Déficit de professores deve atrapalhar recuperação da educação
Brasil pode ter carência de 235 mil professores da educação básica em 2040
Por: Vinicius Marques
O número de professores e estudantes de licenciaturas tem caído ano após ano com a desvalorização dos profissionais e a carga pesada de responsabilidade. Vista, por muitos, como uma missão, vocação e renúncia, a carreira de professores não têm atraído o interesse dos mais jovens. Num cenário de tentativa de recuperação das perdas no ensino provocados por dois anos de aulas remotas, em decorrência da pandemia de Covid-19, a educação brasileira corre sérios riscos de se afundar. Com a falta de demanda por alunos nessas áreas, universidades particulares fecham portas e educadores veem o panorama com preocupação.
Estudo do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) aponta para um crescente desinteresse, especialmente dos jovens, em seguir a carreira docente. Levantamento aponta que o país pode ter um déficit de 235 mil professores na educação básica e o cenário é preocupante para profissionais da área que discutem os motivos e soluções para o caso. Entre 2010 a 2020, houve um crescimento de 53,8% no ingresso em graduações que tem como carreira o ensino, enquanto nos demais cursos o aumento ficou em 76% no período.
O estudo aponta ainda o problema da evasão. Nos dez anos analisados, o percentual de estudantes que concluíram os cursos de licenciatura cresceu apenas 4,3%. O levantamento foi feito a partir de dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que é vinculado ao Ministério da Educação.
A pesquisa mostra que o percentual de novos alunos em cursos de licenciatura com até 29 anos de idade caiu de 62,8%, em 2010, para 53%, em 2020. Assim, a carreira vem registrando, segundo a pesquisa, um envelhecimento dos profissionais.
Lógica do lucro atrapalha
Isabela de Freitas Morais é bacharel em ciências sociais e licenciada em Pedagogia. Ela estuda o perfil dos alunos ingressantes nos cursos de licenciatura no Brasil. Ela aponta que houve mudanças significativas no perfil do aluno que ingressa nos cursos de licenciaturas e na forma como os Institutos de Ensino Superior (IES) estão se organizando para manter os cursos na grade das instituições. A lógica do lucro, especialmente das instituições privadas, faz com que as vagas fiquem ociosas. “Atrelado a isso é possível observar uma crescente na demanda de cursos de licenciatura em Ead, o que coloca muito em risco os níveis de qualificação desse profissional”.
Para Isabela, as IES não conseguem obter lucro e acabam transformando os cursos presenciais em EADs, o que traz uma queda na qualidade do ensino. “É uma reação em cadeia, a falta de expectativas positivas financeiras faz com que as pessoas procurem menos a formação no magistério. Consequentemente, essa falta de procura leva as IES a investirem menos nos cursos de licenciatura”, analisa.
O ensino à distância não é um problema por si próprio. Apesar de possibilitar um acesso maior da população ao processo educativo, ela pode elevar o risco do sucateamento do professor. “Muitas instituições de ensino diminuíram a carga horária dos professores, passaram a utilizar um material muito básico e com aulas gravadas. Por vezes esse material é utilizado por muitos anos e não é atualizado, isso faz com que os alunos em formação tenham acesso a um conteúdo que não condiz com a realidade”, pontua.
A falta de orientação é um dos fatores preocupantes, segundo Morais. Isso porque, quando os profissionais vão a campo sem um orientador, a relação entre teoria e prática, muitas vezes é prejudicada. “Contudo, se formos analisar a educação a distância como possibilidade para educação continuada eu já vejo com bons olhos, pois possibilita que esses profissionais em atuação estejam em constante atualização”.
Carreiras mais atrativas
João Paulo Godoy, pedagogo, mestre em educação e doutorando em educação pela Universidade de São Paulo (USP) observa, com preocupação, o número crescente de instituições que fecham cursos de licenciatura por falta de matrículas. o contexto brasileiro de crise interfere diretamente na realidade universitária, nos números de matrícula e evasão, mas no campo dos cursos de licenciaturas, a coisa parece ser mais grave e mais antiga”.
João Paulo avalia que esse cenário é fruto de uma “histórica despreocupação das políticas públicas com a educação brasileira e com a carreira docente”. “Sem professores, abre-se espaço para ações emergenciais questionáveis como a flexibilidade de formação, aligeiramento dos cursos, facilitação de dupla titularidade, bem como a colocação de professores em escolas para ministrarem disciplinas para as quais não foram formados”
Godoy afirma que a maneira mais eficaz de enfrentar a falta de professores é transformar a carreira docente através da valorização dos profissionais. “O magistério não pode ser visto como uma missão, uma vocação a exigir sacrifício e renúncia. Ela deve ser encarada como uma profissão de pessoas comuns, mas imprescindível para a nação. Há exemplos, no Brasil, de carreiras públicas altamente atrativas, como as do campo do direito. Por que não há falta de bacharéis em direito no Brasil? Exatamente pela atratividade das carreiras jurídicas”, conclui.
Número de professores caiu mais de 42% em 12 anos
Entre 2009 e 2021, o número de professores em início de carreira, com até 24 anos de idade, caiu de 116 mil para 67 mil, uma retração de 42,4%. Ao mesmo tempo, o percentual de docentes do ensino básico com 50 anos ou mais cresceu 109% no período.
A presidente do Semesp, Lúcia Teixeira, destaca que a formação de professores com mais de 29 anos não significa, necessariamente, a entrada de novos professores na carreira. Segundo ela, esses profissionais são, na maioria das vezes, pessoas que já trabalham na área. “Isso acontece em razão da lei que obriga o professor em exercício a ter formação mínima na área de pedagogia ou em licenciaturas para o magistério na educação básica”, explica. (Especial para O Hoje)