Crianças com nanismo sofrem com falta de medicamentos

O Instituto Nacional de Nanismo cobrou o Ministério da Saúde pelo atraso e lançou campanha “Meu tratamento não pode parar”

Postado em: 27-05-2023 às 09h05
Por: Larissa Oliveira
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“Se tornar proporcional é a mudança mais visível”, afirma Anyck Viana, mãe de Ana Clara | Foto: Divulgação/ Instituto Nacional de Nanismo (INN)

O Ministério da Saúde atrasou o repasse do medicamento Voxzogo, usado para o tratamento de acondroplasia, tipo mais comum de nanismo. Atualmente, cerca de 103 crianças em todo o país são beneficiadas com a oferta desse remédio, que tem custo estimado em R$ 1,39 milhões por ano. Entretanto, os medicamentos não estão sendo entregues às inúmeras crianças e adolescentes e suas doses estão acabando sem reposição ou previsão de entrega. 

A desenvolvedora de biofármacos para doenças genéticas raras BioMarin afirmou em nota que, em dezembro do ano passado, foi firmado um contrato com o Ministério da Saúde (340/2022). Devido a intensa demanda global, foi acordado o fornecimento de doses adicionais, as quais foram entregues ao Ministério no dia 18 de maio, segundo a empresa farmacêutica. Um novo cronograma de fornecimento foi discutido entre as partes no dia 14 de abril, mas o novo contrato ainda não foi assinado. Após a assinatura, o prazo para entrega é de 30 dias. Depois disso, as doses serão encaminhadas para os pacientes. 

Acondroplasia

De acordo com o Ministério da Saúde, o nanismo é a forma mais comum de baixa estatura desproporcional em humanos, afetando aproximadamente 250 mil pessoas mundialmente. Esse transtorno genético acomete uma a cada 25 mil crianças nascidas vivas. Em alguns casos, a criança herda a acondroplasia de um dos pais com o transtorno, mas a maioria dos casos, cerca de 80%, é causada por uma nova mutação na família. Isso significa que os pais são de estatura média e não têm o gene modificado. 

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Segundo o endocrinologista Dr. Genoir Simoni, a acondroplasia é o tipo mais comum de nanismo, em que os braços e as pernas da criança são mais curtos em proporção ao comprimento do corpo. “A cabeça é grande e, muitas vezes, o tronco é do tamanho regular. A altura média dos homens adultos é de 150 cm, e a altura média das mulheres adultas é de 140 cm. O especialista em acondroplasia afirma que o medicamento de alto custo chamado Voxzogo Vosoritida ajuda os pacientes a levarem uma vida ativa e saudável.

O Dr. Genoir Simoni orienta que o medicamento foi registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em novembro de 2021. Segundo ele, o fármaco ajuda a controlar a doença e pode ser usado a partir dos dois anos de idade. “Quando a criança tem acesso ao tratamento, melhora a estrutura corporal, podendo ter um acréscimo de altura de 1,27cm a mais por ano, em média. Além disso, o uso do medicamento ocorre até o término do crescimento, em torno dos 15 anos”, explica.

Caso a criança não tenha acesso ao remédio, o especialista alerta que pode sofrer com complicações. “Na evolução da doença, poderá apresentar artrite, canal estreitado na coluna inferior resultando pressão sobre a medula espinhal (estenose espinhal), excesso de fluido cerebral (hidrocefalia), apneia do sono, atraso de habilidades motoras e ganho de peso que poderá agravar a pressão sobre as vértebras”, informa. Portanto, o medicamento apenas auxilia no crescimento, mas diminui as complicações da doença. 

Campanha

Nesta quinta-feira (25), o Instituto Nacional de Nanismo (INN) enviou ofício ao Ministério da Saúde e ao Conselho Nacional de Saúde, solicitando informações a respeito da normalização do fornecimento do remédio. Porém, ainda não houve resposta. Também foram acionados deputados federais e senadores. Por conta disso, o Instituto lançou uma campanha nas redes sociais chamada de “Meu tratamento não pode parar”. A campanha tem o intuito de mostrar que as crianças precisam ter seus direitos assegurados.

