Apraxia; uma deficiência pouco falada, mas presente na sociedade e que atinge 51 crianças em Goiânia

Bruna sentiu dificuldades no início para entender essa limitação nova por falta de informações

Postado em: 14-05-2022 às 09h03
Por: Sabrina Vilela
Imagem Ilustrando a Notícia: Apraxia; uma deficiência pouco falada, mas presente na sociedade e que atinge 51 crianças em Goiânia
Bruna sentiu dificuldades no início para entender essa limitação nova por falta de informações | Foto: Pedro Pinheiro

Fabiana Garofalo Collavini Cunha passava de médico em médico em busca de respostas para a dificuldade da filha que não atingia os marcos do desenvolvimento comuns para a idade, especialmente na fala. Aos seis meses, Ana Beatriz, não respondia a alguns estímulos e a peregrinação por consultórios, equipes multidisciplinares formada por terapeutas e fonoaudiólogos, rendeu uma melhora significativa no desenvolvimento da filha, mas não o bastante para a fala. O transtorno que atinge 2 a cada 1000 crianças no mundo ainda é pouco discutido. Em Goiânia, cerca de 51 crianças são diagnosticadas com algum tipo de distúrbio na linguagem ou na fala.

“Minha sogra, que é psicopedagoga, percebeu que ela não estava dentro dos marcos do desenvolvimento. Era como se ela tivesse um bloqueio na hora de falar”, explica. Ela diz ainda que a filha entendia comandos como bater palmas, dar as mãos e pegar brinquedos. “Mas ainda não conseguia dizer palavrinhas que crianças da idade dela já expressavam com facilidade”, lembra.

Hoje na presidência da Associação Brasileira de Apraxia na Infância (Abrapraxia), Fabiana luta para a conscientização sobre o transtorno e busca apoio do poder público. A doença é um transtorno motor na fala que afeta a habilidade da criança em produzir e sequenciar sons. O dia 14 de maio é voltado para a conscientização, mas a data ainda está em busca de oficialização pela Câmara Municipal de Goiânia.

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Ao falar com outras mães na recepção de inúmeros consultórios, ela percebeu que não estava sozinha. “Muitas famílias passavam pela mesma situação. Essa troca me ajudou muito, me senti acolhida para seguir adiante”, relembra.

Após a passagem por diversos fonoaudiólogos e Ana Beatriz completar 2 anos, foi quando os pais da criança ouviram falar pela primeira vez sobre o transtorno. “Foi a primeira vez que ouvi falar em apraxia. Continuei a busca até encontrar uma fonoaudióloga que estudava o assunto, em São Paulo. Quando Ana tinha 3 anos, ela recebeu o diagnóstico de Apraxia. Foi libertador, porque você sabe qual caminho seguir”. 

Ela se dedicou integralmente a estudar a Apraxia da fala na infância. “Desse dia em diante, eu coloquei como missão divulgar a Apraxia de fala na infância para o máximo possível de pais e profissionais. O diagnóstico precoce e o tratamento certo melhoram muito a vida dos pequenos, desenvolvendo o potencial de cada um”.

Agora Fabiana pode vibrar pelas conquistas que ela já teve junto com a associação como traduzir livros para o português para mostrar  desmistificar o significado desta condição, cursos , aprimoramento e conferências em todo o território nacional tanto no online como no presencial e trouxe ao país 18 palestrantes internacionais para falar  do assunto. 

Desconhecida, diagnóstico costuma ser tardio

A administradora Bruna Ribeiro também é membro da Abrapraxia e é mãe do Gabriel, 10, que nasceu prematuro e os médicos associaram esse fato com o atraso na fala. “Ele nasceu com 28 semanas e ficou 47 dias na UTI, e todo o atraso no desenvolvimento os médicos alegavam que era por conta da prematuridade. Ele demorou a sentar, andar, e procurei um neurologista pois sabia que o desenvolvimento estava fora do padrão esperado para a idade”.

Com 1 ano e 6 meses Gabriel já deu início a fisioterapia, mas apenas com 2 anos que ele começou a fazer terapia com a fonoaudióloga. “Nem pediatra, nem neurologista, ninguém suspeitava ou pensava na ausência de fala. O foco estava todo voltado para o desenvolvimento global”, relembra.

Conforme Gabriel mostrou progresso na fonoaudióloga, o sexto sentido de mãe da Bruna já imaginou ser algo relacionado a fala que tanto afligia o menino. “Quando Gabriel estava com 3 anos a Associação trouxe para Goiânia o primeiro curso de Apraxia no Brasil, e nesse curso a fonoaudióloga não teve dúvidas do diagnóstico e então se iniciou um tratamento voltado para a Apraxia”. 

Ribeiro sentiu dificuldades no início para entender essa limitação nova por falta de informação. “Foi muito difícil, tinha pouca informação em português sobre o diagnóstico e ainda a falta de conhecimento dos profissionais. Vivi um luto, e depois de alguns meses fui a luta para intensificar as terapias do Gabriel”, relata.

Quem vê o Gabriel todo comunicativo, conversando com as pessoas e pegando o microfone para falar nem imagina que até os seus 4 anos ele era não verbal, “mas ele começou a evoluir e ter sua voz”. Bruna diz que a luta com o preconceito, respeito,empatia e inclusão é diário. “Vivemos um processo de aprendizado, além da dificuldade de fala dele, tinha a dificuldade do desconhecido, de não saber muito o que fazer”.

Além da fala, condição pode envolver questões motoras

A fonoaudióloga infantil especializada no desenvolvimento de fala há 24 anos, Elizabeth Giusti, explica o que significa a criança que tem que conviver com a Apraxia da fala. “Para a maioria das crianças a fala é um processo natural. Porém, para uma criança com Apraxia falar é muito desafiador. “É como se o cérebro não conseguisse se conectar com a boca. A criança tem dificuldade em organizar os processos da fala”.

Segundo ela, as crianças conseguem entender o que está sendo dito, o que acontece, mas não conseguem verbalizar. “Para conseguir falar tem que ter a intenção e a iniciativa da fala. Muitas desistem de tentar por ser mais desafiador. Tem crianças que têm dificuldades de aprender vogais e consoantes. Não conseguem saber o que fazer com a boca, possui fala truncada, fala robotizada sem ritmo contínuo e acaba perdendo clareza na fala e não consegue ser entendida”.

A especialista esclarece que além da falha de comunicação a criança com Apraxia pode ter consequências emocionais. “ A Apraxia vai além da fala, pode acometer questões motoras, alimentação, equilíbrio. Crianças que não tiveram acesso a esse diagnóstico e agora estão já na adolescência sentem tristeza, frustração, irritação, ansiedade, insegurança e isolamento”. 

Luta por reconhecimento

De autoria do vereador William Veloso, o Projeto de Lei (PL) 149 busca reconhecer o Dia Municipal de Conscientização da Apraxia da fala na Infância (AFI) com o objetivo de conscientizar a população sobre os sintomas do distúrbio. A Câmara realizou, na última sexta-feira (13), uma audiência pública para discutir os aspectos, objetivos e incentivar a sociedade a refletir sobre os direitos que pais e filhos têm, além de conscientizar sobre o transtorno.

A Gerência de Inclusão, Diversidade e Cidadania da Secretaria Municipal de Educação (SME) é responsável por observar a parte pedagógica das crianças, mas quando se vê a necessidade elas são encaminhadas para um atendimento personalizado conforme salienta o gerente Adlai Luiz Rodrigues da Silva.

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