STF adia mais uma vez julgamento sobre descriminalização das drogas

Retomada da análise pode impactar o sistema penitenciário e a chamada guerra às drogas

Postado em: 25-05-2023 às 08h19
Por: Alexandre Paes
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Estudos indicam que a atual Lei de Drogas, sancionada em 2006 por Lula, gerou uma "explosão" no número de pessoas presas | Foto: Divulgação

O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a colocar na pauta de quarta-feira (24) o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Mas acabou por adiar a retomada da análise no plenário da Corte. O tema começou a ser analisado pelo plenário em 2015 e, desde então, ficou parado na Corte. Até o momento, três ministros votaram a favor da derrubada de um artigo que criminaliza usuários. O caso levado ao Supremo pede a suspensão de um artigo da Lei Antidrogas que proíbe o armazenamento, plantio e transporte de drogas para uso pessoal. 

O julgamento da ação foi interrompido por um pedido de vistas, ou seja, mais tempo para analisar o caso, por parte do ministro Teori Zavasky. O magistrado faleceu em um acidente aéreo e o ministro Alexandre de Moraes, que herdou o processo, retornou para julgamento no plenário em 2018. Já são quase oito anos com a ação parada. O tema chegou a ser incluído duas vezes na pauta de julgamentos nos últimos oito anos, mas foi removido antes de ser julgado.

Até agora, votaram a favor da descriminalização os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Um estudo realizado entre 2013 e 2015 apontou que entre 56% e 75% das prisões por tráfico de drogas no Brasil ocorrem em razão da apreensão de menos de 100 gramas de maconha ou 50 gramas de cocaína. A possível retomada do julgamento é considerada histórica, tendo em vista o impacto que pode causar no sistema penitenciário e na chamada guerra às drogas.

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De acordo com o voto dos três ministros, dependerá da interpretação do juiz e do policial se a droga encontrada era para consumo pessoal ou para o tráfico de drogas. Se a substância for para uso próprio, não caberá a prisão. Em contrapartida, a pessoa poderá ser sancionada com medidas administrativas, como “advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo”, conforme define a legislação.

Sistema Carcerário

Estudos indicam que a atual Lei de Drogas, sancionada em 2006 por Lula, gerou uma “explosão” no número de pessoas presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Em 2005, antes da nova legislação, havia 296.919 pessoas encarceradas no país, sendo 14% delas por crimes relacionados ao tráfico, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Já em 2019, dado mais recente, eram 773.151 detentos, o que representou alta de 160%. Delitos relacionados ao tráfico representavam 27,4% do total de presos. A expectativa era que isso reduziria o número de prisões, mas o efeito foi o oposto.

Em entrevista exclusiva ao Jornal O Hoje, Lucas Cardoso de Oliveira, advogado da OAB, espera que seja fixado parâmetros para definir melhor quem pode ser considerado usuário, evitando que consumidores sejam indevidamente enquadrados como traficantes. “Existem alguns outros países que também não tem como criminalizadas o porte para o uso de algumas dessas substâncias, o que consequentemente o crescimento do crime organizado dentro do sistema prisional, e as dificuldades do sistema de segurança pública que não conseguem dar conta da segurança daquela sociedade”, aponta.

O especialista aponta ainda que de maneira geral a exigência da descriminalização do porte de drogas que serão para consumo próprio não resolve o problema da política de drogas da Lei 11.343/2006, a figura do usuário já não possui despenalização. “Ter uma descriminalização com um patamar de diferenciação baixo pode gerar um efeito rebote, aumentando a criminalização pelo tráfico e aumentar o encarceramento em massa, que é algo que temos que combater. O que seria necessário é modificar o sistema dos tipos penais mais criminalizados pelo sistema de justiça brasileiro”, concluiu Lucas.

Fragilidades Psicossociais

De acordo com especialistas ouvidos pelo jornal O Hoje, a legalização de drogas e de substâncias psicoativas sempre haverá ressalvas, já que para algumas pessoas isso pode não causar problema nenhum, e para outras, grandes desafios relacionados à dependência. “Uma pessoa que usa a maconha, uma pessoa que usa um outro tipo de droga pode ter a sua percepção reduzida”, analisou Sergio Paulo Grycuk, médico psiquiatra.

“Mesmo sendo proibidas, mesmo sendo ilícitas, a humanidade sempre usou drogas. Mas porque nesta geração nós precisamos tanto delas não seria o momento de repensarmos a educação, repensarmos onde colocamos a nossa fé, repensarmos onde colocamos os nossos critérios de humanidade”, complementa Sergio Paulo Grycuk.

Questionado sobre o aumento do uso de drogas, o médico psiquiatra Tiago Oliveira, acredita que a frequência, a prevalência, e principalmente o acesso e uso entre crianças e adolescentes vai aumentar com a descriminalização. “É bem estabelecido na literatura que uma vez que você descriminaliza o uso de uma substância você passa uma mensagem para sociedade reduzindo a percepção de risco das pessoas em relação aquela substância”, analisa o especialista.

Tiago aponta ainda que políticas públicas não deveriam ser decididas pelo judiciário e isso é um contrassenso antes de tomar uma decisão tão grave afeta tanto a população brasileira. “Essas situações tinham que ser discutidas no plenário. Tem que mandar essa discussão para assembleia, lá para Câmara dos Deputados, lá tem que ser discutido amplamente esse tema e após ampla discussão com a sociedade poder realmente fazer uma lei que resume qual é o posicionamento da sociedade em relação a isso”, finalizou o psiquiatra.

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