Homofobia: As cores do medo

Embora números mostrem que taxas de violência no Estado diminuem, LGBTs goianos vivem rotinas marcadas pela tensão constante e relatam crescimento de intolerância

Postado em: 06-12-2017 às 07h00
Por: Guilherme Araújo
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Embora números mostrem que taxas de violência no Estado diminuem, LGBTs goianos vivem rotinas marcadas pela tensão constante e relatam crescimento de intolerância

Guilherme Araujo*

Famosa no Setor Universitário, a Av. 236 é
considerada um logradouro tranquilo do tradicional bairro goianiense. Vivendo desde
o fim da adolescência em Goiânia, o estudante Everton Paulo conta que costuma
caminhar todos os dias da universidade até seu endereço, onde mora com amigos. Ele
diz que é um caminho que já conhece bem e que o faz à noite sem grandes
preocupações: “Fui criado no interior, não tenho muito disso de ter hora pra
sair”.

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Naquela quinta-feira, último dia do mês de
agosto, o relógio marcava 20h. Ton, como costuma ser chamado pelos mais
próximos, voltava da aula mais cansado, pela semana atribulada, do que
apressado. Nos fones de ouvido soava uma canção de Bob Dylan, seu cantor
favorito – aspecto que provavelmente o distraiu frente às intenções do homem
com que dividia a calçada, seguindo em sentido contrário: “Nunca o tinha visto
antes na vida”, relembra. Ton foi mais uma vítima do crescente número de
ataques de homofobia na capital.

Uma mulher assistia tudo do 3º andar de um dos vários prédios residenciais que o setor abriga e convidou Ton a entrar, às pressas. “Ela me perguntou o que tinha acontecido, e preocupada, ligou para o marido. Foi ofendida e ameaçada igualmente pelo meu agressor, que ameaçava entrar, com palavras homofóbicas”, conta. Hoje, recuperado do susto, Ton se queixa da falta de amparo que recebeu da Polícia, dizendo que mesmo recebendo 5 ligações suas denunciando o ocorrido, nenhuma viatura compareceu ao local.

Foi em um happy hour ao lado de amigos em um conhecido bar da capital que o jornalista e DJ Roldão Barros enfrentou situação semelhante. Ao trocar um beijo com o namorado, a direção do estabelecimento procurou Roldão e pediu que ele e o namorado não trocassem nenhuma demonstração de afeto no lugar: “Me disseram que era uma norma da casa, mas era só voltar os olhares para outras mesas, inclusive a nossa, que tinha um outro casal, que visivelmente notaríamos que se tratava de uma restrição para casais homossexuais”, relata.

O estabelecimento venceu a ação judicial. A impunidade, de acordo com a advogada Chynthia Barcellos, especializada em causas ligadas à Diversidade Sexual, é uma das grandes barreiras a serem vencidas na luta por direitos LGBTs. Para ela, a Justiça não apresenta deficiências ao julgar casos de violência, no entanto, há questões difíceis que devem ser incessantemente trabalhadas: “Entre os entraves que nos deparamos está a ausência de uma legislação específica e a existência de uma dificuldade de se provar algumas denúncias”, destaca.

Há 7 anos defendendo casos deste cunho e trabalhando em prol da capacitação de empresas para a Diversidade Sexual, ela reforça que as pessoas não devem se calar: “As pessoas não podem se calar. O que aconselho é que denuncie ao Disque 100, que recebe denúncias ligadas aos Direitos Humanos. Se for difamado, injuriado, tiver sofrido lesão corporal ou ainda uma tentativa de homicídio, deve-se buscar imediatamente uma delegacia para registrar uma ocorrência, e em seguida, um advogado”.

Esquadros

Cada vez mais comuns, ao mesmo tempo em que a causa tem se convertido em um movimento gradativamente mais expressivo, o número de agressões a pessoas LGBTs só faz crescer. O levantamento mais recente do Grupo Gay da Bahia (GGB), entidade que luta em defesa de LGBTs de todo o País, mostram que entre os meses de janeiro a maio de 2017, só no Brasil foram assassinados 117 pessoas – todas elas vítimas da discriminação. 

