Quinta-feira, 28 de março de 2024

Preconceito contra pessoas mais velhas é o mais presente na sociedade

Julgamento afeta negativamente a autoestima das pessoas, levando-as ao isolamento e até à depressão

Postado em: 25-03-2023 às 08h12
Por: Alexandre Paes
Imagem Ilustrando a Notícia: Preconceito contra pessoas mais velhas é o mais presente na sociedade
O etarismo acontece porque idosos estão associados a estereótipos negativos | Foto: Divulgação

Comentários como “depois que fica velho não serve para mais nada”, ou, “com toda essa demora pra usar o caixa eletrônico, tinha que ser velho”, são falados e ouvidos quase que diariamente pelas pessoas com 60 anos ou mais. Mas o que pouca gente sabe é que isso é um preconceito contra pessoas idosas.

O assunto tomou repercussão a partir de um vídeo no qual três estudantes mais jovens debocham de uma colega de classe por ter 45 anos, em uma universidade particular em Bauru, no interior de São Paulo. Em entrevista ao Jornal O Hoje, a professora e Coordenadora do Programa de Gerentologia Social (PGS) da PUC Goiás, Lisa Valéria Vieira Tôrres, explica que esse é um dos preconceitos universais, porque não depende da cor da pele, nacionalidade, renda, orientação sexual ou religião.

“O mais prejudicial desse preconceito é que ele acarreta, para as vítimas, uma série de consequências dos pontos de vista de saúde mental”, relata a professora, como depressão, solidão e declínio cognitivo. “É algo que não deve ser considerado uma brincadeira qualquer, porque há o componente afetivo da pessoa que perpetua o preconceito de se sentir ameaçada pela velhice”, complementa Lisa.

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No geral, o termo etarismo se refere a uma forma de discriminar o outro tomando como base estereótipos associados à idade, mas afeta principalmente quem já é mais velho. No Brasil, apesar de ser um assunto pouco conhecido, esse tipo de julgamento costuma ser praticado contra pessoas que nem idosas são consideradas ainda.

Foto: Divulgação

Segundo um relatório realizado pela Organização Mundial da Saúde com mais de 80 mil pessoas de 57 países, 16,8% dos brasileiros acima dos 50 anos já se sentiram discriminados por estarem envelhecendo. Essa discriminação etária causa diversos problemas para suas vítimas a longo prazo.

Um tipo de prática etarista menos comentada é a benevolente. Ela é praticada quando o idoso é infantilizado pelos membros da família, que parecem estar somente sendo gentis. “Um exemplo é quando eu proíbo a minha mãe, idosa, de assistir ao jornal na televisão, por considerar “violento demais” para ela. Outro é quando o idoso vai ao médico e só o cuidador se manifesta: todos os sintomas são descritos por outra pessoa e o idoso nem é questionado”, explica a psicóloga Marina Morabi.

A especialista comenta que os idosos que são constantemente desrespeitados, tratados com desprezo, agredidos ou humilhados têm mais chances de desenvolver baixa autoestima, tendências ao isolamento e depressão. “Idosos discriminados tendem a adotar um comportamento de risco, se alimentando mal, exagerando na bebida alcoólica e no cigarro. Dessa forma, a inexistência de hábitos saudáveis provoca uma queda na qualidade de vida.”, avalia Morabi.

Envelhecimento populacional 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 13% da população brasileira tem mais de 60 anos de idade. Os mesmos dados apontam que em 2031, o país será formado por mais idosos do que crianças. Apesar dessa previsão e da atual parcela de pessoas nessa faixa etária já ser significativa, o etarismo ainda é um tema pouco discutido no Brasil.

“O envelhecimento é um processo inevitável e traz desgastes naturais. E isso é interpretado erroneamente como um estado global de fragilidade e perda de independência e autonomia. É importante frisar que o envelhecimento varia de pessoa para pessoa e os idosos não são todos iguais”, argumenta Ana Laura Medeiros, médica geriatra.

Quem comete preconceito contra pessoas mais velhas podem ser penalizados. De acordo com a lei 10.741/2003, também conhecida como Estatuto do Idoso, em seu artigo 96, descreve o delito de discriminação contra idoso, que consiste no ato de, em razão da idade, tratar a pessoa de forma injusta ou desigual, criando empecilhos ou dificuldades de acesso a operações bancárias, meios de transporte, ou criar embaraços ao exercício da cidadania. A pena prevista é de 6 meses a 1 ano de reclusão e multa.

“As crianças precisam compreender o processo de velhice, que faz parte da vida, e a necessidade do respeito. É preciso promover o conhecimento sobre o envelhecimento e aumentar ações para inseri-los na sociedade”, conclui a geriatra, analisando que a educação e conscientização sobre respeito e envelhecimento deve ser discutida na sociedade.

Como contornar o problema?

A coordenadora do PGS ainda lembra que, se o preconceito fosse com sexo ou raça, teria outra repercussão. Isso porque esses já têm respaldo jurídico, enquanto o etarismo encontra respaldo para continuar a acontecer e se perpetuar na sociedade. “Você expressa isso do ponto de vista ativo nesse comportamento discriminatório, que é lamentável, como é qualquer comportamento em relação a qualquer tipo de preconceito”, afirma Lisa.

Ela ainda elenca duas frentes de ação no combate a qualquer preconceito: o conhecimento e o convívio. “As pessoas precisam ser educadas para o fato de que você envelhecer não traz somente questões negativas, mas muitas questões positivas: você está mais experiente, já passou por vários momentos na sua vida, é uma pessoa que sabe avaliar o seu eu de uma forma mais efetiva e você contribui para a sociedade”, explica. 

Segundo Marina, “é através do convívio que você conhece o que o outro te traz de positivo. Diversos estudos mostram que mais de 35% da população que trabalha é uma população 50+ e essa população agrega do ponto de vista de benefícios financeiros e benefícios organizacionais”, finaliza psicóloga.

Utilizando da situação citada no início dessa reportagem, a professora diz ainda que as meninas envolvidas no caso de preconceito contra uma colega universitária de 45 anos, devem responder pelas suas ações, mas que todos estão suscetíveis a ações preconceituosas. “Essa estudante de 45 anos continua sendo modelo e ela não é um caso isolado. Com o aumento da expectativa de vida, esse será o nosso presente, será nosso futuro: pessoas de 50, 60 anos que estão se capacitando”, conclui Lisa Tôrres.

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