Segunda-feira, 01 de julho de 2024

Mães que precisam levar filhos à faculdade comemoram projeto de lei que facilita entrada de crianças

Mãe ouvida pelo jornal O Hoje relata que já percebeu olhares estranhos em sala de aula onde estuda por ter de levar filho

Postado em: 29-07-2023 às 11h30
Por: Ronilma Pinheiro
Imagem Ilustrando a Notícia: Mães que precisam levar filhos à faculdade comemoram projeto de lei que facilita entrada de crianças
Cíntia da Silva e os filhos, de seis e 12 anos, enfrenta desafio de conciliar estudo e rotina de mãe | Foto: Wagner Alves/O Hoje

Cíntia da Silva, de 36 anos, abandonou os estudos há 18 anos, quando se casou e precisou se dedicar ao cuidado de dois filhos. Ela voltou à sala de aula há três anos após se divorciar do seu companheiro, com quem ficou casada durante doze anos. Atualmente, ela estuda jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás) e precisa conciliar os estudos com a rotina de cuidados dos filhos.

Mãe de Maria Clara que, aos 12 anos, chega à puberdade, e de Caio Luiz, de 6 anos. Ela conta que estuda no período da manhã e que já teve que levar as crianças para a faculdade porque não tinha com quem deixá-las. A situação ficava mais crítica em período de seminário, prova, ou aulas explicativas de conteúdo novo que não podia perder. “Graças a Deus, eu não encontrei nenhum preconceito ao levar as crianças, nenhum professor impôs alguma dificuldade, mas também todos já conheciam a minha história, que é uma história de luta, de mãe que mora sozinha com duas crianças”, relata.

Para conseguir levar as crianças para a escola antes de ingressar na faculdade, a estudante de jornalismo precisa acordar todos os dias às cinco horas da manhã. “Eu deixo a Maria Clara na escola, depois o Caio na escola dele e só depois é que eu vou para a faculdade – que entro às 7h15. E eu moro longe”, explica.

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Cíntia relata ainda que para que tudo dê certo, conta com o apoio da escola das crianças, onde os profissionais também já a conhecem e abrem os portões mais cedo para os pais que estudam ou que têm que entrar mais cedo no serviço deixarem os filhos. Ainda assim, ela diz que não consegue chegar no horário previsto da faculdade.

Atualmente, ela diz que os professores não impõe condições a ela, mas conta que no início do curso era complicado e que sempre que há um docente novo, precisa explicar a situação. “Eu tenho que conversar com eles e explicar a minha condição, de às vezes não conseguir chegar no horário, ou às vezes eu ter que levar o meu filho ou minha filha pra escola, porque às vezes eles não têm aula, às vezes tem reunião de professores, às vezes tem reunião de pais”, detalha.

Pensou em desistir

A jornalista e estudante de gastronomia Bruna Lima, de 26 anos, é mãe do Bernardo de dois anos de idade e conta que tem uma rotina agitada, haja vista que trabalha no período da manhã numa TV e à tarde, numa agência de marketing. Além disso, estuda de forma híbrida na parte da noite.

Com a chegada da criança, tudo se tornou mais difícil, a ponto de ela pensar em desistir dos estudos algumas vezes apesar de dividir os cuidados da criança com o cônjuge. Segundo ela, há uma barreira entre estas mães e as instituições de ensino. 

“Muitos professores olham torto quando uma mãe leva criança, a minha nunca levei mas agora que tem a lei se precisar vou levar. Não levava meu filho antes por receio”, conta a estudante. Ela diz, ainda, que já houve situações em que deixou de ir à faculdade porque não tinha com quem deixar o filho e por receio não podia levá-lo.

Há algo, contudo, que pode mudar a realidade dessas mães. O projeto de autoria da vereadora Aava Santiago (PSDB) que garante o acesso e a permanência da criança no estabelecimento de ensino frequentado por sua mãe, pai ou responsável, foi aprovado em definitivo pela Câmara Municipal de Goiânia, na última terça-feira (18). A matéria, segundo Aava, pretende estabelecer que sobretudo as mães tenham acesso à Educação, já que muitas são obrigadas a deixar os estudos depois que têm filhos. 

De acordo com o texto, o estabelecimento de ensino que violar a garantia poderá estar sujeito a sanção administrativa a ser definida pelo Poder Executivo ao regulamentar a presente Lei. 

Recentemente, a vereadora Aava Santiago falou sobre o projeto e relembrou um episódio que aconteceu há cerca de um ano em goiânia, quando uma mãe foi barrada na instituição de ensino superior em que estudava, por tentar entrar com o filho que tinha menos de dois anos de idade. Ela tinha uma avaliação para fazer, mas não tinha com quem deixar a criança. “Ela ouviu, inclusive, do segurança da instituição, que ela podia deixar a criança lá,  uma criança de um ano e quatro meses, e entrar, fazer a prova e voltar e buscar a criança caso ela ainda estivesse lá de bobeira”, relembra a vereadora. De acordo com a parlamentar, o evento ocorrido com a estudante,  aponta para um problema que é mais crônico.

Aava Santiago comenta sobre o projeto Mães na Ciência que é uma iniciativa do seu mandato. “A gente tem um grande problema de ingresso e permanência de mães nas instituições de ensino. Então, por mais que mulheres sejam maioria nas nossas comunidades acadêmicas, a maternidade nos atravessa como um fator impeditivo, como um fator excludente”. Segundo ela, a sociedade prepara as mulheres para serem mães desde crianças, no entanto, todas as portas se fecham para elas a partir do momento em que a maternidade acontece.

Nas instituições de ensino esta situação é ainda mais severa. Mais de seis instituições de ensino superior da capital proíbem o ingresso e a permanência de mães com seus filhos nesses espaços e isso faz com que a evasão escolar dessas mulheres seja mais alta do que a de homens, que no geral, não precisam levar seus filhos para esses locais, segundo a vereadora. Para ela, essa problemática está no cerne do fenômeno de “feminilização” da pobreza, que faz com mais da metade das 33 milhões de pessoas passando fome no brasil, estejam em famílias chefiadas por mulheres. O objetivo do projeto é reverter a situação a partir da base que é a educação.

Para Bruna Lima, o projeto de lei é uma conquista e uma possibilidade de garantias para esse público, principalmente para mães que não têm com quem deixar os filhos e que muitas vezes precisam desistir dos estudos por causa da falta de apoio da comunidade de ensino. Como foi o caso de Cíntia. 

O projeto de lei, comemora ela, é muito importante para todos os responsáveis que têm filhos pequenos, que muitas vezes não têm família para ajudar na criação e no dia a dia. “Isso vai facilitar a vida de muitas mães, de muitos pais solos que estão sozinhos e que não têm com quem deixar os filhos, esse é um meio das pessoas voltarem a estudar”, comenta a estudante.

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