Conflitos em ocupações rurais em Goiás batem recorde em 2022, aponta relatório da Pastoral da Terra

Conforme o relatório, esse foi o maior número de conflitos desde o início dos registros feitos pela Pastoral, iniciados em 2013

Postado em: 03-07-2023 às 10h35
Por: Ícaro Gonçalves
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Conforme o relatório, esse foi o maior número de conflitos desde o início dos registros feitos pela Pastoral, iniciados em 2013 | Foto: CPT Goiás

Ao longo do ano de 2022, foram registrados 58 casos de conflitos em ocupações rurais ocorridos no estado de Goiás. O levantamento consta no relatório “Conflitos no Campo 2022 – Análise das ocorrências em Goiás”, divulgado pela Comissão Pastoral da Terra Goiás (CPT Goiás) na última semana. Conforme o relatório, esse foi o maior número de conflitos desde o início dos registros feitos pela Pastoral, iniciados em 2013.

O levantamento foi divulgado na quinta-feira (29/6), em evento que reuniu o arcebispo de Goiânia e vice-presidente da CNBB, Dom João Justino; o bispo da diocese de Formosa e presidente da CNBB-CO, Dom Waldemar Passini; os promotores de Justiça Márcio Toledo, do MP-GO, e Wilson Rocha, do MPF-GO, além de outras autoridades e convidados.

Segundo o levantamento, também houve picos de ocorrências de conflitos no ano de 2021, com 47 casos registrados, e em 2015, com 41 casos. Os demais anos registram média de 16 conflitos.

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“Em 2015, o grande volume de casos está relacionado à criação de assentamentos e ao início do processo de criminalização da reforma agrária e dos movimentos sociais, que resultaram em perseguições a diversas lideranças populares. Já em 2022 e em 2021, em certa medida, o aumento dos conflitos está relacionado à violência contra acampamentos de reforma agrária e comunidades quilombolas, principalmente nas regiões de expansão da fronteira agrícola do latifúndio do agronegócio e da mineração”, explica a CPT Goiás no documento.

“Deus destinou a terra e tudo que ela contém para uso de todos os homens e todos os povos de forma a suprir a necessidade de todos. A nossa concepção é de que haja uma destinação universal dos bens da terra é o que faz a igreja acompanhar as pessoas que lutam pela terra”, disse o arcebispo de Goiânia Dom João Justino no evento de divulgação do relatório.

Mineração e expansão rural

Os dados mostram que o aumento da violência contra famílias assentadas está fortemente relacionada à mineração de terras e expansão de atividades agrícolas sobre áreas de preservação do cerrado.

Imagem: Reprodução/CPT Goiás

Os casos se concentram nas regiões norte e nordeste do estado de Goiás, na divisa com os estados do Tocantins e Bahia. Segundo dados do Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2022) do MapBiomas, 26,3% da área desmatada no Brasil no último ano se concentram na região do MATOPIBA, área composta principalmente pelo Cerrado e que começa na divisa com o norte goiano e se expande até o Maranhão.

O município com o maior números de conflitos por terra em Goiás foi Formosa, a 281 km de Goiânia, com mais de 20 registros, além de Cavalcante, com conflitos por terra e água.

Formosa

No dia 24 de junho, há pouco mais de uma semana, o acampamento Dom Tomás Balduino, no município de Formosa, foi palco de mais um conflito.

De acordo com um ofício da CPT Goiás endereçado a promotores de justiça do Estado e Município, as famílias do assentamento foram vítimas de intimidação por parte de seguranças de um fazendeiro e da Polícia Militar.

Segundo o MST Goiás, a fazenda em questão é devedora de milhões de reais para bancos públicos, além de responder inquérito de crimes ambientais. A propriedade está em negociação com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em vistas da destinação do imóvel para aproximadamente 480 famílias nele acampadas, desde meados de 2015/2016.

“Lamentamos a ineficiência em relação ao tratamento necessário do caso que incorre em violências mais graves contra as famílias e à Constituição. Por isso, desejamos que os órgãos do Estado, sobretudo o Incra, possam agir com celeridade em prol da Reforma Agrária, do direito de produção da alimentação
saudável e da defesa da vida”, manifestou a Campanha Contra Violência no Campo por meio de nota.

Cavalcante

Já no município de Cavalcante, a Justiça Federal da 1ª Região determinou no dia 15 de maio a reintegração de posse de terras para famílias quilombolas da comunidade Kalunga.

A decisão se baseava em uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que narrava a existência de ao menos 14 conflitos de terra, ou seja, locais invadidos por pessoas não quilombolas.

Como narra o MPF, a Comunidade Quilombola Kalunga é reconhecida como sítio histórico e patrimônio cultural, certificada como remanescente de quilombo e que já foi reconhecida e limitada pela Fundação Cultural Palmares.

A instituição ainda afirmava que o Incra tem sido omisso com relação a suas atividades que envolvem os territórios quilombolas, sendo que apenas 34 mil dos 262 mil hectares da região foram definitivamente titulados aos quilombolas. Ainda há indícios de ameaças sofridas pelo povo Kalunga e de danos ambientais causados pelos invasores.

Leia também: Justiça Federal determina remoção de invasores do território Kalunga em Cavalcante, Teresina e Monte Alegre

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