Goiás é o 2º estado com mais resgatados da escravidão

Após 135 anos da Lei Áurea, país atinge mais de 60 mil resgates de trabalhadores em situação análoga à de escravo

Postado em: 13-05-2023 às 10h10
Por: Larissa Oliveira
Imagem Ilustrando a Notícia: Goiás é o 2º estado com mais resgatados da escravidão
Neste ano, 372 vítimas foram resgatadas de condições análogas à escravidão em Goiás | Foto: Divulgação/Superintendência Regional do Trabalho em Goiás

 No dia 13 de maio de 1888, a Lei Áurea aboliu a escravidão formal no Brasil. Isso significa que o Estado brasileiro passou a não reconhecer mais que alguém é dono de outra pessoa. Entretanto, mesmo após 135 anos da abolição da escravatura, ainda há situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade. Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime, que é descrito como escravidão contemporânea.

Atualmente, Goiás é o segundo estado com maior número de trabalhadores resgatados em situação análoga a escravidão. Segundo o último balanço da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), neste ano, foram resgatadas 372 vítimas nessas condições. O estado fica atrás somente de Minas Gerais nos números desse crime. Os municípios de Rio Verde e Cristalina são os que mais tiveram autos de infração lavrados pelo MTE. Em relação a 2021, houve um aumento de 22% no número de resgates. Do ano passado até hoje, o aumento foi de 42%. 

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir trabalho análogo à escravidão no país: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, colocando em risco sua saúde e vida).

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Em maio de 1995, o governo brasileiro reconheceu diante das Nações Unidas a persistência do trabalho escravo em seu território. Devido a isso, foram criados grupos especiais de fiscalização móvel, que são a base do sistema de combate à escravidão no país. Desde então, foram mais de 60 mil trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão e cerca de R$ 127 milhões pagos a eles em ações rescisórias e reparações de danos morais.

Caso recente 

Entre os dias 8 e 10 de maio, uma operação resgatou oito trabalhadores em condições de trabalho análogas à escravidão em uma fazenda de extração de varas de bambu em Nova Glória, na região central de Goiás. A operação foi conduzida pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e contou com a participação do Ministério Público do Trabalho, do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União e da Polícia Federal.

Segundo o Procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Goiás (MPT-GO), Alpiniano Lopes, alguns dos trabalhadores estavam na fazenda há pelo menos 10 meses. “Foram resgatados oito trabalhadores, quatro do Pará, três de Goiás e um do Mato Grosso”, afirma o procurador em entrevista ao O Hoje. Alpiniano explica que a operação ocorreu após uma denúncia anônima realizada dois dias antes. De acordo com a investigação, os trabalhadores não tinham registro profissional e nunca receberam salários.

Além do trabalho análogo à escravidão, o procurador disse que constatou evidências dos crimes de aliciamento e sonegação fiscal. “O artigo 149 do Código Penal define o aliciamento como uma forma de se referir ao tráfico de pessoas”, explica Alpiniano Lopes. Segundo o Procurador-chefe do MPT, os homens dormiam em redes ou colchões sem roupas de cama no chão, não tinham instalações sanitárias e nem locais higienizados para fazer as refeições.

De acordo com Alpiniano, o autor dos crimes foi preso em flagrante e pode ser sentenciado a cerca de 16 anos de prisão. O procurador explica que a parte penal não é de responsabilidade do Ministério Público do Trabalho. O órgão atua na fiscalização, operação e assistência às vítimas. “São vários órgãos que compõem a teia de combate ao trabalho escravo. O Ministério Público do Trabalho vai usar a ação civil para buscar ações rescisórias e reparação de danos morais aos trabalhadores resgatados”, afirma. 

Razões para o crescimento

Segundo o auditor-fiscal do Ministério do Trabalho em Goiás, Roberto Mendes, em entrevista ao Jornal Opção, afirma que o problema está crescendo por uma série de fatores. “Sempre tivemos um grande número de infrações em Goiás, porque é um estado em crescimento econômico que atrai a mão de obra. A construção civil e a produção rural são setores propícios, por serem de difícil fiscalização. Entretanto, desde 2017, a responsabilização penal dos infratores foi dificultada por modificações trazidas pela reforma trabalhista (L13467). Até então, a terceirização da contratação era proibida”, explica. 

Roberto coordena as operações de combate ao trabalho escravo e afirma que o modelo é recorrente. O auditor-fiscal estima que 95% das empresas que se beneficiam do trabalho análogo ao de escravo façam uso de prestadoras de serviço terceirizadas, procuradas para reduzir custos com contratação de profissionais. “Gastar menos com trabalhadores significa deixar de garantir segurança, moradia, remuneração e alimentação”, diz Roberto Mendes. 

O auditor-fiscal explica que também há outro fator que favorece o crescimento do problema. Em Goiás, há apenas 40 auditores-fiscais, que são capazes de suprir cerca de 10% das demandas, e o último concurso público para o cargo foi realizado em 2013. Desde então, cerca de 100 funcionários deixaram as vagas, que continuam desfalcadas. “Precisamos urgentemente de suprir as 2,5 mil vagas abertas no país. A falta de fiscalização faz com que o risco de descumprir a legislação valha a pena, pois existem empresas que passam décadas sem ser fiscalizadas”, argumenta.

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