revela. 

Vanderson só conheceu o pai biológico aos 27 anos. “Foi como conhecer um estranho pra mim, não existiu ligação, aquele elo entre pai e filho. Foi igual conhecer alguém qualquer. Acho importante o pai estar presente no desenvolvimento da criança até a idade adulta, porém um nome no documento não faz tanta diferença”, afirma. 

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O mesmo caso aconteceu com Vanessa Santos (nome fictício), que morou a infância com a avó e cresceu sem o registro do pai. “Eu não tenho porque, na época que nasci, a minha avó já pagava pensão para dois netos e não aceitou pagar para outro. E meu pai não deu nenhum retorno para me registrar”, conta. 

Crescer com um pai ausente e sem o registro nunca foi um problema para Vanessa. “Eu fui criada pela minha avó, sempre tive um estudo de qualidade e criação muito boa. Por outro lado, quando você chega em algum lugar e pedem o nome do pai fica uma situação constrangedora, principalmente em datas comemorativas”, ressalta. 

O único contato que ela teve com o pai foi em 2017, mas nunca chegou a conversar ou procurar para poder pedir o registro. “É ruim não ter esse contato. Acho importante todo mundo ter o registro do pai, mesmo que ele não seja presente. É uma forma de você saber que tem uma figura paterna. Mesmo que ele não fosse presente, a vida seria um pouco melhor”, aponta. 

Proteção 

A psicanalista Mayara Vieira Nunes, que também cresceu sem a presença do pai, explica que o papel da figura paterna desencadeia uma função de proteção. “Adultos seguros normalmente tiveram a presença do pai durante a infância. Carregamos também uma cultura de gerações passadas na qual defende a mãe cuidando do filho e o pai protegendo. O papel do pai faz parte do indivíduo e sua falta afeta diretamente na formação”, aponta. 

Portanto, aquelas pessoas que crescem sem o pai podem se tornar adultos inseguros, com medo de não conseguir reconhecimento. “Falar de traumas e problemas causados pela ausência é difícil porque cada indivíduo é um. Mas essa criança na fase adulta pode inclusive ter medo de se tornar pai ou mãe, medo de viver, não ser bom para o seu filho porque não tem como ele dar o que não recebeu. Então trata problemas na fase adulta”, ressalta. 

“Meu pai foi ausente e eu demorei muito pra entender o porquê de eu merecer menos do que meus irmãos, eu cresci achando que ele não me amava, que a culpa era minha, que eu não era digna de ter o amor do meu pai. Me questionava sempre se um dia eu teria seu amor reconhecido. Com a maturidade a gente entende certas coisas, mas ser privada de viver com a presença do meu pai, me fez questionar se eu saberia escolher um bom pai aos meus filhos, isso foi superado”, relata a psicanalista. 

Quase 25 mil sem o nome do pai 

Desse 2017, cerca de 24,7 mil recém-nascidos foram registrados sem o nome do pai no Estado. O número representa cerca de 6% do total de registros no período, pouco superior aos 412 mil. As informações estão no Portal da Transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

Considerando a pandemia da Covid-19, foram feitos cerca de 10 mil registros de crianças a menos que nos dois anos anteriores. Com relação à proporção do número de registros sem o pai, comparando os dois períodos, seguiu a mesma média de 6% durante a pandemia.

Projeto do MP garante o direito à paternidade 

Em Goiás, há um projeto desenvolvido pelo MP para a garantia do direito à paternidade, envolvendo a atuação judicial e extrajudicial do órgão de forma gratuita. O serviço de investigação de paternidade já existia, mas a população não conhecia as oportunidades”, reforça a promotora de Justiça Gislene Silva Barbosa, idealizadora do projeto. 

Segundo ela, na maioria dos casos em que não há registro do pai é porque a mãe acaba pensando somente em si. Ela lembra da raiva que passou como companheiro, do relacionamento não deu certo. Muitas delas não tem condições de criar. Tudo isso pesa no psicológico dela”, aponta. 

Contudo, é um direito da criança ter o nome do pai na certidão de nascimento. “Ela terá acesso a pensão alimentícia e no futuro quando aquele homem morre, a criança será a herdeira. Além disso, afeta o psicológico da criança”. De acordo com as estatísticas da promotoria do MP, de março de 2020, quando os meios digitais foram adotados, a janeiro deste ano, foram realizados 1.448 atendimentos por WhatsApp, com 414 procedimentos solucionados de forma imediata, sem realização de exames.

Nos procedimentos em que o pretenso pai não é encontrado, ou não se deixa encontrar, Gislene Barbosa esclarece que é possível ingressar com uma ação de investigação de paternidade. Além disso, há também a possibilidade de fazer o reconhecimento de suposto pai já falecido.

Ampliação 

Com a autorização para a adoção de ferramentas digitais de atendimento e comunicação em decorrência da pandemia da Covid-19, a 51ª Promotoria de Justiça de Goiânia, responsável pelo projeto, conseguiu ampliar o alcance dos serviços e agilizar os procedimentos, sobretudo em casos de reconhecimento espontâneo de paternidade quando o pai indicado mora em outra cidade, Estado ou no exterior.

Segundo a promotora Gislene, a partir da decretação do estado de emergência em razão do coronavírus, a 51ª Promotoria criou um número de WhatsApp específico para atender os casos (62 99418-9573). Por meio dessa rede, a equipe do órgão passou a fazer os contatos com as mulheres cujos filhos não possuíam o nome do pai nas certidões, indicadas a partir da atuação dos cartórios de registro civil nas maternidades. Pelo número criado, são enviados os convites para o contato com o MP, caso seja demonstrado interesse no reconhecimento da paternidade.

Para a devida formalização do procedimento no MP, todos os registros de contatos e conversas são devidamente digitalizados e inseridos no sistema de movimentação de autos da instituição, o Atena. O uso dessas ferramentas e a mudança no formato de atendimento, observa a promotora, foram devidamente autorizados pelo Colégio de Procuradores de Justiça do MPGO.

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