Mulheres voltam a correr risco após a soltura de seus agressores

Com agressor em liberdade, jovem apresenta episódios de pânico, e isto revela falha na Lei Maria da Penha, de acordo com advogada

Postado em: 15-05-2023 às 08h12
Por: Anna Letícia Azevedo
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Com agressor em liberdade, jovem apresenta episódios de pânico, e isto revela falha na Lei Maria da Penha, de acordo com advogada. | Foto: Elza Fiuza / Agência Brasil

Na última semana, em Goiânia, mais um agressor recebeu o direito de responder em liberdade pelo crime de violência doméstica. O jovem que foi preso em flagrante, após agredir e ameaçar a namorada diversas vezes, até com uso de arma de fogo, recebeu este direito por demonstrar “bom comportamento”. Este cenário presenciado várias vezes no país apresenta a falha a proteção devida às vítimas e as coloca em risco mais uma vez.

Conforme afirma a advogada Débora Camargo, o agressor foi preso em flagrante pela agressão e por manter a vítima em cárcere. “Contudo, a magistrada concedeu [a liberdade] a ele, por “bom comportamento”, o direito de responder em liberdade caso haja recurso ou até o trânsito em julgado da sentença. Ocorre que preso de fato haverá um “bom comportamento”. E solto? Será que vale a pena impor a vítima e a toda sociedade o risco de um novo mau comportamento quando já se sabe do que o agressor é capaz?”. 

Nesse sentido, ela pontua que o rapaz tem porte Colecionador, Atirador e Caçador (CAC), ou seja, ele tem a autorização para praticar as atividades de colecionamento, tiro desportivo e caça utilizando arma de fogo, mas não o direito de andar armado, como estava no dia que agrediu a companheira.  Além disso, é “co-proprietário de uma loja de caça e pesca onde comercializava armamento e munição, portanto tinha a seu dispor um verdadeiro arsenal”, de acordo com a advogada Débora, que ilustra um cenário de risco à vítima e sua família. 

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A decisão da última quinta-feira, (11/05) impôs, de forma cautelar, o uso de tornozeleira eletrônica por parte do agressor. Além de fornecer um botão antipânico para a vítima. Porém a família da jovem, informa que teme pela vida de todos com o agressor solto. 

Além disso, a advogada afirma que a prisão do agressor, apesar de ter ocorrido em flagrante, só foi possível pelo “contundente trabalho da defesa em parceria com o Ministério Público do Estado de Goiás e seu representante legal”. Desse modo, em conclusão, para Débora, os papéis foram invertidos, e esta é uma situação lamentável. Pois demonstra uma situação de pânico a vítima que deveria está sob cuidados devidos. 

Nesse sentido, a defesa reitera seu compromisso com a proteção dos interesses da vítima e afirma que irá recorrer da sentença. “As mulheres exigem respeito! As mulheres exigem que o judiciário olhe para elas com empatia. Mais que isso, as mulheres exigem que o legislativo exerça sua função e legisle para alterar a lei”, completa Camargo. 

Outros casos

No estado de Goiás, conforme a Secretaria de Segurança Pública, somente neste ano de 2023, a violência doméstica contra mulheres fez 13 vítimas fatais, estes dados apresentam os números somente de janeiro e fevereiro,  deixando margem para que ele seja maior. Além disso, 76 mulheres foram vitimas de estupro, 4.027 sofreram ameaça e 2.779 lesão corporal.

Além disso, de acordo com painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), está entre os cinco do Brasil que mais concederam medidas protetivas à mulheres vítimas de violência doméstica. Sendo 2.707 medidas protetivas, até o último dia de fevereiro deste ano. 

Nesse mesmo mês, Kelly Lidiane Carvalho Moreira, de 36 anos, foi morta pelo companheiro, no Rio Grande do Sul. A mulher já havia denunciado ele, e logo após a soltura ele foi até a casa dele e tirou sua vida. Este episódio deu início ao movimento  para reformas na Lei Maria da Penha, para evitar que mais casos como este ocorram. 

O movimento “Levante Feminista Contra o Feminicidio RS”, redigiu um documento ao Governador do estado exigindo ações energicas para casos como este. Entre as reivindicações, está também a restauração da rede de apoio às mulheres que sofrem violência doméstica. Sendo isto, importante para a manutenção da segurança, além da recuperação do trauma. 

Como ocorrido a goiana, de acordo com Débora Camargo, a jovem tem vivido “múltiplos episódios de Transtorno de Estresse Pós Traumático, crises de pânico, transtorno de ansiedade generalizada e tem sua mobilidade urbana comprometida por medo do que lhe pode acontecer”.

Agressão

A advogada explica a situação que vítima estava vivenciando: “Trata-se de um caso de violência doméstica por envolver pares que mantinham, à época, um relacionamento amoroso. Isabela jamais havia reportado a nenhuma autoridade competente nenhum episódio de violências típicas do contexto da Lei Maria da Penha, embora já estivesse sofrendo violência psicológica há algum tempo (pressão/chantagem para mudar determinados comportamentos, como o modo de se vestir, de se maquiar e de se relacionar com os outros)”.

Além disso, o relacionamento teve duração de 11 meses até o dia em que houve a agressão física. “No dia do fato que culminou na violência sofrida por Isabela, que inclusive quase ceifou sua vida, Isabela estava na casa da tia confraternizando enquanto assistiam ao jogo da Seleção Brasileira de Futebol. Nesta oportunidade, Isabela ligou de vídeo para o então namorado e ele viu que ela estava consumindo uma long neck de Budweiser. Pronto! Isso bastou para que o agressor literalmente surtasse com a vítima”, completou.

Conforme a advogada explica, o agressor enviou inúmeras mensagens ameaçadoras à vítima, que sugeriram que ele iria se “vingar” por ela ter bebido sem a autorização dele.  As ameaças não eram apenas direcionadas à vítima, como aos membros da família, como seu irmão. “Desse modo, ao cair da noite, o agressor para com o carro em frente ao portão da casa em que a vítima estava e liga avisando que está armado, exigindo que ela saia a porta”, relatou Débora. 

Em seguida, a vítima por medo que o agressor fizesse algo contra sua família atende as ordens dele. Assim, a advogada continua: “Neste momento, armado, alcoolizado, transtornado e tomado por um ódio sinestésico que chegava a ser palpável, tamanha a voracidade com que avançou na vítima, o agressor a conduziu contra sua vontade até o carro, com arma em punho e iniciou-se o cárcere privado, que perdurou por cerca de 2h. Isabela levou inúmeras coronhadas no braço, no peito e na cabeça. Esteve, entre uma coronhada e outra, com a arma apontada para sua cabeça, enquanto ouvia as mais diversas agressões verbais e ameaças de morte possíveis”. 

De acordo com a defesa da vítima, o agressor realizou disparos para intimidar, além de fazer ela abocanhar o cano da pistola enquanto ela confessasse a ele a transgressão de beber sem sua autorização. A jovem só conseguiu se libertar com o auxílio de sua mãe, ela conseguiu fazer uma ligação em que os sons das agressões alertaram a familiar. 

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