Cerrado pode sofrer com mais desmatamento após acordo da UE não incluir o ecossistema

Bioma não foi incluído na lista e especialistas temem que desmatamento possa aumentar

Postado em: 14-12-2022 às 08h00
Por: Vinicius Marques
Imagem Ilustrando a Notícia: Cerrado pode sofrer com mais desmatamento após acordo da UE não incluir o ecossistema
Bioma não foi incluído na lista e especialistas temem que desmatamento possa aumentar. | Foto: Reprodução

Os países da União Europeia e o Parlamento Europeu chegaram a um acordo no dia 6 de dezembro, para proibir a importação de uma série de produtos que sejam oriundos de áreas desmatadas, o que pode ser um golpe para as exportações do agronegócio brasileiro.

Os eurodeputados tentaram incluir no texto outros ecossistemas ameaçados, como o Cerrado, de onde vem parte importante das importações europeias de soja. Mas, segundo o jornal francês Le Monde, um acordo entre o Parlamento Europeu e os deputados nacionais de alguns países, após longas negociações, estipulou que esta extensão “a outras coberturas vegetais” será avaliada depois da entrada em vigor do texto.

O ambientalista Victor Araújo analisa que a não inclusão de outras biomas, como o cerrado, pode ser prejudicial, podendo prejudicar mais ainda o que já está ruim. “O cerrado já é muito desmatado, enquanto agropecuaristas e o próprio governo Brasileiro concentra forças em não desmatar áreas florestais, o cerrado acaba sendo esquecido e se tornando cada vez mais destruído até ser incluído na lista de biomas que devem ser preservados por uma questão econômica internacional” Explica o ambientalista

Continua após a publicidade

A lista inclui soja, carne bovina, cacau, café, óleo de dendê e alguns derivados, como couro, chocolate, móveis, papel e carvão vegetal. A importação será proibida caso esses produtos sejam oriundos de áreas desmatadas após dezembro de 2020.

Caberá às empresas que importam esses produtos garantir a rastreabilidade de sua cadeia de produção, comprovando que a safra ou produção agropecuária ocorreram em áreas não desmatadas a partir de dados como geolocalização ou fotos de satélite. Serão proibidos a compra, em território da União Europeia (UE), de produtos que tenham causado danos a qualquer tipo de cobertura florestal, e não só às florestas primárias.

Falta aprovação

O texto final foi elaborado após longas negociações entre o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia (braço executivo da UE) e o Conselho Europeu (que representa os 27 países membros do bloco). Os próximos passos agora serão a aprovação formal do acordo pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu.

A nova lei entrará em vigor 20 dias após sua publicação, mas haverá um prazo de 18 meses para ser aplicada a alguns produtos.

Após dois anos, a Comissão Europeia vai estudar uma possível extensão da lista de produtos com restrições, o que poderá incluir o milho. E, também, considerar outros ecossistemas ricos em armazenamento de carbono e em biodiversidade. Além disso, o setor financeiro poderá ser instado a parar de financiar importações de áreas desmatadas – esta é uma demanda dos eurodeputados para a qual não se chegou a um acordo neste momento.

Segundo dados da ONG Global Witness, os bancos sediados na UE concederam, entre 2016 e 2020, cerca de € 30 milhões em financiamento a 20 gigantes da indústria agrícola e de alimentos responsáveis por desmatamento.

Respeito aos direitos dos indígenas

O texto acordado agora exige que sejam assegurados desde já os direitos e as garantias dos povos originários, destacou, ao jornal francês Le Monde, o eurodeputado de Luxemburgo Christophe Hansen (PPE, de direita), do Comitê de Comércio Internacional.

“Eles são nossos melhores aliados contra o desmatamento”, explicou Hansen. “Os importadores deverão verificar a conformidade de seus fornecedores às leis locais no que diz respeito aos direitos humanos e assegurar que os povos originários sejam respeitados”, acrescentou.

O texto tinha sido proposto originalmente em novembro de 2021 pela Comissão Europeia e aprovado, em linhas gerais, pelos estados membros do bloco. Em setembro passado, os eurodeputados votaram por ampliar a lista de produtos sujeitos às restrições, sobretudo a borracha, que não estava na proposta inicial. E, agora, a questão dos direitos dos indígenas foi incluída.

Os políticos europeus estão sob forte pressão da opinião pública para agir na defesa da Floresta Amazônica, sobretudo após o desmatamento na região ter avançado 60% durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

A União Europeia é responsável por 16% do desmatamento global por meio de suas importações, sobretudo de soja e óleo de dendê, segundo dados de 2017 compilados pela World Wide Fund for Nature (WWF). O bloco é também o segundo maior destruidor de florestas tropicais do mundo, diz a ONG.

Anke Schulmeister-Oldenhove, representante da WWF, afirmou que a decisão da UE “não só muda as regras do jogo para o consumo europeu, como também incita outros países a mudar suas práticas”.

Combate também ao desmatamento legal

O Observatório do Clima, rede que reúne 78 entidades da sociedade civil brasileira comemorou o acordo e destacou que os compradores europeus de commodities poderão auditar os vendedores e rejeitar produtos oriundos de qualquer propriedade com desmatamento ou degradação, seja legal ou ilegal.

A rede destaca que a Europa é o segundo maior mercado consumidor de commodities do Brasil. “Um regulamento rígido sobre desmatamento por parte do bloco tende a ser usado como referência pelos outros importadores, como China e Estados Unidos”.

Mas lamenta que o Cerrado não tenha sido incluído na lista de áreas sensíveis neste primeiro momento:

“Ao restringir a produção com desmatamento na Amazônia, na Mata Atlântica e no Chaco, os biomas mais tipicamente florestais da América do Sul, a nova regulação pode causar ‘vazamento’ do desmatamento para o Cerrado, ampliando sua destruição”.

O Observatório do Clima também lamentou que, na versão final do acordo, a menção aos direitos humanos tenha sido desidratada em relação à proposta do Parlamento Europeu. O texto final limitou o escopo do tema às leis nacionais, “e não faz referência a convenções internacionais relevantes, como a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho)”, destaca a rede.

Veja Também