Segunda-feira, 01 de julho de 2024

Laboratórios desenvolvem vacinas que ensinam sistema imunológico a neutralizar o crack

Cientistas apontam que se der certo, elas podem revolucionar a luta contra as drogas

Postado em: 18-06-2023 às 15h01
Por: Mariana Fernandes
Imagem Ilustrando a Notícia: Laboratórios desenvolvem vacinas que ensinam sistema imunológico a neutralizar o crack
Cientistas apontam que se der certo, elas podem revolucionar a luta contra as drogas | Foto: Divulgação

Três laboratórios estão desenvolvendo vacinas que ensinam o sistema imunológico a neutralizar a cocaína e o crack. As vacinas já foram testadas em ratos e macacos e logo passarão a ser usadas em humanos. 

Seja qual for o meio de aplicação, a cocaína age da mesma forma ao penetrar no cérebro: ela se conecta a uma proteína chamada DAT sigla em inglês para “transportadora de dopamina”. Como seu nome diz, essa proteína controla a quantidade de dopamina – um neurotransmissor relacionado a sensações prazerosas. Só que a DAT é inativada pela cocaína. Uma combinação diabólica, que a torna altamente viciante e difícil de largar.

Estudo brasileiro, feito com adolescentes de Porto Alegre que usavam crack e passaram por um período de reabilitação, apontou que 65,9% deles voltaram a consumir a droga um mês depois(4). Após três meses, 86,4% haviam recaído. O vício se combate com educação, prevenção, tratamento, psicoterapia, apoio social. Mas e se existisse uma vacina que ajudasse a evitar, ou largar, a cocaína e o crack? Existem três: elas já foram usadas,com sucesso, em ratos e macacos. Agora, seus criadores pretendem começar os testes em humanos. As três vacinas funcionam de formas diferentes. Mas todas têm em comum certas características que complicam as coisas – e podem torná-las perigosas. 

Continua após a publicidade

Os povos indígenas do Peru, por exemplo,  mascam folhas de uma planta, a Erythroxylon coca, há mais de mil anos. Ela contém cocaína, mas não tanto: após longos 90 minutos mastigando as folhas, a concentração da droga no corpo fica entre 38 e 95 nanogramas por ml de sangue(1). Já quando uma pessoa cheira cocaína em pó, a coisa é bem diferente. Ao inalar a primeira carreira, com 0,1 grama, a corrente sanguínea já recebe 347 a 517 ng/ml da droga(2). Cinco a dez vezes mais, de uma só vez.

Vacinas

A pioneira das três vacinas é a dAd5GNE, que está sendo desenvolvida há uma década por cientistas da Universidade Cornell, nos EUA. A base é um adenovírus, o Ad5, que já circula em humanos e causa resfriados leves. Ele é acoplado a uma molécula chamada GNE – cuja estrutura é parecida com a da cocaína.

Está pronta a vacina, que é injetada em três doses ao longo de dois meses. A ideia é que o organismo aprenda a produzir anticorpos contra a molécula GNE. Aí, quando/se a pessoa usar cocaína ou crack, esses anticorpos se conectarão às moléculas da droga. Com isso, o conjunto ficará grande demais para atravessar a chamada barreira hematoencefálica (uma camada de células que reveste o cérebro e barra a maior parte das moléculas). E a droga não fará efeito. A vacina, caso você esteja se perguntando, também não “dá barato” – porque as moléculas dela também não conseguem penetrar no cérebro. 

Durante o estudo, alguns ratinhos foram sacrificados e tiveram os cérebros analisados em laboratório. O objetivo era ver se a vacina estava mesmo bloqueando a droga. Estava sim: em ratos que receberam uma dose de cocaína, a vacina reduziu em 55% a quantidade da substância no cérebro. A proteção se manteve, e até melhorou um pouco, com o uso contínuo da droga: após três doses de cocaína, 64% dela foi bloqueada e não entrou no cérebro. A redução não é total porque os anticorpos presentes no organismo não conseguem se conectar a todas as moléculas da droga antes que ela penetre no cérebro. Mas a redução foi suficiente, no estudo, para suprimir os efeitos da cocaína: os ratinhos vacinados ficaram calmos, sem andar freneticamente pelas gaiolas, mesmo após receber a droga. 

Em macacos, os resultados foram ainda melhores.Em animais não-vacinados, que receberam uma dose de cocaína, a droga conseguiu inativar 62% dessa proteína, em média. Com isso, os cérebros deles ficaram inundados de dopamina – e os bichos demonstraram os sintomas típicos do uso da droga. Normal. Mas, em macacos vacinados, o resultado foi muito diferente. 

Agora em humanos, a exigência do teste é que  antes de ser vacinado, cada voluntário precisa dar uma pausa na cocaína – e ficar 30 dias sem usá-la. “É uma estratégia para testar com maior segurança os níveis de anticorpos”, diz especialista. A abstinência prévia pode ser, na verdade, uma tentativa de selecionar voluntários mais estáveis, sem os problemas de comportamento desencadeados pelo uso de cocaína.

Leia também: Sítio do Cais do Valongo é homenageado com prêmio do Iphan

Veja Também