Alunos trocam estudos por trabalho

Inep mostra que dificuldade financeira tira aluno do ensino superior. Estudantes dizem que choque de horários e preço da mensalidade é o principal fator da desistência

Postado em: 05-02-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Inep mostra que dificuldade financeira tira aluno do ensino superior. Estudantes dizem que choque de horários e preço da mensalidade é o principal fator da desistência

Marcus Vinícius Beck*


O índice de evasão escolar nas instituições de ensino superior pública e privada chegou a 20% no Brasil em 2017. Em pesquisa, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) disse que o número de matriculados nas universidades ultrapassa 7 milhões. No geral, o instituto informou que a principal causa que leva alunos a desistirem são questões financeiras. Desde o início da graduação, muitas vezes, o estudante tem em mente que terá de trabalhar durante o período acadêmico. Outro fator que gera evasão é a defasagem da educação básica.

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A desistência no sistema particular de ensino superior é maior do que no sistema público. De acordo com o Inep, o percentual de alunos que abandonam as universidades particulares chegou a 25,9% ante 18,3% das públicas. O principal motivo para que haja esse índice de desistência é a dificuldade para custear a mensalidade das instituições particulares, que às vezes chega a ser maior do que um salário mínimo. Embora o quadro tenha sido mais brando nos últimos anos por conta de políticas públicas estudantil como Fies e Prouni, as barreiras para o pagamento ainda são uma realidade que atormenta os estudantes. 

No quesito campo de conhecimento, os cursos que apresentam os maiores indicadores de desistência são da área de exatas, como Processamento de Informação, cuja estatística de desistência chegou a 36%, e Ciências da Computação, com 32%. Mas os da área de Humanas, como Marketing, também apresentam alto índice de evasão, que atinge 35%. Por outro lado, dentre os candidatos que precisam se dedicar bastante para ingressar na universidade – como é o caso de Medicina, Direito e Engenharia Civil – a evasão é menor. 

Especialistas ligados à educação afirmam que essa diferença existe, dentre outros motivos, por conta de os estudantes, muitas vezes, optarem por cursos menos concorridos. Uma vez matriculados no ensino superior, a falta de oportunidade profissionais nestas áreas pesa para o aluno, que acaba desistindo na primeira pedra que há no meio do caminho. 


Desistência

A reportagem de O Hoje conversou no decorrer da última semana com estudantes que tiveram de abandonar o ensino superior para trabalhar. Com problemas financeiros e lutando contra a correria do cotidiano, eles relataram que estava difícil conseguir conciliar horários, e solução encontrada foi deixar de lado o ensino superior. Mas, ao trancar a universidade, os alunos acreditam que vão voltar para terminá-lo em um ou dois semestres, o que, na maioria das vezes, acaba não acontecendo. 

Foi assim com o operador de telemarketing, Raphael Vinícius Ribeiro, 22. Ex-estudante da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), ele teve de abandonar o curso de jornalismo por falta de dinheiro para arcar com o boleto. “Sem bolsa, estava complicado seguir estudando”, diz. Para ele, que pretende voltar à sala de aula, mas em outra graduação, a PUC “cobrava caríssimo a mensalidade”. “O boleto vinha na casa de R$ 1 mil. Quem tem esse dinheiro?”, indaga, arrematando:meu pai que me bancava ainda por cima”.

Pela mesma situação de Raphael, passou o professor João Coelho. Também ex-aluno da PUC-GO, ele trancou a graduação na instituição por conta do trabalho, que o impossibilitava de conseguir conciliar o horário das aulas com a labuta. “Eu cursava Ciências Sociais com habilitação em Políticas Públicas, mas essa era a minha segunda graduação, a primeira foi na PUC e a segunda na UFG”, relata.  


Jovens escolhem EAD para compensar falta de tempo 

Se o tempo é curto e não dá para estudar, a saída encontrada pelos jovens é o Ensino a Distância (EAD) onde eles não precisam sair de casa para fazer universidade. O projeto de expansão dos grandes grupos do setor é resultado do marco regulatório do Ministério da Educação (MEC), publicado no ano passado e responsável por flexibilizar algumas regras no segmento. No entanto, o que até então era mil maravilhas, pode conter efeito colateral em curto prazo, pois se a procura é alta o preço pode subir. 

