Em decisão inédita no estado, motorista de Inhumas comprova vínculo de emprego com a Uber

O motorista iniciou seus trabalhos na Uber em dezembro de 2021. Mas em outubro de 2022, segundo alega, foi banido pelo aplicativo sem aviso prévio e sem possibilidade de defesa

Postado em: 23-05-2023 às 09h41
Por: Ícaro Gonçalves
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O motorista iniciou seus trabalhos na Uber em dezembro de 2021. Mas em outubro de 2022, segundo alega, foi banido pelo aplicativo sem aviso prévio e sem possibilidade de defesa | Foto: Reprodução

Um motorista de aplicativo morador de Inhumas, a 46 km de Goiânia, obteve na Justiça do Trabalho o reconhecimento de vínculo empregatício com a plataforma Uber. O juízo de primeiro grau entendeu que os requisitos que configuram a relação de emprego — pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica — foram comprovados pelo trabalhador.

Entenda

O motorista iniciou seus trabalhos na Uber em dezembro de 2021. Mas em outubro de 2022, segundo alega, foi banido pelo aplicativo sem aviso prévio e sem possibilidade de defesa. Foi então que ele entrou com ação na Justiça do Trabalho para o reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa.

Segundo o motorista, ele ficou sem salário e sem condições de arcar com seus compromissos financeiros e que a empresa não deu justificativa para o bloqueio dos serviços.

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Para o trabalhador, a contratação de aplicativo é uma “suposta” relação civil, já que as decisões são tomadas unilateralmente pela empresa e que os motoristas cadastrados não podem negociar as cláusulas fixadas.

Afirmou que o serviço prestado tem habitualidade e onerosidade com “pagamentos semanais” efetuados pela plataforma. Pontuou que a empresa usa de seu poder diretivo para definir os parâmetros do atendimento, os valores da remuneração e o perfil do motorista.

Entre outros pontos, afirmou ainda que a empresa controla todos os caminhos feitos pelo motorista, envia notificações em caso de alteração de rota, horário de parada e intervalo entre as corridas, além de não aceitar que outra pessoa dirija o carro do motorista cadastrado.

Reconhecimento de vínculo empregatício com a Uber

Para a juíza Rosana Rabello Padovani, titular da Vara do Trabalho de Inhumas, ficou comprovado o vínculo de emprego após a avaliação das provas juntadas.

Considerou que as plataformas digitais pertencem à chamada indústria 4.0, que incorpora novas tecnologias e tratamento de dados ao ambiente de produção, modificando os processos de trabalho.

A juíza também considerou que o Brasil é membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), devendo assegurar patamares mínimos de direitos trabalhistas com vistas à promoção da dignidade humana e de acordo com o texto constitucional brasileiro.

Sendo assim, as alterações no modelo tradicional de trabalho, provocadas pelo o crescimento da economia de aplicativos geridos pela inteligência artificial, não podem, segundo a sentença, promover o retrocesso social e a precarização do trabalho que afetam a forma de vida do trabalhador.

Ao analisar a subordinação jurídica, a magistrada considerou que, como conceito estruturante do vínculo de emprego, teve sua aplicação ampliada ao incluir os trabalhadores em domicílio, os trabalhadores intelectuais, os altos empregados e, mais recentemente, o teletrabalho, passando a ser exercida também por meios telemáticos e informatizados.

No contexto do processo, a magistrada entende que o uso de tecnologia propicia tanto o envio das ordens ao trabalhador, orientando-o da forma como realizar o trabalho, quanto a fiscalização do local e da forma do desenvolvimento da atividade mediante o uso de, por exemplo, ferramentas de geolocalização, capazes de precisar a localização e a velocidade de cada veículo da frota.

Pena

O juízo da VT de Inhumas determinou que empresa faça anotação da CTPS do autor constando data de admissão em 01/12/2021, na função de motorista, salário variável por comissão, e data de demissão em 30/11/2022. Por considerar o rompimento do contrato de trabalho por dispensa na modalidade “sem justa causa”, a empresa deverá pagar aviso-prévio indenizado, férias, décimo terceiro salário, liberação dos depósitos do FGTS e indenização de 40%. Foram deferidas também horas extras e pagamento de danos morais.

O Hoje entrou em contato com a assessoria de comunicação da Uber questionando sobre o caso. Em nota, a empresa disse que irá recorrer da sentença.

Confira a nota na íntegra:

“A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela Vara do Trabalho de Inhumas, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados na segunda instância do Tribunal Regional de Goiás e no órgão máximo da Justiça do Trabalho, o TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Em fevereiro, por exemplo, a 3ª Turma do TRT de Goiás decidiu não haver vínculo de emprego entre a Uber e um motorista parceiro devido à ausência de subordinação, uma vez que na atividade, exercida com autonomia, não há “imposição ou controle de horário, nem de zona de trabalho, tampouco metas a cumprir”.

O acórdão deste processo, inclusive, foi incluído na 166ª edição do “Informativo de Precedentes e Jurisprudência do TRT-18”, que tem entre os objetivos divulgar as posições do Tribunal no julgamento de casos repetitivos.

Jurisprudência

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber, eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação de viagens oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Dessa forma, não há subordinação na relação, pois a Uber não exerce controle sobre os motoristas, que escolhem quando e como usar a tecnologia da empresa.

Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe controle ou determinação de cumprimento de jornada mínima.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 4.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma, além de julgamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e oito decisões no TST (Tribunal Superior do Trabalho).”

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