Mais de 2,5 mil goianos são portadores de doenças raras

Cerca de 75% das doenças raras afetam crianças, manifestam-se no início da vida e acomete pacientes de até cinco anos de idade

Postado em: 17-05-2023 às 08h00
Por: Alexandre Paes
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Cerca de 75% das doenças raras afetam crianças, manifestam-se no início da vida e acomete pacientes de até cinco anos de idade. | Foto: Arquivo Pessoal

Márcia Vieira Silva, 54, é cirurgiã plástica e foi diagnosticada com a síndrome de Ehlers-Danlos há pouco mais de 4 anos. A médica conta que sua doença é hereditária, e acaba afetando o seu tecido conjuntivo, o que provoca flexibilidade incomum das articulações, pele muito elástica e tecidos frágeis, como por exemplo, pessoas que conseguem praticar contorcionismo. “Meu diagnóstico da síndrome só chegou quando completei os 50 anos. Minhas articulações são mais frágeis, podem sair do lugar, os órgãos são mais frágeis, os vasos sanguíneos se rompem com facilidade”, conta Márcia.

Por não serem visíveis a olho nu, e estando escondidas em alguma parte do corpo, as doenças raras são causadas por alterações genéticas hereditárias, e uma pequena parcela da população brasileira possui alguma delas, mas não sabe. Essa síndrome é causada por um defeito em um dos genes que controla a produção de tecido conjuntivo. O que chama atenção na síndrome é aquilo de articulações tronchas, ou as peles soltas que puxam, elásticas. Mas não é só isso, já que tem muita coisa em órgão interno e outros sintomas.

“Pequenos derrames sinoviais, luxações e deslocamentos podem ocorrer com frequência. A cifoescoliose espinhal ocorre em 25% dos pacientes (especialmente naqueles com o tipo ocular-cifoescoliótico), deformidades torácicas em 20% e pés equinovaros 5%. Outros problemas são as hérnias gastrointestinais e divertículos são comuns. Raramente há sangramentos e perfurações espontâneas em partes do trato gastrintestinal, dissecção de aneurisma da aorta e rupturas espontâneas de grandes artérias”, explica a médica neurocirurgiã, Ana Maria Moura.

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A demora para o diagnóstico de casos como o da Márcia não é incomum. Lorena Lázaro, 38, descobriu a doença de Cushing em 2017 depois de sair em busca de médicos para entender o motivo que a fazia engordar e não conseguir emagrecer. “Eu vivia com remédios fortes e dieta, e não conseguia perder peso. Sempre procurei os endocrinologistas, e os próprios especialistas nunca mencionaram a doença. Depois de dezenas de exames de sangue e tantas outras ressonâncias, fecharam o diagnóstico de Cushing”, relata a jornalista.

Depois de anos buscando respostas, a síndrome de Lorena acabou afetando seu organismo, e em 2019 ela passou por uma operação para retirada de um tumor na hipófise. “Devido à minha doença, estava com quase 100 quilos. 10 meses depois me recuperei e estava saudável. Em março de 2021 eu percebi os sintomas voltarem. Hoje estou novamente com 100 kg. O tumor voltou, mas é inoperável porque não pode ser visto pelos exames de imagem”, esclarece.

Como a síndrome é causada pelo excesso de produção de cortisol nas glândulas adrenais, muitos sintomas e dores articulares são sentidas pela jornalista, que luta diariamente para continuar sua vida normal. “Nos últimos meses, com o agravamento da doença tenho dificuldades para atividades de esforço físico. Parei com a corrida na esteira e não faço atividades domésticas pesadas. Mas continuou vivendo normal, indo ao trabalho, dirigindo e saindo”, finaliza Lorena.

Diagnósticos em Goiás

De acordo com o relatório anual de dados da Política Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), foram diagnosticadas, de 2001 a 2022, pelo Teste do Pezinho, 2.529 doenças raras em Goiás. Entre elas, fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita e deficiência de biotinidase. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) define-se como doença rara (DR), toda enfermidade como aquela que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoa em cada 2 mil indivíduos.

