Câmara analisa uso de eletrochoque em adolescentes em presídios de Goiás

O MP goiano abriu a investigação após denúncia de que agentes do Grupo de Operações Penitenciárias (Gope) foram flagrados usando armas de eletrochoque contra detentos que não ofereciam resistência

Postado em: 01-12-2017 às 12h00
Por: Márcio Souza
Imagem Ilustrando a Notícia: Câmara analisa uso de eletrochoque em adolescentes em presídios de Goiás
O MP goiano abriu a investigação após denúncia de que agentes do Grupo de Operações Penitenciárias (Gope) foram flagrados usando armas de eletrochoque contra detentos que não ofereciam resistência

Na contramão da investigação do
uso de armas de eletrochoque em presídios de Goiás, que está sendo investigado
pelo Ministério Público do estado, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de
Lei (PL) 6433/16, que autoriza os agentes responsáveis pela execução de medidas
socioeducativas aplicadas a adolescentes a utilizarem armas de eletrochoque em
situações específicas.

O MP goiano abriu a investigação
após denúncia de que agentes do Grupo de Operações Penitenciárias (Gope) foram
flagrados usando armas de eletrochoque contra detentos que não ofereciam
resistência. Dois servidores foram afastados ontem (30).

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Responsável pelo inquérito, o
promotor Marcelo Coutinho aponta que o uso desse tipo de instrumento,
considerado não letal, gera preocupações. 
“As armas não letais foram criadas e são utilizadas para contenção de
agressões contra as pessoas e de forma a conter os presos, sem tirar a vida
deles. Mas o que a gente tem percebido é que elas têm sido utilizadas como
mecanismo de tortura”, aponta.

Já no Projeto de Lei, o
propositor, deputado Cajar Nardes (PR-RS), diz na justificativa que a arma será
utilizada para proteger internos, funcionários e terceiros e que só será
empregada em situações específicas. A Agência Brasil procurou o deputado, mas
ele não pôde dar a entrevista; a reportagem também não conseguiu contato com as
organizações indicadas por sua assessoria.

O Projeto de Lei

O PL detalha que a arma poderá
ser utilizada contra o que chama de “interno não-cooperativo”, mesmo quando
desarmado, se ele não puder ser imobilizado manualmente ou por meio mecânico,
mas tiver que ser contido em razão de “apreensão, captura, detenção ou
custódia, se sua conduta ou reação puser em risco a integridade física de
eventual vítima sob seu domínio, de terceiro não envolvido, do agente ou de si
próprio”; de “descontrole emocional, se sua conduta ou reação puser
em risco a integridade física própria, do agente ou de terceiro”; ou  de tentativa de suicídio.

O agente poderá valer-se da arma
contra interno que portar arma branca, “se não for conveniente seu desarme por
outra forma sem colocar em risco a integridade física de eventual vítima sob
seu domínio, de terceiro não envolvido, do agente ou de si próprio”. Também
abre possibilidade de uso para “condução de interno perigoso” ou diante de
“interno não-cooperativo, portando arma de fogo”. A proposta permite,
inclusive, o uso de arma de fogo pelos agentes, como último recurso para conter
interno que estiver armado ou para custodiar “interno perigoso”.

O projeto tramita em caráter
conclusivo nas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; de
Seguridade Social e Família; e de Constituição, Justiça e de Cidadania. Isso
significa que é dispensada sua apreciação, em plenário, pelo conjunto dos
deputados federais.

Crítica à proposta

O perito do Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) Rafael Barreto critica a proposta. “Não
há outro país do mundo que tenha legislado expressamente autorizando
eletrochoque contra adolescente privado de liberdade”, explica. Ele reconhece
que há, nas unidades do sistema socioeducativo, diversos registros de rebeliões
e outras formas de violência, mas discorda que essa situação se deva à falta de
um aparelho repressor mais eficaz. A característica conflitual, aponta, está
associada ao intenso confinamento dos jovens.

Conforme o MNPCT, a média de
confinamento diário em alojamentos que se assemelham a celas é de 23 horas. No
fim de semana, de 72 horas. “O mecanismo visitou vinte unidades em doze estados
e constatou que nenhuma delas garantia atividade externa todos os dias, como os
presos têm, de 3 horas por dias. Os adolescentes, portanto, recebem um
tratamento mais gravoso do que os adultos presos”, relata.

“O eletrochoque em nada vai
coibir isso. O adolescente tem que ter esporte, cultura e lazer, além da
educação formal, que deve ser de 4 horas por dia”, diz Barreto. Ele defende
que, assim como nas escolas não se usa a força, mas sim o diálogo e outros
mecanismos de mediação de conflitos baseados em educação, também não deve
ocorrer nas unidades.

De acordo com a justificativa do
PL, os agentes executores de medida socioeducativa trabalham de forma
desprotegida. “Em muitas ocasiões, tratando com adolescentes mais perigosos que
certos delinquentes adultos, referidos profissionais ficam reféns da proibição
de uso de armas que lhes protejam e às demais pessoas que convivem nos
estabelecimentos de internação”, diz. Além da questão interna, acrescenta que o
agente, “não podendo portar arma por vedação legal, igualmente não pode
adquirir arma para sua defesa extramuros devido à parca remuneração, que é
regra. Não fosse a remuneração, ainda há a política governamental no sentido de
restringir a concessão de porte à maioria dos cidadãos”.

Atualmente, as possíveis formas
de abordagens de situações de conflitos estão estabelecidas no documento
Parâmetros da Segurança no Atendimento Socioeducativo, o qual dispõe que “em
todo centro de privação de liberdade de jovens deve ser proibido o porte ou a
utilização de armas por funcionário”. O documento detalha práticas mediativas e
restaurativas tidas como estratégicas para a vida segura e protegida na
comunidade socioeducativa, que envolve os adolescentes e também os
profissionais e as famílias.

Baixa letalidade

O uso de armas de eletrochoque e
outras de imobilização temporária é abordado pela Resolução n° 6 do Conselho
Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que trata da garantia de direitos e da
aplicação do princípio da não violência no contexto de manifestações e eventos
públicos, bem como na execução de mandados judiciais de manutenção e
reintegração de posse.

No documento, o Conselho não
utiliza a expressão “não letais”, mas sim “baixa letalidade”, já que esse tipo
de arma pode levar à morte em algumas situações, como no caso de pessoas que
tenham problemas no coração.

A resolução determina que “não
deverão, em nenhuma hipótese, ser utilizadas por agentes do poder público armas
contra crianças, adolescentes, gestantes, pessoas com deficiência e idosos” e
que “o uso de armas de baixa letalidade somente é aceitável quando comprovadamente
necessário para resguardar a integridade física do agente do poder público ou
de terceiros, ou em situações extremas em que o suso da força é comprovadamente
o único meio possível de conter ações violentas”. 

Fonte: Agência Brasil. Foto: Reprodução

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