Contrabando cresce no Cone Sul e preocupa especialista

Especialistas americanos apontam alta tributação do Brasil e invasão de produtos chineses via Paraguai como principais causas para o fomento do crime

Postado em: 25-04-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Especialistas americanos apontam alta tributação do Brasil e invasão de produtos chineses via Paraguai como principais causas para o fomento do crime

Heraldo Leite

Coluna esplanada

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Atríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai é motivo de preocupações e estudos no combate ao contrabando em toda a região do Cone Sul da América Latina. Apesar de o comércio ilegal ter ramificações com o crime organizado e o terrorismo, a região não tem histórico aparente de grandes confrontos e, por uma série de deficiências locais, há dificuldade em se combater o comércio ilegal – cigarros, drogas, armas e munições, principalmente. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal, que tem a missão constitucional de vigiar as fronteiras, queixa-se da falta de efetivo e de restrições de ordem jurídica para agir no combate ao crime organizado e ao contrabando. 

Estes temas fizeram parte do seminário “Mercado Ilegal – A ameaça transnacional do crime organizado no Cone Sul”, realizado na segunda (16) em Foz do Iguaçu, que reuniu especialistas, autoridades em comércio internacional e jornalistas do Brasil, Argentina, Chile e Paraguai. O evento foi uma parceria entre o instituto ETCO e o ENECOB (Encontro Nacional de Editores, Colunistas, Repórteres e Blogueiros). Também foi o 1º e-latino – Encuentro de Periódicos de Latinoamérica. 

Especialista em assuntos sobre terrorismo, a presidente da empresa de consultoria norte-americana Asymmetrica, Vanessa Neumann, de Washington DC, afirmou que os lagos formados pelas usinas de Itaipu (entre Brasil e Paraguai) e Yaceritá (entre Paraguai e Argentina) “são o sonho para qualquer contrabandista”. De acordo com ela, há muitos locais de difícil acesso e regiões de mata que facilitam o deslocamento e a fuga de pequenos barcos com contrabandistas e narcotraficantes que trafegam livremente entre os países da Tríplice Fronteira, local que os norte-americanos chamam de TBA (do inglês Tri-Border Area).

Neumann também exibiu fotos e nomes de suspeitos do envolvimento com o crime organizado e o terrorismo internacional, entre eles Marcos Willians Herbas Camacho, mais conhecido como Marcola, apontado como a principal cabeça do PCC e Assad Ahmaad Barakat, comerciante libanês e suspeito de ligações com o grupo Hezbollah, grupo terrorista com sede no Líbano. A presidente do Asymmetrica também mencionou ligações com políticos paraguaios do Partido Colorado, há décadas no poder no vizinho Paraguaio.

De acordo com Vanessa Neumann, também há questões de ordem político e econômico que fazem com que o Paraguai prejudique a competitividade dos países do Cone Sul, entre elas o baixo custo de produção, a abundância de produtos chineses comercializados livremente em Ciudad del Leste. “Enquanto Brasil e Argentina taxam a comercialização de produtos importados em torno de 35%, o Paraguai cobra impostos de 10% quando a venda se dá no mercado interno e apenas 1% para a exportação”, exemplificou.

A especialista cobrou por mais eficiência nas fronteiras, com o aumento do uso de novas tecnologias, além de ações contra a lavagem de dinheiro, principal fonte de recursos para o crime organizado e o terrorismo internacional.

Em todo o mundo o contrabando e as ações de falsificação e pirataria provocam um rombo global ¬ entre US$ 1,3 trilhão a US$ 3,5 trilhões. Os dados foram apresentados pelo consultor e presidente da IBI Consultants, também de Washington DC (EUA), Douglas Farah – que também foi correspondente do The Washington Post por 20 anos na América Central. Segundo ele, os EUA subestimam o avanço mundial do contrabando e ignoram o resto do mundo, enquanto países alinhados mais à esquerda “quebram regras e não estão jogando o mesmo jogo”. 

Polícia Federal

O delegado regional da Polícia Federal em Foz, Fabiano Bordignon, confirmou a tese de Vanessa Neumann e informou que o Lago de Itaipu tem cerca de 150 km até a cidade a paranaense de Guaíra (também sede da PF no estado) e margens que somam em torno de 1.500 km. E mesmo apontando a falta de pessoal, Bordignon reclamou que a legislação brasileira ainda limita a extradição sumária. 

Até mesmo para deter suspeitos que integram a Difusão Vermelha da Interpol precisam da autorização judicial de um dos 11 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

Apesar das dificuldades, o delegado mostrou que a sede da PF em Foz é a maior entre as 24 delegacias de fronteira que o Brasil, além de ter orçamento próprio.

Contrabando de cigarros custa  US$ 9 bi 

Os cigarros contrabandeados, que abastecem ambulantes nas ruas das principais cidades brasileiras, já são responsáveis pela maioria das apreensões pela Receita Federal. Praticamente metade – 48% – do comércio já está com produtos que entram ilegalmente pelas fronteiras, vindos principalmente do Paraguai, e já produzem um rombo de mais de US$ 9 bilhões em sonegação de impostos somente no ano passado.

A invasão de cigarros contrabandeados tem ligação direta com o aumento da carga tributária em cima do tabaco no Brasil – a questão tributária, aliás, foi o principal problema apontado na palestra do juiz federal Fernando Mendes, presidente eleito da Associação dos Juízes Federais do Brasil. E dados apresentados também pelo presidente do Instituto ETCO e da Frente Nacional Contra a Privataria (FNCP), Edson Vismona. “Nos últimos seis anos o aumento da tributação foi de 140% ante uma inflação acumulada de 44%”.

No Brasil a taxação média é de 70%, o que depende da incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) que varia de Estado para Estado. Em contrapartida, no Paraguai as taxas giram em torno dos 16%. O Paraguai conta, hoje, com mais de 35 fabricantes de cigarros. Aquele país vizinho tem capacidade para produzir 100 bilhões de unidades, mas produz 60 bilhões, enquanto os paraguaios consomem 2,5 bilhões de cigarros por ano.

Diante deste quadro, o delegado regional da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, Fabiano Bordignon, sugeriu que o Governo reduza os impostos fazendo com que um maço de cigarros brasileiros caia para o patamar de R$ 3. Ele citou a Lei de Informática que em 2014 reduziu uma série de tributos fazendo com que o preço dos computadores diminuísse inviabilizando o chamado mercado negro. Para se ter uma ideia, em 2004 em cada dez computadores, sete eram contrabandeados. Atualmente, 10% são contrabandeados.

“É só baixar o preço das marcas mais populares e o contrabando será golpeado”, insistiu delegado Bordignon. Atualmente, cigarros com preços mais acessíveis Made in Brazil chegam ao consumidor por um preço médio de R$ 5. Uma das marcas mais vendidas no Brasil provenientes do Paraguai chega a ser vendida por menos de R$ 3. Um comerciante de Belo Horizonte consultado pela reportagem, que pediu anonimato, revelou que compra um pacote com 10 maços de cigarro por R$ 22. Ele vende cada maço (que contém dez unidades) por R$ 3,50. “Dependendo do cliente faço promoção e faço dois maços por R$ 5”, admitiu.

 

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