Segundo a presidente do Instituto, Juliana Yamin, a janela de benefícios do uso da terapia é pequena. Isso porque só está disponível dos 2 anos à puberdade. “Lutar para que as futuras gerações tenham uma vida mais saudável e melhor é um compromisso do Instituto e, nesse momento, a luta passa por garantir o acesso do medicamento a todos, com fornecimento contínuo”, afirma. Conforme Juliana enfatiza, o tratamento é qualidade de vida, longevidade, acessibilidade. 

“As pessoas, por falta de conhecimento, tendem a achar que a pessoa com nanismo é apenas um adulto que não cresceu. Mas não se trata apenas de centímetros a menos. É um esqueleto todo formado fora do padrão, com coluna e articulações comprometidas. São problemas auditivos, respiratórios, cardíacos (na idade adulta). É a dificuldade de manter o peso dentro de um padrão saudável. A pessoa com acondroplasia vive em média 10 anos a menos que a população geral”, completa Juliana Yamin. 

Últimas doses

Ana Clara Viana tem 7 anos, mora em Macaé, no Rio de Janeiro, e usa o Voxzogo há 9 meses. Sem receber uma nova remessa, as doses acabam no próximo domingo (28). Em 270 dias de medicação, ela ganhou mais que centímetros e troca de numeração do sapato. “Ela ganhou muita autonomia. Passou a alcançar interruptores e portas, maçanetas, prateleiras. Uma coisa que também não conseguia fazer era amarrar o cabelo sozinha porque os braços não alcançavam”, afirmou a mãe dela. 

A mãe da Ana Clara, Anyck Viana, é engenheira mecânica e tem 33 anos. Segundo ela, sua filha não usava o self-service da escola, mas ela passou a usar por conta dos resultados positivos que o tratamento proporcionou. “Ela ganhou massa muscular, força e proporcionalidade. Sem dúvidas se tornar proporcional é a mudança mais visível”, completa a mãe. Além de Ana Clara, outras inúmeras crianças tiveram resultados significativos e precisam dar seguimento no tratamento através do remédio.

Outro exemplo é a Tarsila, que tem 3 anos e 4 meses e está usando a medicação há 9 meses. Segundo a mãe, Charla Goulart, elas moram em Aquidauana, Mato Grosso do Sul, e possuem apenas mais três doses. “As mudanças foram várias além da altura, que já foi um ganho. Os pés cresceram e agora ela consegue alcançar a mãozinha para limpar o xixi. A Tarsila agora consegue amarrar o próprio cabelo. Ela ganhou mobilidade, equilíbrio e independência. O osso do nariz cresceu e o rostinho mudou muito”, acrescenta a mãe. 

Sem medicação

Neide Roberta Vieira, de 38 anos, é mãe de Adryan Nicollas, de três anos, e eles moram em Camaçari, na Bahia. A medicação é aplicada desde 3 de janeiro e acabou em 22 de abril, há pouco mais de um mês. A mãe conta que a curvatura da coluna que era acentuada melhorou bastante e que o garoto também cresceu quatro centímetros. As mudanças também foram visíveis nos braços e pernas. Agora, sem previsão de novo recebimento do remédio, a mãe se preocupa. 

“A sensação é de impotência, medo, angústia e desespero. Sabemos que é um medicamento muito importante para o desenvolvimento das nossas crianças. Não pode ser interrompido assim, do nada, sem nenhuma satisfação às famílias. Eles não sabem quantas dificuldades passamos para receber essa medicação para, de repente, não recebermos mais”, argumenta Neide Roberta. Ela e outras mães foram obrigadas a interromper o tratamento dos filhos devido a não entrega de novos medicamentos.

Segundo Anaísa Banhara, advogada especialista em acesso à Saúde, ela defende hoje 60 casos de crianças envolvendo o acesso ao Voxzogo. Destes, 45 estão recebendo a medicação, mas algumas na iminência de fornecimento interrompido se não houver mudanças ainda nesta sexta-feira (26). “Fazemos alinhamento no Poder Judiciário sempre informando quando as doses acabarão para que a União seja pressionada. Também fazemos alinhamento político e administrativo junto aos órgãos de execução e fiscalização, mas desde janeiro estávamos tentando respostas, sem sucesso”, completou a advogada.

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