Segundo a Secretária de Estado da Saúde de Goiás (Ses-GO), o diagnóstico das doenças raras pode ocorrer nos três níveis de atenção à saúde (primário, secundário e terciário), a partir do resultado do Teste do Pezinho, ou mesmo permanecer até a idade adulta sem diagnóstico definido. “Muitos desses diagnósticos são feitos a partir de achados clínicos, sem exames específicos para identificá-los. Contudo, é preciso considerar as demandas e as queixas apresentadas para cada paciente, pois muitos demandam acompanhamento multiprofissional de várias especialidades”, esclarece o órgão.

Em todo país, cerca de 13 milhões de pessoas com doenças raras e cada patologia envolve características e tratamentos muito peculiares, de modo que uma equipe multidisciplinar deve acompanhar essas pessoas de forma integrada e integralmente. Um desses profissionais é fonoaudiólogo, cujo papel é essencial para manter atividades vitais como respiração e alimentação.

Cerca de 75% das doenças raras afetam crianças, manifestam-se no início da vida e acometem pacientes de até cinco anos de idade. “Muitas delas são crônicas, progressivas, degenerativas e podem levar à morte. A triagem neonatal é capaz de detectar algumas dessas doenças antes que elas se manifestem. Em torno de 20% das doenças raras advêm de causas ambientais, infecciosas e imunológicas e 80% são decorrentes de fatores genéticos”, aponta Ana Maria.

Por serem raras, o acesso ao diagnóstico e à terapia adequada ainda são dificuldades enfrentadas pelos pacientes. O diagnóstico de uma doença rara pode demorar anos. “Elas possuem uma grande variação de sinais e sintomas, o que gera confusão com outras doenças mais frequentes e leva à uma grande peregrinação dos pacientes. As doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas e variam não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição”, finaliza a neurocirurgiã.

Tratamento e assistência 

O combate às doenças raras, no entanto, não é realizado somente por meio de medicamentos. Outros produtos para a saúde também são importantes, como os chamados produtos de terapias avançadas, que têm potencial para trazer grandes benefícios a pacientes que sofrem com enfermidades complexas e sem alternativas médicas disponíveis. Essa categoria inclui, por exemplo, células geneticamente modificadas para eliminar tumores ou vetores virais que carreiam sequências específicas para tratamento de doenças genéticas.

Quando questionada, a SES apontou que os pacientes diagnosticados com Erlhers Dallos necessitam de acompanhamento multiprofissional, que pode incluir cardiologista, oftalmologista, dermatologista, reumatologista e fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo, entre outros. Considerando o quadro e as queixas de cada paciente, pois o diagnóstico é geralmente clínico e não há um tratamento específico para essa síndrome.

“Não existe medicamento para tratamento específico da doença. Nesse caso, são utilizados medicamentos para tratar as queixas do paciente, como dor crônica, por exemplo”, apontou a pasta. Segundo a secretaria, os recursos para aquisição desses medicamentos são divididos de forma tripartite, pelos governos federal, estadual e municipais. Dependendo da doença, a responsabilidade é do ente da família. No que se refere ao elenco de responsabilidades, o Estado faz a aquisição, isto só não ocorre quando há problema na produção do medicamento.

Políticas públicas

Em março deste ano, o diretor da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras, Romulo Marques, enfatizou a importância da formulação de políticas públicas para o grupo de pacientes com doenças raras e seus familiares.

“Avançar na consolidação da política para as doenças raras não significa concorrer com as outras quase 60 políticas do setor de saúde pública, mas integrar-se a elas para um fortalecimento mútuo. Basta lembrar que, sem uma atenção básica bem estabelecida, não haverá diagnóstico para a alta complexidade”.

Outros parlamentares da Câmara dos Deputados apontam algumas propostas que passam por análise pelo Congresso e que podem beneficiar os portadores de doenças raras. Uma delas (PL 992/22) cria o Estatuto da Pessoa com Doença Rara. Outra é o projeto de lei complementar (PLP 155/21) que considera prioritário o financiamento de pesquisas para o combate destas enfermidades.

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