Direitos (trans)versais: a luta de mulheres trans goianas por garantias

Diante dos discursos de ódio e da falta de acesso a educação e trabalho, essa população reivindica espaços

Postado em: 22-03-2023 às 08h02
Por: Everton Antunes
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Diante dos discursos de ódio e da falta de acesso a educação e trabalho, essa população reivindica espaços | Foto: Arquivo Pessoal/ Rayanne Eduarda Brito

Cristiany Beatriz, presidente da UniTransGoiás, afirma: “infelizmente, no dia oito de março, ainda precisamos combater posicionamentos e falas misóginas que tendem a ditar o que somos ou como devemos viver”. Essa fala confirma as repercussões do Dia Internacional das Mulheres deste ano, quando o deputado federal mineiro Nikolas Ferreira fez declarações transfóbicas na Câmara dos Deputados. 

No dia 11 de março, o deputado federal goiano Gustavo Gayer publicou uma “denúncia” em sua rede social: uma palestra que trazia a “militância” aos alunos de um colégio do Estado. O vídeo em questão trata-se de um diálogo realizado por Larissa Engelmann, mulher trans e mestranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

A publicação do deputado alcançou, até a conclusão desta reportagem, cerca de 375 mil visualizações e comentários de ataque à mestranda – que formalizou um processo de denúncia. Diante desses ataques contra a população trans e travesti, “ser uma mulher transexual em Goiás é um ato de coragem e uma busca constante pela sobrevivência”, segundo Rayanne Eduarda, cozinheira e estudante de Direito.

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Corpos intelectuais 

Engelmann também é coordenadora do Coletivo Xica Manicongo – Coletivo de Pessoas Trans e Travestis da UFG – e conta sobre as ações do grupo na universidade. A iniciativa surgiu “nos espaços coletivos da UFG. Desde o ano passado, algumas pessoas trans, como eu, se mobilizaram politicamente e veio a ideia de formalizar”, diz.

Em janeiro, a UFG aprovou o uso do nome social de pessoas trans e travestis em documentos da instituição de ensino. No entanto, de acordo com a mestranda, “isso é ínfimo perto do que a universidade realmente tem como fazer em relação à nossa população”.

Portanto, o objetivo do Xica Manicongo é reivindicar o acesso de pessoas trans por meio da efetivação de políticas públicas. Para isso, segundo a coordenadora do coletivo, é preciso que a universidade “reconheça as pessoas trans e travestis como público alvo das ações afirmativas – ou seja, políticas públicas de reserva de vagas e de promoção da permanência e pleno desenvolvimento acadêmico”. 

Sobre a postagem direcionada à mestranda, a Faculdade de Ciências Sociais (FCS) e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFG expressaram um posicionamento no dia 14 de março. Em nota, a FCS e a PPGAS “repudiam as agressões, as ofensas e os ataques transfóbicos, nas redes sociais, contra Larissa Engelmann, mestranda em Antropologia Social, em decorrência de uma palestra que ela realizou em uma escola estadual em Goiânia”.

Trabalho

Rayanne Eduarda, 35, conta que atualmente está desempregada e foi vítima de assédio moral  no último estabelecimento em que trabalhou, por parte dos proprietários. “Fui obrigada a pedir demissão, porque, além de afetar minha saúde mental, aquela situação não me deixava à vontade”, relata. 

Para a estudante, “a maioria das pessoas trans são submetidas a serviços sexuais. Não há política de contratação e, quando não há políticas e acesso ao mercado de trabalho, não há democracia”. Ela ainda avalia que a dificuldade de acesso de mulheres trans ao mercado se dá pela falta de acesso à educação, uma vez que pessoas trans são expulsas de casa muito cedo.

Corpos políticos

Fundada em março de 2022, a ONG UniTransGoiás (Associação Goiana de Pessoas Trans) contribui para a garantia dos direitos humanos de pessoas trans no estado, por meio de políticas públicas. A presidente da associação ainda explica que  a UniTransGoiás realiza ações voltadas à saúde dessa população, além de pautas como a empregabilidade e a educação. 

Entretanto, Cristiany enfatiza os preconceitos vividos por mulheres que não se encaixam em uma “cultura heteronormativa”, em razão do conservadorismo, “que exclui a população trans de espaços de sociabilidade”. No plano político, “temos gestores e parlamentares que compactuam com esse sistema excludente, negando e condenando, assim, a liberdade da vivência de sua identidade de gênero”, prossegue. 

Diante disso, a presidente da UniTransGoiás ressalta a importância da população trans nos espaços deliberativos da política, a fim de combater atitudes preconceituosas. Segundo ela, deve-se “mudar o cenário legislativo, pois, no Brasil, ainda não há nenhuma lei que garanta os direitos às pessoas trans no Congresso Nacional, todas as conquistas provém do Supremo Tribunal Federal (STF)”.

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