Após 40 anos, Justiça determina desocupação do Morro da Serrinha

Para DPE-GO a desocupação forçada do imóvel se mostra como ato arbitrário e ilegal

Postado em: 11-05-2023 às 08h00
Por: Larissa Oliveira
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Para DPE-GO a desocupação forçada do imóvel se mostra como ato arbitrário e ilegal. | Foto: Pedro Pinheiro

A Justiça determinou a desocupação do Morro da Serrinha, que consiste em uma área de preservação permanente (APP). Na última segunda-feira (8/5), um oficial de Justiça esteve no local, acompanhado de policiais militares e de funcionários da Secretaria Estadual de Administração (Sead) para notificar todas as pessoas que de alguma forma estavam habitando o morro. Nas decisões judiciais é dito que a desocupação envolve todos que estiverem no local no dia da ação de despejo.

Apesar de, historicamente, o espaço ser usado para atendimentos, cultos e orações, a área tem grande relevância ambiental para o território de Goiás. “O Morro da Serrinha tem um valor ecológico, paisagístico e histórico imensuráveis. Moradias e construções não se podem dar por vieses religiosos”, afirma o delegado Luziano de Carvalho. O titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (DEMA) também comenta que as construções têm causado danos e reclamações.

“Estão dificultando a regeneração natural. Moradores também fizeram um abaixo-assinado por perturbação de sossego público, ou seja, de madrugada, está tendo muito barulho”, explica Luziano. Situado na região sul da capital, o local é uma área de preservação permanente (APP) do Estado. Embora a legislação proíba qualquer tipo de construção no Morro, ele passou a ser alvo de interesses tanto econômicos quanto imobiliários ao longo do tempo. 

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Comunidade religiosa

O Morro da Serrinha tem sido ocupado por religiosos há mais de 40 anos. Nos últimos oito anos, no entanto, sem-tetos se aproveitaram da movimentação ininterrupta para erguer barracas e reivindicarem moradia. Pelo menos oito edificações de madeira, lona e metais retorcidos se espalharam pela área. Por conta da invasão humana, o local tem sofrido danos ambientais, prejudicando a vegetação típica do Cerrado presente. Paralelamente, o Morro da Serrinha também passou a ser ponto de uso e tráfico de drogas nas partes mais isoladas. 

A reportagem do jornal O Hoje esteve presente no local em março do ano passado e flagrou parte desta rotina em meio à fé de religiosos. Sob efeito de drogas, alguns usuários frequentemente buscavam ajuda espiritual e contavam com estruturas construídas por materiais reciclados e até alvenaria mantidas por pastores na área sob responsabilidade do Estado de Goiás. Havia uma proposta que transferiria a área para o Município. Com as construções de alvenaria, a prefeitura não deverá pegar a responsabilidade por conta da judicialização. 

Os líderes negam, mas tudo ali lembra comunidades terapêuticas, quando dependentes químicos são acolhidos para tratamento baseado na fé. A principal igreja montada lá em cima do morro, “Primeiro é Deus”, tem até um alojamento improvisado ao lado de uma tenda de teto de lona e piso de cimento. A edificação é uma mistura de madeira, ferro e alvenaria. Tudo parece bem organizado para receber centenas de religiosos em cultos durante o dia e, no que se chama de vigílias, na madrugada. 

O apóstolo Jobson José Bispo, de 44 anos, que é Instituto Grupo de Resgate de Almas para Cristo (Igrac). “Eu vim orar para conseguir dinheiro, mas Deus me escolheu e eu decidi ficar”, diz e logo lamenta: “minha família me chama de louco. Até arranjou um psiquiatra para mim”. Para justificar o uso, por parte da comunidade religiosa, do Morro da Serrinha, o apóstolo usa argumentos bíblicos. “Basta você ver lá no livro de Isaías 2. No livro disse que, nos últimos tempos, o povo ia construir igrejas em cima dos montes”, afirma Jobson. 

O apóstolo também reclamou da falta de apoio de deputados e vereadores eleitos com votos evangélicos. “O prefeito é evangélico, mas nada de ajudar a gente”, afirmou o religioso, ao se referir a Rogério Cruz, pastor licenciado da Igreja Universal. Ciente de que a área onde ergueu um templo religioso é propriedade do Estado, Jobson disse o seguinte à reportagem do jornal O Hoje no ano passado: “Quem me trouxe aqui foi Deus. Apenas ele pode me tirar. Claro, se for permissão Dele, e um juiz determinar a nossa saída, eu vou acatar. Enquanto isso, vou permanecer cuidando das pessoas e replantando árvores”.

