Goiás é o segundo estado com mais crimes cometidos contra LGBTQIAPN+

Houve aumento de 161,0 % de lesão corporal dolosa entre 2020 e 2021

Postado em: 01-08-2022 às 08h03
Por: Sabrina Vilela
Imagem Ilustrando a Notícia: Goiás é o segundo estado com mais crimes cometidos contra LGBTQIAPN+
“Ser LGBTQIAPN+ no Brasil é sofrer preconceito mesmo antes de entender nossa própria sexualidade”, lamenta Maurício | Foto: Sabrina Vilela

O registro de casos de crimes contra a população LGBTQIAPN+ em Goiás aumentou 161,0% em 2021, na comparação com o ano anterior. É o que aponta dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, documento divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no mês de junho. Em 2020, 141 pessoas tiveram lesão corporal, no ano seguinte o número subiu para 368.

Os números deixam Goiás em segundo lugar com mais registros de crimes a essa classe de pessoas. Em primeiro lugar fica Pernambuco com 652 casos no ano passado. O que chama a atenção é que a porcentagem de crescimento não foi tão alta porque os números anteriores já estavam elevados. Em 2020, em Pernambuco 604 pessoas sofreram algum tipo de lesão corporal, ou seja, o aumento foi de 7,9%.

No que se refere ao número de homicídios a LGBTQIAPN+, Goiás teve a maior variação registrada, com taxa de aumento de 375,0%. 19 mortes em 2021 e um ano antes quatro óbitos. No ano passado 27 foram vítimas de estupro. Em contrapartida, em 2020 foram dez.

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Preconceito enraizado

Médico ortopedista, Maurício Pessoas Morais Filho,32, relata com pesar que “ser LGBTQIAPN+ no Brasil é sofrer preconceito mesmo antes de entender a própria sexualidade”. Para ele, o preconceito faz parte do dia a dia, e começa quando existe uma cobrança de um padrão heteronormativo e binário ainda na infância e que perdura ao longo da vida. 

Ele relata que tais preconceitos refletem nas questões relacionadas ao trabalho, estudos e atividades cotidianas. “Eu mesmo já passei por inúmeras situações no trabalho em que tive minha competência e meu intelecto questionado em decorrência da orientação sexual”. O ortopedista sofreu discriminação por causa da área de atuação escolhida, visto que é considerada uma área de atuação médica considerada pela maioria como um lugar de um exemplo é na escolha da ortopedia “masculinidade padrão”, conforme ele destaca.

Os sofrimentos vividos por Maurício Filho deixou cicatrizes que vão durar a vida toda. As situações rotineiras que ele passava foram se agravando com o tempo, até culminar violência psíquica direta e ameaças de violência física no próprio ambiente de trabalho. “Fui constantemente violentado e ofendido com dizeres de “essas pessoas tem que morrer”, “vocês são doentes, o lixo da humanidade”, “o mundo está assim por culpa de vocês”, “se dependesse apenas de mim você e seus iguais estariam mortos”. 

Consequências

Em decorrência de violências e ameaças sofridas ele desenvolveu transtorno de ansiedade grave, transtorno depressivo, crises de pânico e estresse pós-traumático. Essas dores permanecem até hoje com necessidade de acompanhamento e tratamento psicológico, psiquiátrico e neurológico.

Quando se trata de Goiás não ser seguro para quem é LGBTQIAPN+, Márcio não consegue sentir segurança. “Levando em consideração o perfil conservador do Estado de Goiás, bem como um posicionamento político alinhado com a extrema direita, é impossível se sentir seguro. Mesmo falando em uma posição com inúmeros privilégios, por ser homem, branco e de classe média, viver aqui é ter medo constante de agressão, de perder emprego, de ser ainda mais discriminado, de ser violentado e de virar mais um número no rodapé de algum jornal anunciando nossa morte”. 

Filho acredita que para que a violência contra LGBTQIAPN+ diminua é necessário que se eduque desde a infância o respeito ao outro, que os direitos adquiridos a força de jurisprudência passem a ser lei, que as denúncias por crimes de LGBTfobia sejam seriamente tratadas pelas autoridades responsáveis, que se garanta o cumprimento de penas por esses crimes. 

“Somos diversos, das mais variadas orientações, profissões e cores, cada vez ocupamos mais lugares nas universidades, na política, nas empresas. Porém, é preciso que existam políticas públicas que assegurem o acesso e permanência nesses lugares. E, por último, é fundamental que busquemos a interseccionalidade em nossas lutas por direitos e respeito com os movimentos feministas, negros, indígenas e tantos outros que sofrem com a opressão para que consigamos resistir e conquistar”, conclui.

O preconceito começa em casa

A psicóloga , especialista em questões LGBTQIPN+, Wanessa Mendonça afirma que atende diariamente pessoas que sofrem algum tipo de violência seja física ou psicológica. “O preconceito, a violência, na maior parte das vezes começa dentro de casa, ainda na infância”. A maioria dos pacientes  de Wanessa já ouviram dos pais “Você vai apanhar até virar homem”, ou até “vou te levar no médico ou para a igreja porque isso não está certo, só pode ser doença”. Nessas palavras estão vários tipos de violência que são sofridas depois como psicológica, física, abusos sexuais e outros . 

A violência que as pessoas LGBTQIAPN+ sofrem têm impactos graves impactos graves, como prejuízos nas habilidades sociais, assim como dificuldades de se colocarem no mercado de trabalho, acesso a serviços básicos de saúde, educação. “O afastamento da família também é muito comum, a maioria das pessoas se afastam para conseguirem viver”. Mas, segundo a especialista destaca, o pior estágio é quando eles já não aguentam mais tanta pressão e acabam desistindo da vida. 

Para Mendonça a justificativa para os dados assustadores em Goiás é a intolerância, sobretudo, a ignorância, a falta de conhecimento sobre o assunto, a intolerância religiosa, a falta de empatia, estilos de comportamentos rígidos, machistas, dentro de uma cultura que não tolera diferenças. 

“A melhor forma para amenizar essa situação é através do conhecimento, do acompanhamento profissional qualificado, onde as pessoas possam conhecer as diferenças, exercitar a empatia”, destaca. Ela acredita que o processo de aprendizagem pode mudar esse quadro. Quanto mais as pessoas souberem sobre o assunto, entenderem as diferenças, maior a possibilidade de diminuir o preconceito e por consequência, todos os tipos de violência.

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