Preço do ovo e do leite dispara e sobe quase 20% em doze meses

Especialistas apontam que o aumento no preço dos itens foi provocado pela chamada inflação de custos e pela Guerra da Ucrânia

Postado em: 28-04-2023 às 08h58
Por: Alexandre Paes
Imagem Ilustrando a Notícia: Preço do ovo e do leite dispara e sobe quase 20% em doze meses
Nos supermercados, a bandeja de ovos brancos com 30 unidades é vendida a R$ 23,99 | Foto: Divulgação

O preço do ovo e do leite disparou nos últimos 12 meses e subiu quase quatro vezes mais do que a inflação do período, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Para se ter uma ideia, segundo o IBGE, o IPCA registrado no mês passado em relação ao acumulado dos 12 meses somou 4,65%. Enquanto isso, o ovo ficou 19,98% mais caro e o leite aumentou 18,78% no mesmo recorte.

Com a escalada de preços, os efeitos resvalam direto no bolso do consumidor.  O técnico de enfermagem João Pedro Lima, de 53 anos, disse que prefere o leite em pó em pacote, cujo valor mais em conta custava R$ 5,69 (para o pacote menor, de 120 gramas) no supermercado. João decidiu pechinchar para tentar levar o produto mais barato. “O leite aumentou bastante, assim como vários outros alimentos. Tomara que a inflação baixe o quanto antes, porque a situação está muito difícil. Vou levar o produto, mas vou pesquisar a marca. A que estiver com preço melhor, eu levo”, confessou João. “Ainda vou ver o preço dos ovos. Pretendo levar uma bandeja menor, com 12 unidades. Fiquei sabendo que subiu bastante”, comentava. 

Dona Lucia Eugene, de 68 anos, foi a um supermercado na região Leste de Goiânia nesta semana na intenção de levar para casa uma lata de leite em pó, mas o preço do produto a assustou. “Gostaria de levar a zero lactose, mas desisti. Está muito caro. Não posso nem levar outro para substituir, porque é para minha dieta especial. Vou pesquisar nas ofertas de outros lugares perto de onde eu moro. Faz poucos dias que vi que estava mais barato, a R$ 25”, relatou.

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A lata de leite em pó de 380 gramas que Lucia pretendia levar era vendido no supermercado a R$ 31,49. Já o preço do litro integral em caixa variava entre R$ 4,98 (o litro mais barato) e R$ 9,49 (o mais caro). Verônica Augusta também aproveitava para fazer as compras, e escolheu a caixa de menor valor. “Foi o preço mais em conta que eu encontrei. Nem costumo escolher qual tipo usar. Meu critério é comprar o que está mais barato mesmo”, admitiu.

Nos supermercados, a bandeja de ovos brancos com 30 unidades era vendida a R$ 23,99, enquanto a bandeja de ovos vermelhos com a mesma quantidade custava R$ 27,99. A manicure diz ter ficado aliviada, por ter conseguido comprar, na semana passada, a mesma quantidade por R$ 18,99, num supermercado perto de onde mora, no Santo Hilário, região leste da capital. “Eu saio pesquisando em vários lugares para poder comprar”, revelou a manicure.

Comerciantes reclamam

Além de itens importantes na mesa dos brasileiros, o ovo e o leite também são amplamente utilizados por quem trabalha com fabricação e venda de alimentos como pães e bolos, por exemplo. É o caso de Silvio Cipriano Moreira, empresário no ramo de panificação. Segundo ele, não dá para repassar os preços ao consumidor e o jeito é reduzir a margem de lucro.

“O ovo era equivalente ao preço de um pão. Hoje, o pão mais caro custa RS 0,65. Já o   ovo [a unidade] varia de R$ 0,80 a R$ 1.  Então, para a gente, fica uma margem de lucro muito pequena. Sem contar que temos outros custos aqui na padaria, como embalagens e demais itens. Mesmo assim, eu mantenho os preços porque os concorrentes não concederam a nenhum aumento”, relata o comerciante.

