Cresce adeptos ao vegetarianismo no Brasil

Práticas alimentares contra a matança dos animais crescem no Brasil e hoje representa mais de 30 milhões de brasileiros

Postado em: 01-06-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
Imagem Ilustrando a Notícia: Cresce adeptos ao vegetarianismo no Brasil
Práticas alimentares contra a matança dos animais crescem no Brasil e hoje representa mais de 30 milhões de brasileiros

Raunner Vinícius Soares*

Continua após a publicidade

Segundo pesquisa feita em abril de 2018 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), no Brasil, 14% da população se declara vegetariana. A estatística representa um crescimento de 75% em relação a 2012, quando a mesma pesquisa indicou que a proporção da população brasileira nas regiões metropolitanas que se declarava vegetariana era de 8%.  Isto representa quase 30 milhões de brasileiros que se declaram adeptos a esta opção alimentar, que é um número maior que a população da Suécia, Noruega, Finlândia e Dinamarca juntas. Não há pesquisa no Brasil sobre o número de veganos.

Contudo é importante diferenciar os termos, o vegetarianismo é um tipo de alimentação que não só envolve questões éticas, mas, sim motivadas pela saúde, ou até mesmo práticas religiosas. O vegetariano não se alimenta de carne, porém continua consumindo produtos de origem animal. Quando a motivação é ética, sua prática é menos radical, isso porque vai contra a matança, mas não contra a utilização dos produtos de origem animal, abrindo concessão a indústria do laticínio, ovos e outros. Já o veganismo exclui qualquer produto de origem animal da sua alimentação.

Em relação ao consumo de carne, segundo os dados de 2017 do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – USDA, o consumo anual total de carne suína pelos diversos países do mundo é de aproximadamente 110,1 milhões de toneladas métricas. O Brasil é o quinto maior consumidor de carne suína do mundo, tendo um consumo anual de aproximadamente 2,9 milhões de toneladas métricas. As carnes mais consumidas no mundo são, em primeiro lugar suíno, seguida da carne de frango e por último e não menos importante, a carne bovina.

Ocupando a primeira posição do ranking dentre os diversos países consumidores dessa carne, aparece a China, apresentando um consumo equivalente 54,8 milhões de toneladas métricas por ano. A União Européia ocupa a segunda posição no ranking, consumindo um equivalente a 20,1 milhões de toneladas métricas/ano. Já no terceiro lugar aparece os Estados Unidos, com um consumo anual de aproximadamente 9,6 milhões de toneladas métricas, e em quarto, a Rússia, apresentando um consumo equivalente a 3,2 milhões de toneladas métricas/ano.

O que é comum nas práticas veganas e vegetarianas é, ir contra a matança de animais, também, demonstrada no documentário A Carne é Fraca, que é uma produção do Instituto Nina Rosa, visando difundir educação baseada em valores positivos, para resgatar a relação homem-ambiente, que mostra a barbárie cometida aos animais antes do abate. Por este motivo Stella Dalcin Santos, 30 anos, desingner gráfico, aderiu à causa motivada pela barbárie cometida contra os animais.

Stella parou de comer carne em 2005 quando tinha apenas 17 anos, e fazia resgate de cachorros e gatos na rua, “sempre fui muito sensível a causa animal. Desde criança eu não achava correto comer animais e fui parando gradualmente, até que em 2005, eu descobri que existiam pessoas que vivia bem sem comer carne e por isso poderia ter uma vida saudável assim”, afirma. Então, em 2011 deu um basta e parou de consumir todos os produtos de origem animal. 

A designer relata que sempre foi muito difícil conviver com a ideia de que a sua alimentação representava um intenso sofrimento a milhares de animais. “Tomar essa decisão foi um grande alívio. O veganismo chegou mais tarde para mim quando entende o sofrimento que existe na indústria de leite e não quis colaborar com isso”, pontua. Afirma que sua rotina é normal, não costuma tomar café da manhã, mas quando toma é sempre chá, pão francês, ou pão sírio, e adora passar hommus ou manteiga de amendoim. “Almoço e jantar gosto sempre de ter brócolis, rúcula, couve, tofu, algum tipo de cogumelo, broto de feijão, grão de bico, lentilha, arroz, feijão. Não é sempre que tem tudo, mas são as coisas que eu sempre gosto de ter em casa”.

Quando vai comer fora de casa, Stela afirma que o local não precisa vender, necessariamente, só produto vegano.  “A maioria dos lugares sempre tem batata frita que é a união de todas as tribos, mas damos preferências a locais que tenham opções veganas sempre”, afirma.

Para suprir as necessidades nutricionais ela conta com uma estratégia. “Quando a gente se torna vegano muita coisa muda. A minha relação com os alimentos mudou. Eu tenho mais consciência na hora de montar meu prato e ter tudo que preciso. O que eu faço é comer vegetais escuros sempre com alguma fonte de vitamina C, por exemplo, para ajudar a absorver o ferro desses alimentos. Mas comer de tudo e conhecer o que se come é fundamental para todos. Se as pessoas fizessem isso com certeza o veganismo teria mais adeptos”.

Família

Uma das perguntas mais recorrente aos veganos e vegetarianos é a questão da privação da carne. Stella diz que não sente nenhuma falta, nem durante a sua gravidez, e sua família aderiu a dieta. “Meu marido parou de comer carne um ano depois que eu. Na época éramos namorados, e ele se manteve assim. Meu filho, de 5 anos,  nasceu de uma gestação vegana, não aceita carne de forma alguma. Ele sabe de onde ela vem, e às vezes até briga com as pessoas na fila do açougue para que não compre carne”, pontua a designer.

