Da nascente à foz: o descaso com o Rio Meia Ponte

Câmara de vereadores e pesquisadores denunciam a poluição da principal bacia hidrográfica do estado

Postado em: 10-04-2023 às 08h28
Por: Everton Antunes
Imagem Ilustrando a Notícia: Da nascente à foz: o descaso com o Rio Meia Ponte
Especialistas alertam sobre a ocupação indevida das margens do corpo d'água do rio | Foto: Divulgação

No fim do último mês, entre os dias 22 e 27, pesquisadores percorreram cerca de 40 quilômetros de extensão do rio Meia Ponte, dentro do perímetro urbano de Goiânia. Esse projeto – denominado Expedição pelo Rio Meia Ponte, de iniciativa da vereadora Kátia Maria (PT), em parceria com instituições de ensino do estado, secretarias e a Saneago, buscou avaliar as condições do curso d’água.  

Ao fim da expedição, será redigida a “Carta das Águas do Meia Ponte”, cuja entrega está prevista para o início de junho, na Semana do Meio Ambiente, de acordo com a vereadora. Mestranda em Estudos Socioambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG), ela afirma: “trago comigo a pauta ambiental há muito tempo, recuperar o Meia Ponte é um desejo antigo que eu tenho”. 

“A expedição tem um caráter científico e educativo e, com toda certeza, vários entes são responsáveis pela situação que [o rio] está, mas, também, por sua recuperação”, orienta a petista. Para o professor do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA), Manuel Eduardo, “o relatório deve ter um impacto positivo de trazer para a sociedade goiana quão grave se encontra esse ambiente hidrográfico”. 

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Durante os seis dias empreendidos rio adentro, a equipe de pesquisadores pôde verificar, entre as principais ocorrências, o acúmulo de lixo, a mortandade de animais em trechos dos rios e o descarte de esgoto no Meia Ponte. Além disso, especialistas alertam sobre a ocupação indevida das margens do corpo d’água, assim como o impacto da atividade agropecuária. 

O rio

Conforme dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a Bacia Hidrográfica do Rio Meia Ponte – isto é, o leito principal e os afluentes –, é responsável pelo abastecimento de 50% da população da Região Metropolitana de Goiânia (RMG). A bacia também atravessa 39 municípios e concentra importantes polos da indústria e agropecuária goiana.

O professor do IESA ainda ressalta a importância deste corpo hídrico para a fauna e flora do estado, uma vez que o Meia Ponte presta a função de “corredor ecológico”. O rio “compõe a paisagem e dá a possibilidade do trânsito de animais nesses corredores. Então, há uma importância para o deslocamento dessa fauna – desde animais de pequeno porte até grandes mamíferos e polinizadores”, orienta.  

A Expedição    

De acordo com a vereadora, o projeto compreende três fases. Na primeira etapa, foi realizada a coleta de material da água e do solo para catalogalização. Prevista para o mês de maio – antes da entrega da “Carta das Águas do Meia Ponte” – ocorrerá a segunda parte do projeto, cujo objetivo é obter mais amostras durante o período de seca e conduzi-las a uma segunda rodada de análise e diagnóstico.  

Por fim, na terceira fase, serão realizadas ações de mobilização da sociedade em setembro, segundo a petista. “É um projeto que vai se estender por muitos anos. Vamos levar cerca de 10 anos para, com muito trabalho, fazer com que o Meia Ponte esteja do jeito que merece”, estima. 

A curto e médio prazo, a vereadora estabelece que a iniciativa contemplará ações de conscientização, assim como a melhoria da coleta de lixo e tratamento de esgoto. “Haverá, a curto prazo, ações de educação ambiental para que possamos cobrar esse tratamento efetivo de qualidade, podendo diminuir resíduos dentro do rio”. 

No entanto, além das medidas educativas, Kátia reforça o aspecto de fiscalização do projeto. “O primeiro processo é de diagnóstico e ações educativas, mas a Câmara Municipal, à medida que não conseguir sensibilizar esses atores – seja uma empresa, ente público ou a população – pelo diálogo, as multas vêm como processo educativo”, salienta. 

Balanço preliminar

Em resultados iniciais, a equipe de pesquisadores apontou o despejo de dejetos no rio – conforme a petista, cerca de 27% do esgoto na capital não é tratado. Kátia ainda reforça o compromisso entre a Câmara e a Saneago na resolução deste problema: “quero reconhecer o papel que a Saneago tem feito nesse projeto, com o esforço de ampliar o sistema de tratamento”.

Em segundo lugar, Manuel denuncia o acúmulo de detritos ao longo do corpo hídrico. “Observamos, especialmente, garrafas de plástico e sacolas, que ficavam retidas nas margens do Meia Ponte durante vários trechos, por causa do lançamento de lixo dos moradores da região”, comenta. 

Entre outras constatações, o pesquisador enumera a criação de porcos às margens do Meia Ponte, animais em estado de composição, erosões no canal principal do rio, bem como a presença de produtos químicos. “Essa água passa por tratamento pela Saneago, mas não é o suficiente para eliminar impurezas. Estamos tratando muito mal esse curso hidrográfico”, lamenta.

Por último, o professor constatou que nos trechos a montante – ou seja, a partir da nascente – a água do Rio Meia Ponte chega contaminada à capital, devido à poluição de agrotóxicos e fertilizantes utilizados na agricultura. Já em Goiânia, a água do rio sofre contaminação por detritos e esgoto, o que compromete o canal a jusante – isto é, em direção à foz –, depois de passar pela Grande Goiânia.   

Políticas Públicas  

Diante desse cenário, Manuel chama a atenção para a importância de políticas públicas que considerem “não só na região metropolitana de Goiânia mas os pontos que antecedem a chegada à capital e, também, após a passagem aqui na RMG”. Dessa forma, segundo ele, é possível dar conta dos “processos de poluição” de cada trecho do rio.

Em Goiás, “podemos olhar com atenção as bacias hidrográficas dos seus afluentes, que apresentam um nível elevado de conversão das áreas rurais para agricultura e pastagem”, considera o docente. Por isso, segundo Manuel, “é interessante que as polícias públicas incorporem programas de monitoramento e fiscalização nas áreas rurais, que acabam influenciando na qualidade da água do Meia Ponte”. 

A nível urbano, Manuel cobra ações de coleta de lixo e saneamento básico, de modo a salvaguardar o rio ao longo da região metropolitana e enxerga no turismo uma ferramenta de revitalização desse corpo hídrico. O Meia Ponte “tem um potencial turístico enorme: não é toda cidade que tem um rio desse porte e poderia ser utilizado para turismo ambiental”, salienta. 

Para além do potencial de exploração do corpo hídrico, o pesquisador pontua também fatores socioeconômicos. “É importante observar a ocupação irregular nas margens do Meia Ponte, esse é um problema social grave, porque as populações que residem próximas ao rio estão fragilizadas nos aspectos sociais e econômicos”, finaliza.

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