Lucas Alvarenga da Silva, da panificadora das Doce Sonho, afirma não ter procurado novos fornecedores para tentar adquirir os itens a valores menos onerosos, até porque, segundo ele, esta seria uma tarefa bem difícil.  “No caso do leite, os fornecedores são bem resumidos. O ovo a gente pega numa granja há muito tempo. É uma relação de fidelidade que nós temos. E quando passa algum fornecedor diferente por aqui, o preço é basicamente o mesmo dos demais”, explicou.

Economista prevê mais aumentos

O economista Enoque Estevão de Brito, explica que o aumento no preço dos itens foi provocado pela chamada inflação de custos e pela Guerra da Ucrânia, que se arrasta desde fevereiro do ano passado. Segundo o especialista, a alta deve continuar, uma vez que o Governo está com dificuldades de reduzir juros. 

“Devido à guerra da Ucrânia, houve um aumento dos custos com trigo e, consequentemente, com milho, farelo e de todos os produtos que se correlacionam com a alimentação dos animais. Houve também a alta dos combustíveis, que incide sobre os dois itens em questão. Os aumentos vão continuar”, esclarece o economista.

Para ele, o Governo não vai conseguir reduzir a taxa de juros. “Os banqueiros não vão abrir mão dos juros e a Selic está lá em cima. O Banco Central acionou a possibilidade de aumentar ainda mais a taxa, indo na contramão das intenções do Governo. Por essas razões, a tendência é que esses produtos tenham novos aumentos, não na proporção que temos agora, mas próximo disso. O consumidor não deve sentir um alívio no bolso tão cedo”, aponta Brito. 

As famílias da classe C, são as que mais sentem o impacto. As que ganham entre R$ 5,2 mil e R$ 13 mil mensais, gastam em média um terço, o equivalente a 33,3%, dos rendimentos com alimentação, segundo pesquisa divulgada na terça-feira (25) pelo Instituto Locomotiva. 

Entre as da classe B, com rendimento de R$ 13 mil a R$ 26 mil, o percentual da renda comprometida com alimentação cai para 13,2%. Para as famílias com rendimentos entre R$ 1,3 mil e R$ 5,2mil, classificadas como classes D e E, mais da metade do dinheiro recebido mensalmente (50,7%) é gasto com comida.

O estudo foi encomendado pela empresa de benefícios VR. De acordo com o estudo, para a classe C, os benefícios como vale-refeição e vale-alimentação representam, em média, entre 3% e 8,5% dos gastos com alimentação. Para as classes D e E, esses benefícios chegam a cobrir 33% dessas despesas.

A classe C, segundo a pesquisa, representa no Brasil aproximadamente 109 milhões de pessoas, a maioria negras (60%). Quase a metade dessas famílias são chefiadas por mulheres (49%) e 52% dessa população não concluiu o ensino médio. “Chefiados por mulheres porque parte é mãe solteira”, detalha o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles.

Nos últimos anos, em um processo agravado pela pandemia da covid-19, Meirelles disse que houve perda do poder de compra dessas famílias. “Há cinco anos, com 40% do valor de um salário-mínimo dava para comprar uma cesta básica. Hoje, 59% do valor do salário-mínimo dá para comprar uma cesta básica”, explicou.

Por isso, de acordo com ele, esses consumidores se tornaram ainda mais atentos aos produtos que consomem. Nessa camada da população, estratégias, como adotadas por várias marcas, de reduzir o tamanho das embalagens ou a qualidade da composição dos produtos como forma de disfarçar aumento de preços tendem, segundo Meirelles, a ser especialmente mal-vistas.

“O custo do erro na classe C é muito maior. Então, se o consumidor da classe C compra um produto que está mais barato, mas não entrega o que promete, ele vai ter que comer aquele produto o mês inteiro, porque o dinheiro que ele tinha para aquele produto era contada”, explica sobre o impacto da redução da qualidade nessas famílias. “Dentro do que cabe no bolso, vai buscar a melhor qualidade, é esse o movimento que veio para ficar, isso não vai mudar”, acrescenta.

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