Cerrado goiano sofre com os impactos da atividade humana

Com mais de 12 mil espécies de plantas e mais de 2,5 mil espécies de animais, cerrado tem 5% da biodiversidade da Terra

Postado em: 22-03-2023 às 07h57
Por: Everton Antunes
Imagem Ilustrando a Notícia: Cerrado goiano sofre com os impactos da atividade humana
Segundo especialistas, a degradação do bioma reflete no desenvolvimento da economia do estado | Foto: Luísa Carvalheiro

Dados do Projeto “MapBiomas – Mapeamento da superfície de água”, do último informe de fevereiro, indicam que o Cerrado apresentou uma superfície de água 11% acima da média histórica em 2022. No entanto, ainda que esses registros do último ano sejam favoráveis, o bioma registrou valores abaixo da média na última década, segundo o estudo. 

Além disso, números obtidos por meio do portal Terra Brasilis – plataforma desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) –, retratam um cenário de devastação da biodiversidade do Cerrado goiano. Ao longo da série histórica de registros, o estado aparece em segundo lugar no ranking de incrementos de desmatamento – isto é, mais de 48 mil km2 entre 2001 e 2022. 

Conforme pesquisadores, o desmatamento dessa biodiversidade poderia colocar em xeque populações que dependem do bioma, bem como trazer prejuízos ao desenvolvimento econômico em Goiás. Diante desse contexto, especialistas alertam para o avanço da ação humana sobre o Cerrado – tanto pelas atividades agrícolas quanto pelos incêndios – e a degradação dos corpos de água.

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Queimadas 

A respeito do registro de focos de incêndio no bioma Cerrado, entre agosto de 2019 e fevereiro de 2023, Goiás registrou mais de 22 mil casos de queimadas – o que corresponde a quase 10% do número de focos no país, de acordo com a plataforma Terra Brasilis. No ano passado, foram notificados aproximadamente 4.726 casos de incêndio no estado; enquanto que, até o último mês, 90 focos de incêndio. 

Luísa Carvalheiro, professora e pesquisadora do departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), diz: “devido à ação do homem, a intensidade de fogos é muito superior à natural, sendo um dos vetores de degradação do Cerrado”. Para mitigar os impactos causados pelas queimadas, a pesquisadora sugere o uso de sistemas de detecção e resposta aos incêndios.

Hidrografia 

Ludgero Cardoso, professor da área de Ciências da Vida e da Terra da Universidade de Brasília (UnB) classifica o Cerrado como “uma das grandes caixas d’água do Brasil”, já que o bioma abastece as demais regiões hídricas do país por meio dos lençóis freáticos. “A água que chega no Cerrado é, em média, mais armazenada do que devolvida para a atmosfera. Manter o bioma funcionando com a sua vegetação é uma estratégia importante”, orienta.  

Indicadores do MapBiomas Águas estabelecem que 2022 observou aumento positivo da superfície de água no Cerrado – cerca de 1,6 mil hectares –, em decorrência do volume de chuvas. Entretanto, ao considerar a última década, os índices de áreas de superfície de água ficaram abaixo da média. 

Por outro lado, do ponto de vista da vazão – ou seja, a quantidade de água que passa em um corpo hídrico por segundo –, indicador mais “preciso”, de acordo com o professor da UnB, a perda é “nítida”. Cálculos feitos por ele indicam que, ao analisar as 21 estações de monitoramento da Bacia do Araguaia ao longo dos últimos 40 anos, verifica-se uma perda entre 30% e 40% na vazão.

Para o docente, além da difusão de atividades da agropecuária que visam ganhos financeiros, os corpos hídricos do Cerrado significam uma forma de subsistência para diversas comunidades. “Há várias pessoas que precisam do rio, têm suas pequenas hortas e unidades agrícolas. São pessoas que trabalham com turistas”, adiciona.

Agropecuária

“Uma das principais causas de desmatamento é a substituição de áreas de Cerrado por plantações intensivas”, reforça a pesquisadora. Ela também alerta que outro fator associado à degradação do bioma é o uso de agrotóxicos e fertilizantes, que agravam os impactos do desmatamento. 

Na avaliação de Cardoso, “essas próprias atividades podem dar um tiro no pé no futuro”. Conforme ele explica, a associação de práticas sustentáveis ao desenvolvimento econômico pode diminuir, a longo prazo, “a precariedade das atividades agrícolas”.

A docente da UFG pondera: “estudos mostram que é essencial manter, no mínimo, 30% de habitat natural à escala local”, mas “a maioria dos municípios de Goiás tem menos de 30% de área com vegetação nativa”. Para a pesquisadora, essa realidade impacta na economia do estado, visto que a agricultura é dependente da diversidade de insetos polinizadores e da regulação do clima pela biodiversidade. 

Em consenso, os especialistas ressaltam a importância das Áreas de Proteção, a fim de mudar o cenário de desmatamento do Cerrado. O docente da UnB, porém, orienta que “as unidades de conservação que temos hoje no cerrado tendem a estar em locais onde a agricultura não é tão favorável” e Carvalheiro qualifica a situação de Goiás como “preocupante em termos de proteção da sua biodiversidade”. 

Dados do INPE, aferidos pelo portal Terra Brasilis, também sustentam esses argumentos: mais de 16% das áreas devastadas do Cerrado são de Goiás, o que confere ao estado o segundo lugar no ranking de desmatamento – atrás, somente, de Tocantins. “Devemos repensar que há, sim, um grupo muito importante ganhando dinheiro com atividades pouco sustentáveis”, estabelece Ludgero. 

Preservação da Biodiversidade

O Cerrado é biologicamente região de savana e é considerado um dos biomas mais ricos do planeta — tem 5% da biodiversidade da Terra, com mais de 12 mil espécies de plantas e mais de 2,5 mil espécies de animais, entre aves, mamíferos, répteis, anfíbios e peixes. 

São cerca de 200 espécies de mamíferos, 800 espécies de aves, 1.200 espécie de peixes, 180 espécies de répteis e 150 espécies de anfíbios. Estima-se que 20% das espécies de animais presentes no Cerrado são exclusivas do ambiente, e pelo menos 130 espécies de animais estão ameaçadas de extinção. 

Das plantas do Cerrado, cerca de 200 delas têm uso medicinal e mais de 400 podem ser usadas na recuperação de solos degradados. O local conta, ainda, com mais de dez tipos de frutos típicos, como o pequi, buriti, mangaba, cagaita, bacupari, cajuzinho do Cerrado, araticum e baru.  

Savanas, campos e matas compõem a rica paisagem. Além de Goiás, o território do Cerrado se estende também pelos estados de Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além de trechos isolados (enclaves) no Amapá, Roraima e Amazonas.  

O bioma e seus aquíferos são responsáveis por abastecer oito importantes bacias hidrográficas, incluindo a Amazônica, a do Prata e do São Francisco, que são consideradas as três maiores do continente.  

O território também é lar de diversas comunidades que sobrevivem de seus recursos naturais, tendo como exemplo etnias indígenas, quilombolas, geraizeiros, ribeirinhos, babaçueiras, vazanteiros, que fazem parte do patrimônio histórico e cultural brasileiro.

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