Leitura reduzirá pena de detento em presídios em Goiás

Goiás conta com 137 unidades prisionais e todas podem implantar o incentivo à leitura

Postado em: 18-06-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Goiás conta com 137 unidades prisionais e todas podem implantar o incentivo à leitura

Rafael Melo 

Com a tentativa de regulamentar o processo de diminuição de pena por meio da leitura nos presídios em Goiás, o Ministério Público apresentou uma proposta de padronização, em parceria com a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) e a Secretaria Estadual de Educação (SEDUCE), para viabilizar uma metodologia da ação diante do Tribunal de Justiça de Goiás e o Executivo Estadual. Todavia, a Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já estipula esse tipo de remição como forma de atividade complementar, especialmente para apenados aos quais não sejam assegurados os direitos ao trabalho, educação e qualificação profissional.

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No entanto, o projeto se trata de uma iniciativa da promotora de Justiça Liana Antunes, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação (CAO Educação), e integra o Plano Geral de Atuação (PGA) da Instituição para o biênio 2018/2019, que tem como tema prioritário a estruturação do sistema penitenciário conforme regulamentação do Conselho da Justiça Federal (CJF) e da Diretoria-Geral do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça.

De acordo com o MP-GO a remição de pena pela leitura já vem sendo aplicada, mas ainda falta muita assertividade no sistema penitenciário goiano e também no cenário nacional. “A proposta é no sentido de que a remição pela leitura seja regulamentada de modo uniforme em todo o Estado, que sejam padronizadas as obras literárias utilizadas, a quantidade de dias a serem remidos e que o procedimento avaliativo seja mais criterioso, com a inclusão de avaliação oral, que atualmente inexiste em praticamente todas as comarcas goianas, dentre outras”, explica a promotoria.

Unidades

Atualmente, o estado de Goiás possui 137 unidades prisionais. As informações do MP-GO apontam que os levantamentos preliminares denotam que o projeto já está em funcionamento em cerca de dez municípios goianos. Há dificuldades no levantamento, de forma precisa, da quantidade de presídios e detentos devido às regulamentações por portarias baixadas pelas autoridades locais, conforme a realidade de cada município.

No Plano Estadual de Educação nas Prisões do Estado de Goiás elaborado pela Secretária de Estado de Educação Cultura e Esporte (SEDUCE) e pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária, consta que diversos estabelecimentos penais buscam, desde o ano de 2015, parcerias e ações relacionadas à remição de penas pela leitura, a exemplo das unidades prisionais de Anápolis, Aparecida de Goiânia e Trindade.

A Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG), em Aparecida de Goiânia, é o único presídio do Estado que possui escola. O Diretor da unidade, Leyber Soares, explica que o apoio operacional tem sido realizado, mas, ainda assim, não são todos os presos que se interessam pela leitura. “As avaliações são encaminhadas ao poder judiciário local e a remição precisa ser homologada pela vara de execução penal. De todo modo, sabemos que grande parte da população carcerária possui baixíssima escolaridade, então nem todos os detentos estão interessados no compromisso de sempre ler um livro”, esclarece Soares.

Apesar disso, a promotora Liana Antunes reitera a necessidade do projeto argumentando a partir da inferência do educador Paulo Freire ao afirmar que a leitura de mundo precede a leitura da palavra. “Por fim, ao se pensar no intuito da remição, seja por meio do estudo, do trabalho ou leitura, a ideia de que a pessoa seja estimulada a participar, durante a privação da sua liberdade, de atividades que façam parte do cotidiano das pessoas em liberdade, fazendo com que se preparem para o retorno ao convívio social e repensem suas condutas”, avalia a promotora. 

Mesmo com projetos de reinserção, reincidência criminal chega a 70% 

As medidas socioeducativas podem ser um fator importante na complexidade do sistema prisional, mas é necessário colocar em evidência a questão da reinserção social para perceber o quanto é fundamental políticas públicas para a população carcerária. 

Estima-se que a taxa de reincidência criminal no país chega a 70%, mesmo havendo projetos que buscam reinserir o preso no mercado de trabalho. Nesse sentido, a quantidade de presos que voltam para a cadeia após terem cumprido pena é considerável, representando uma reflexão que não pode ser vista como alternativa preconceituosa ou, até mesmo, como desperdício aos cofres públicos.

O assistente social Fernando do Vale conta que alguns presos desenvolvem o hábito pela leitura depois que são incentivados pelo projeto de remissão. “A princípio, é um posicionamento que requer estrutura, bem como recursos humanos. Nas orientações prevê que se tenha uma equipe com assistentes sociais, psicólogos e pedagogos. Ainda assim, a população carcerária entende a remição pela leitura como uma questão mais ampla, tanto no que se refere à saúde mental e disciplinar do detento quanto a uma alternativa educacional pensando na reinserção social dessas pessoas”, explica o colaborador da Penitenciária Coronel Odenir Guimarães (POG).

Segundo o advogado Gilles Gomes, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/GO, a remição é um direito do preso que já consta na Lei de Execução Penal. “Na medida em que o Estado não disponibiliza ao preso condições para o exercício desse direito; ele é omisso. O projeto de remição de pena pela leitura é uma iniciativa que, para funcionar, deve ser acompanhada de outro projeto pedagógico, indicando leituras que possam resguardar relação com o aperfeiçoamento técnico do preso, visando a prometida reinserção social”, esclarece Gomes.

Detentos

Vários presos que participam da alternativa de remição por meio da leitura contam que não tinham o hábito de ler antes da iniciativa. Rafael Pereira, 30 anos, declara que vem se esforçando para manter o costume de ler e fazer a redação do relatório. “Acho esse trabalho importante porque isso nos ajuda muito. Além da remição, isso é um trabalho que ajuda o nosso psicológico para continuarmos melhorando o aprendizado e desenvolvendo coisas boas”, conta.

Outro fator que tem motivado a participação dos presos é a possível mudança na padronização do projeto, já que antes a remição era de um dia para cada livro. Agora a recomendação do MP determina que o preso tenha direito a 4 dias de pena remidos para cada obra lida, seguida da avaliação produtiva. 

Manoel de Jesus, 51 anos, também cumpre pena na POG e prefere não dizer o motivo da sua detenção. “Prefiro falar da minha condição como reeducando. Coordeno os empréstimos da biblioteca e dou aula de artes na escola. O significado desse tipo de remição no sistema prisional é muito importante, temos livros de literatura, romance e ficção, mas alguns gêneros não são permitidos, como poesia e religião” destaca. 

Modelo apresentado pelo MP/GO 

Os inscritos no programa em cada unidade prisional podem diminuir parte da pena por meio da leitura de uma obra por mês. São os chamados ciclos;

Por cada obra lida, o preso terá quatro dias de pena remidos. Portanto, ao final de um ano, deverão ocorrer 12 ciclos, podendo ser abatidos até 48 dias;

Deve ser instituída, em cada unidade, uma Comissão de Remição Pela Leitura (CRPL), para avaliar os presos no que diz respeito ao entendimento sobre a obra. Essa comissão deve conter, no mínimo, três membro, sendo um agente prisional, um profissional da educação e um representante da comunidade;

Como forma de avaliação, o preso precisa elaborar um relatório ou resenha, manuscrita, sobre a obra, que deve conter entre 20 e 30 linhas. Este texto é feito na presença da CRPL. Será aplicada uma nota de 0 a 10, sendo que é preciso atingir ao menos 6 para receber aprovação. A avaliação oral fica a critério de cada presídio. 

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