Os dados ainda mostram que a situação tem ficado cada vez mais drástica, aumentando o número de mortes. Até 2016, estimava-se que a cada 28 horas um homossexual era morto no País. Para 2017, as previsões dão conta de que cada homicídio ocorra num prazo de 25 horas.

Embora o Estado de São Paulo seja o campeão em assassinatos, a tensão é generalizada em localidades onde o clima é teoricamente mais ameno. Somente na Bahia, onde está localizada a sede do GGB, desde que foi inaugurado o Centro de Referência para pessoas trans, gays e lésbicas, foram feitos 600 atendimentos. Em Goiás, federação que ocupa o 10º lugar no ranking dos estados mais violentos do País, ainda há confusão – não há uma delegacia especializada para receber denúncias deste caráter.

Para a delegada Ana Elisa Gomes Martins, titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher, um dos locais responsáveis por receber denúncias de crimes relacionados à homofobia, o crescimento da violência se deve a uma série de fatores, entre eles a impunidade.

No Brasil não há legislação que criminalize a homofobia. Sem o apoio político, militantes da população LGBT buscaram junto ao Senado em meados deste ano um projeto de lei que criminalizasse casos de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, na mesma intensidade que o racismo. A proposta, que deveria conter ainda um mínimo de 20 mil assinaturas, foi entregue em fevereiro deste ano para avaliação pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Sem progresso algum, o que se viu foi um panorama que de longe ainda não parece oferecer respostas.

Vítimas LGBTs por Estado:

Traumas

Quando a transexual Dandara dos Santos foi brutalmente assassinada, o choque foi grande. No entanto, há quase um ano, história semelhante se passou em Goiás, com a transexual Emanuelle Muniz. O crime aconteceu em fevereiro deste ano. A jovem, que tinha 21 anos, foi vítima de estupro antes de ser morta. Foi encontrada jogada às margens da BR-060, sentido Anápolis, configurando mais um crime bárbaro e frio, como mostraria depois em depoimento Daniel Lopes Caetano, de 20 anos, um dos autores.

Além de Daniel, foram indiciados ainda outros três suspeitos: Reinivan Moisés de Oliveira, 20, Sérgio Cesário Neto, 21, e Maurício Machado, 18 – todos naturais de Goianésia, município a 180 km de Goiânia. Segundo o inquérito, Emanuelle teria sido abordada por Daniel e os colegas ainda na rua, oferecendo a ela uma carona. Após ter negado, a jovem foi roubada e sofreu tentativas de abuso sexual. Ao notarem que se tratava de uma transexual, o grupo decidiu matá-la.

Sob essa mesma sensação – de que seria morta – é que a estudante D. F. N.** terminou o que seria uma noite de descontração em uma boate de Aparecida de Goiânia, região Metropolitana de Goiânia. Ela, que não é lésbica, abraçava uma amiga que fazia aniversário na ocasião e foi confundida: “Estava em um dos sofás, com um grupo de amigas. No que abracei a M., senti um chute no meu joelho. Quando olhei de volta, apesar da música alta, ouvi palavras muito ofensivas quanto à minha sexualidade. Me senti um lixo”.

Para ela, o pior da situação foi sentir o que diariamente um LGBT sofre: “Na manhã seguinte fui diretamente à delegacia relatar o que aconteceu. Não recebi apoio algum da gerência da boate, que ainda foi irônica comigo”. Com medo de sair de casa e apreensiva pela segurança do irmão gay, decidiu um tempo após o ocorrido iniciar um processo de terapia, buscando superar as feridas psicológicas que a cicatrização física não foi capaz de curar.

De acordo com a psicóloga Rose Meza, especialista em neuropsicologia, não há meios de se determinar quais os efeitos psicológicos uma agressão provocaria na vítima. “Seja física ou verbal, casos de homofobia, que podem ser considerados como bullying, tem um impacto muito variável, dependendo de como a vítima processa, recebe essa violência”. Para ela, na maioria dos casos a pessoa começa a ter medo de sair de casa, de se relacionar ou de expor: “A tendência é de que se gere um desdobramento, como outros transtornos, entre eles a depressão, o pânico ou a fobia”, alerta.

* Guilherme Araujo é integrante do programa de estágio do jornal OHoje.com, sob supervisão de Naiara Gonçalves.

** A pedido da fonte, sua identidade foi preservada. 

(Fotos: Reprodução)

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