Arte a céu aberto: a popularização do lambe-lambe em Goiânia

Os cartazes revelam o potencial de denúncia, expressão e democracia da arte urbana goianiense

Postado em: 04-03-2023 às 06h30
Por: Everton Antunes
Imagem Ilustrando a Notícia: Arte a céu aberto: a popularização do lambe-lambe em Goiânia
Arte a céu aberto: a popularização do lambe-lambe em Goiânia | Foto: Divulgação

Nos muros – ao lado de grafites –, nos postes, nas fachadas de edifícios e debaixo dos viadutos da capital. O lambe-lambe, pelo menos desde 2019, começou a popularizar-se no cotidiano do goianiense, por meio da intervenção de artistas que fazem da rua o seu espaço criativo de exposição das obras. 

Diogo Rustoff e Marcelo Maróstica – artistas e idealizadores do festival LambesGoia, que ocorreu na sua segunda edição, em 2022 – contam sobre o processo criativo desta forma de arte. Para Rustoff, “o lambe transmite uma  linguagem muito livre, cada artista o utiliza para transmitir a ideia que quer. Pode ser um trabalho muito subjetivo, um desenho, um cartaz informativo”.  

A partir dos becos, esquinas e paredes da cidade, Goiânia se situa no mapa da arte urbana, com a intervenção de artistas e populares. Além disso, “o enorme potencial de comunicação” desses cartazes é visto como ferramenta que serve aos propósitos da literatura e de protestos, bem como instrumento de democratização da arte.  

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O Processo

Inicialmente, o lambe-lambe surgiu como uma forma de comunicação, na qual se utilizam cartazes colados na rua, a fim de transmitir informações – por exemplo, anúncios de shows, serviços e vendas –, de acordo com Diogo. “O que os artistas fazem é se apropriar dessa linguagem para produzir os seus trabalhos. Não necessariamente oferecer um serviço, mas utilizar essa linguagem publicitária para fazer uma obra de arte”, explica. 

Já Marcelo diz que o termo “lambe-lambe” remete às “lambidas” do pincel na parede e à velocidade desse processo. Rustoff acrescenta: “O lambe-lambe não tem uma linguagem fechada e definida, os artistas utilizam fotografias xerocadas, fotografias autorais, algumas que são retiradas de qualquer meio como, por exemplo, revistas, livros”. 

As obras são obtidas de técnicas conhecidas de reprodução de imagens – como a serigrafia e a xilogravura – e fixadas a uma superfície com cola. Diogo orienta: “alguns artistas usam pincel, brocha, outros utilizam um rolo para passar a cola. Aí você fixa o lambe, depois passa uma outra camada de cola por cima, que serve como uma proteção”. 

Foto: Divulgação

Narrativas

Ariana Lobo é escritora há 15 anos e conta que, no ano passado, começou a usar o lambe-lambe como meio de divulgação literária. Ao longo de três etapas de trabalho – que envolveram a colagem de poesias em lambes fixados por São Paulo e Goiânia –, a escritora conta que tem o tempo como tema central das obras: “a passagem, a relação presente-passado-futuro, os finais e inícios de ciclos, as memórias, as conjecturas futuras”. 

Para o estudante e artista independente Milson Santos, essa arte é uma forma de contemplação e protesto contra o proibicionismo – isto é, a conduta do estado sobre o controle de substâncias como a maconha. “O lambe busca ser uma arte urbana e, por consequência, geralmente é atrelada à manifestação política. Pode transmitir de tudo: da raiva e alegria, até o protesto e a pura arte pela arte”, observa. 

Democratização

Na visão de Diogo, o lambe-lambe é um caminho para o exercício da arte pelo público – tanto no processo produtivo quanto na fruição das obras. “Você, não necessariamente, precisa dominar o uso do spray, por exemplo, como é necessário para se fazer um grafite, ou desenhar muito bem. Então eu vejo, no lambe, uma potência muito grande nessa democratização da arte”, comenta. 

Para Ariana, os cartazes tornaram-se ferramentas que aproximam o goianiense à poesia. “Eu poderia escrever os mais belos e valorosos poemas, mas, se eu os deixasse engavetados ou limitados aos ambientes acadêmicos, talvez eu jamais fosse lida. Quando a poesia se torna parte da paisagem urbana, juntamente com outras artes, como o grafite, ela se torna acessível e é recebida até mesmo com mais simpatia”, ressalta a escritora.

Na Cidade

Realizado pela primeira vez em 2019 e, na segunda edição, em 2022, o festival LambesGoia foi idealizado por Diogo e Marcelo e contou com a participação de artistas da capital, bem como de outros países. Em 2023, no entanto, “não há programação, porque as duas primeiras edições foram feitas [de maneira] totalmente independente e isso acaba trazendo um gasto financeiro, que é bem pesado” considera Diogo. 

O festival consistia no recebimento por correio dos cartazes de diversos artistas e na exposição destes em murais coletivos. Marcelo conta: “estamos finalizando o festival do ano passado, porque recebemos muito material e vamos terminar de colá-lo. Temos projetos para uma edição ainda mais estruturada, quem sabe, para o ano que vem”.

Diogo confessa que ele e o parceiro não esperavam a repercussão do evento: “era só fazer o mural, estar com os amigos e se divertir, mas a gente vem observando essa repercussão e fica muito feliz”. Segundo ele, é notável a inserção de Goiânia no cenário da arte urbana por meio do lambe-lambe: “as pessoas sabem que aqui também tem um movimento”.

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