Inicialmente, as mensalidades do EAD giram em torno de R$ 200, mas estão suscetíveis a sofrer alterações durante a graduação. Empresas do ramo, porém, já estão preparando o mercado e, com isso, o bolso do estudante também terá de suportar o aumento. Mesmo com a alta no valor das mensalidades, sai mais em conta investir em educação a distância do que arcar com as despesas de uma universidade presencial. O único problema, para muitos alunos, será a dificuldade em não ter um professor ali do lado para tirar dúvidas. 

Geógrafa e ex-professora de ensino a distância da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Andreia Cristina Tavares concorda que o método de ensino muda com a nova forma de cursar universidade. Segundo ela, o aluno precisa ter mais maturidade e disciplina para conseguir obter êxito na graduação e cumprir sua carga horária diária. “Só o fato de não haver um professor já muda tudo, e o professor, junto com o aluno, tem de acompanhar as mudanças na forma de ministrar aulas”, explica.


Crescimento

Um grupo de EAD famoso tem cerca de 1.100 pólos distribuídos por mais de 500 cidades do país. A previsão, para os próximos cinco anos, é de que a empresa chegue à marca de 3 mil. Do ponto de vista empresarial, as cidades possuem demanda por mais pólos de EAD, pois vários municípios têm pouca, ou quase nada, opção de curso superior. Entretanto, a Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed) disse que daqui três anos será possível dimensionar como estará o mercado. 


EAD

Por enquanto, o crescimento rápido faz com que o setor prepare-se, seja por meio de fusões, de aquisições ou simplesmente fechamento de unidade, para a nova forma de educação que desponta. Os empresários do ensino EAD estão confiantes que no futuro será cada vez maior a demanda por educação semipresencial.  


Fies mais caro pode se tornar uma armadilha para estudantes  

Embora o Fies seja para muitos a única forma de cursar uma universidade, os alunos de instituições de educação superior privada que financiam a graduação por meio do Fundo pagam até duas vezes mais caro pelas mensalidades do que quem não é beneficiado pelo programa. O Ministério da Educação (MEC) disse que há um programa para protegê-los e, caso as universidades descumpram as regras, podem ser punidas com a exclusão do programa. 

A Controladoria Geral da União (CGU) analisou 29.789 contratos e percebeu que existe realmente uma diferença entre os valores das mensalidades, cujo preço chega a mais de R$ 70 milhões aos cofres públicos. Em relatório, a CGU afirmou que “dessa amostra, 27.926 estão com contrato do Fies com valor acima daquele ofertado pelos portais de desconto”. No documento, a média de preços das mensalidades gira em torno de R$ 219.35.

A auditoria comparou as ofertas com dados coletados em portais da internet que oferecem bolsas de estudo em instituições parceiras. Em cursos como Odontologia, foram identificados alunos beneficiários pelo programa de financiamento que desembolsavam todo mês mais de R$ 1,5 mil. Bolsas que deveriam ser direcionadas para a mesma graduação diziam que a mensalidade deveria ser de R$ 976,25. Em Direito, haviam bolsas do Fies de R$ 1,9 mil, enquanto com desconto o valor teria de ser R$ 967,99. 


Desconfiança

Mesmo com a opção do Fies, o aluno tem terá de pagar pela graduação. O atendente de telemarketing, Raphael Ribeiro Vinícius, 22, queria conseguir bolsa do vestibular social da PUC, mas sua renda era maior do que o permitido pelo regimento da instituição para se inscrever à entrevista que determina se o aluno tem, ou não, o perfil de bolsista. “Aí sobrou o Fies, mas eu acho meio inviável, pois teria de arcar com os valores depois que me formar”, diz o atendente, que pretende cursar Música ou Letras. “Nesta vez, com bolsa social, ou em universidade pública”. 

Contudo, não é apenas estudantes de cursos superiores que enfrentam o temor de largar o sonho de ter um diploma. Fotógrafa, Marianna Cartaxo, 23, desistiu do curso de Produções Cênicas no Basileu França. De acordo com ela, que trabalha em eventos no período da noite e madrugada, o fator psicológico teve papel preponderante na decisão de parar de frequentar as aulas. “Como eu trabalhava à noite, e a aula era de manhã, automaticamente não conseguia ir”, conta. Crises de fibromialgia “foi o que mais apertou” em sua escolha de desistir, segundo ela. (Marcus Vinícius Beck é estagiário do jornal O Hoje, sob orientação do editor de Cidades Rhudy Crysthian) 

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