Porém seu marido ainda consome leite e ovos sendo caracterizado como um vegetariano, e também salienta que seu filho ainda não tem total consciência para poder diferenciar um bolo sem ovo e com ovo. “Por vezes ele come na escola, na casa de algum parente. Não adianta blindar ele contra isso, até porque é impossível. O veganismo deve ser uma escolha consciente e empática de quem toma. Logo ele poderá tomar a escolha dele, mas em casa fazemos o possível para que tudo seja vegano para ele, porque é mais saudável”.

Mercado

Apesar de que não haja no Brasil um cálculo específico do tamanho do mercado de produtos veganos, segundo a Associação Brasileira de Supermercado, a demanda por produtos vegetarianos é maior do que a oferta no país, com dados da Associação Franquia Sustentável indicando um faturamento de 55 bilhões de reais em 2015 no mercado de produtos naturais.  

Entrevista: Carla Cristina de Morais 

Professora do Instituto Health de Pós-Graduação, Doutoranda em Ciências da Saúde, e Nutricionista  

É possível manter uma boa saúde mantendo a dieta vegana?

Em primeiro lugar vale diferenciar os tipos de vegetarianos. Existem os vegetarianos flexíveis, adeptos do chamado flexitarianismo, ou seja, que optam por basear a alimentação em produtos de origem vegetal, mas em alguns dias de exceção, consomem peixes ou até mesmo uma porção de carne vermelha. 

Há, também, os ovolactovegetarianos, que deixam de consumir todos os tipos de carne, mas se alimentam de ovos, leites e derivados. Há aqueles lactovegetarianos, que consomem apenas os leites e derivados, excluindo da alimentação as carnes e os ovos. Os vegetarianos estritos são aqueles que não consomem nenhum produto alimentício de origem animal. Já os veganos são aqueles que além de não consumirem nenhum alimento de origem animal, também não utilizam qualquer produto ou serviço que envolvem animais (alimentação, vestuário, beleza, entretenimento).

É possível manter uma boa saúde com uma dieta vegana. Vale ressaltar, entretanto, que se devem seguir orientações nutricionais adequadas para o equilíbrio dos macronutrientes (carboidratos, lipídios e proteínas) em quantidade e qualidade adequadas. Ou seja, é uma escolha que deve ser guiada por profissionais de saúde, em que os exames de rotina devem estar sempre em dia (o famoso check up) e o planejamento alimentar, sobretudo no início da transição para o estilo de vida vegano e qualquer tipo de dieta vegetariana, deve ser supervisionado por nutricionista capacitado.

Causa algum problema na saúde?

Os adeptos ao vegetarianismo e veganismo devem ficar atentos a possíveis deficiências nutricionais comuns neste grupo, tais como de ferro, uma vez que as fontes mais biodisponíveis (de melhor aproveitamento ao organismo) são de produtos de origem animal. Além do ferro, deve-se cuidar para a vitamina B12, em que as fontes também são restritas aos alimentos de origem animal. O cálcio também merece atenção, pois as fontes mais biodisponíveis são os laticínios (leite e derivados). Por fim, deve-se cuidar para garantir boas fontes de aminoácidos (os constituintes das proteínas). Ou seja, se não há a carne e o leite (melhores fontes de proteínas no organismo) na dieta, faz-se necessário o equilíbrio entre cereais e leguminosas durante a refeição para a garantia da boa qualidade das proteínas (o famoso arroz com feijão, o consumo de lentilha, grão de bico, soja e derivados, dentre outros).

É muito mais difícil manter a dieta por questão nutricional?

A partir de uma orientação nutricional e de um pouco de boa vontade e desejo de preparar a própria refeição, dedicar tempo do dia-a-dia para cuidar da saúde por meio da alimentação, não é mais difícil manter uma dieta vegetariana ou vegana equilibrada se comparada à dieta onívora.

Quando o paciente demonstra interesse na dieta, você como profissional incentiva?

Há muitos benefícios em aumentar-se o consumo de frutas e hortaliças e cereais integrais, além de reduzir ou cortar o consumo de carnes, ovos e laticínios. Ou seja, o vegetariano ou vegano se beneficia com as propriedades dos alimentos de origem vegetal (alto teor de fibras, vitaminas e minerais, além dos compostos bioativos, que ajudam a proteger nossas células). Isto quer dizer que se o indivíduo reduzir o consumo de produtos de origem animal, mesmo que não se torne vegano, sobretudo em se tratando de carne vermelha, ele já apresentará fatores de proteção que um paciente vegetariano já apresenta.

A questão financeira pesa muito, os produtos veganos são muito caros?

A alimentação vegana pode ser mais onerosa caso o paciente compre todos os produtos já industrializados. Caso ele dedique tempo para a preparação de receitas veganas, facilmente encontradas em grupos veganos (blogs, grupos de whatsapp e sites) não se trata de uma alimentação mais cara que de pacientes onívoros (que consomem produtos vegetais e animais).

O acompanhamento nutricional é importante nestes casos?

É necessário o acompanhamento nutricional periódico, sobretudo no início, para que o paciente aprenda a gerenciar a própria alimentação, e de tempos em tempos (pelo menos de 6 em 6 meses), para verificar se o estado nutricional está totalmente adequado (em relação a peso, distribuição de gordura e massa muscular, vitaminas e minerais no organismo e hidratação). (Especial para O Hoje)

Veja Também