Decisão Judicial

A reintegração de posse do Morro da Serrinha ao Estado de Goiás estava em tramitação na Justiça desde 2015. No dia 17 de abril deste ano, a juíza Zilmene Gomide da Silva, da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual da Comarca de Goiânia, reiterou a decisão para que as construções ali montadas de forma irregular sejam retiradas. Esta foi a terceira vez que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) decreta o cumprimento da reintegração, após sua publicação original.

Desta vez, porém, o protocolo denunciou não somente a ocupação na base e no topo do Morro, como também a atividade ilegal de venda de entorpecentes no local. Além disso, a juíza deu o prazo de trinta dias para que os invasores desocupem a área. Em caso de não cumprimento da decisão judicial de desocupação, foi autorizada uma “desocupação compulsória”, remetendo à possibilidade de auxílio policial para combater uma provável resistência. 

Outro aspecto destacado no protocolo de abril diz respeito à realização de estudos técnicos para a elaboração do Parque Estadual do Morro da Serrinha, outro motivo pelo qual seria necessária a desocupação do espaço. Paralelamente, há uma outra ação tramitando na Justiça a pedido do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) para que seja feita a recuperação ambiental do morro, mas esta está suspensa até que se promova a reintegração de posse ao estado. 

Por alguns meses, um conflito de competência entre as varas que cuidavam destas duas ações envolvendo o morro suspendeu o trâmite da reintegração. Mas agora, a partir de 2023, com o STF tendo liberado as desocupações e estando resolvida a situação de confusão sobre quem cuidaria do processo, a juíza da 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual voltou a determinar a desocupação.

Embate jurídico

O apóstolo Jobson José Bispo, que também é bacharel em direito, entrou com recurso pedindo que a reintegração seja discutida por meio da Câmara de Conciliação Prévia do Tribunal de Justiça, criada no ano passado por meio de decreto judiciário após a liberação das ordens de desocupação. O argumento é que este seria o caminho determinado pelo ministro Luiz Roberto Barroso, do STF. Em seu pedido, Jobson pede que o processo seja encaminhado para a comissão e reclama que a Justiça tem ignorado sua petição.

Entretanto, o estado alega que não é o caso de submissão da ordem de despejo à câmara porque no local não há habitações urbanas, moradias, mas apenas tendas que servem como templos religiosos, estabelecimentos comerciais e espaços usados de forma temporária por fiéis que vigiam o espaço, que trabalham nos templos ou que estão em algum tipo de tratamento espiritual. As câmaras serviriam para tratar de regularização fundiária ou impedir que famílias fiquem desabrigadas.

O apóstolo também diz que ocorre um erro de procedimento e pede que sejam ouvidos o MP-GO e a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO). Jobson também quer que os autos sejam encaminhados para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sob alegação de que não se está cumprindo uma decisão do ministro Barroso. “Estão despejando uma coletividade de pessoas vulneráveis sem o crivo do contraditório e ampla defesa.”

No dia 26 de abril, a Defensoria Pública entrou com um agravo de instrumento com pedido de tutela de urgência antecipada para suspender a reintegração de posse até que todos os recursos sejam examinados. Alega entre outras coisas que há no local 20 famílias, algo em torno de cem pessoas, residindo no alto do morro em “uma comunidade consolidada, entre crianças, idosos e pessoas com deficiência física, todas elas vulneráveis economicamente”. 

O MP-GO já se manifestou sobre o caso em anos anteriores, inclusive com pedido à Justiça para desocupação da área e retirada das construções irregulares.

A DPE-GO cita a existência de locais de cultos e orações consolidadas, que “auxiliam diversas pessoas”, e lembra da tramitação de um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (Alego) que pede o tombamento do Morro da Serrinha como local de oração. “Desse modo, fica claro que a desocupação forçada do imóvel se mostra como ato arbitrário e ilegal, descabido e inadmissível para o ordenamento jurídico pátrio, em especial tendo em vista o direito constitucional à moradia”, conclui. 

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