A história da mãe que doou os órgãos do filho morto em acidente

Apesar de tabu que ainda predomina no imaginário da sociedade, Secretaria de Saúde se esforça para conscientizar para doação de órgãos

Postado em: 12-08-2023 às 10h30
Por: Alexandre Paes
Imagem Ilustrando a Notícia: A história da mãe que doou os órgãos do filho morto em acidente
Cristiane Fonseca encontrou no amor pelo filho, Wictor, de 20 anos, o motivo para decidir doar os órgãos quando o jovem não resistiu a acidente | Foto: Arquivo Pessoal

A madrugada do dia 7 de maio de 2022 ficará marcada para sempre na vida de Cristiane Fonseca de Oliveira, de 50 anos. Às 05h22 da manhã, seu filho, Wictor Fonseca Rodrigues, de apenas 20 anos, voltava de uma boate com outros seis amigos. A caminhonete que ele estava de carona perdeu o controle e bateu em uma árvore e em seguida com a fachada de uma loja na avenida T-9 no Jardim América, em Goiânia. O motorista que conduzia o veículo tirou um racha com o outro amigo, que conduzia uma BMW na ocasião. Wictor foi arremessado para fora do carro e morreu no Hospital de Urgência de Goiânia três dias após o acidente.

“Ele era um menino muito cheio de vida e sonhos. E menos de dois meses após ele completar os 20 anos, houve essa tragédia. Assim que fomos avisados acompanhamos tudo no hospital. Ele ficou em estado vegetativo durante três dias, lutando pela vida dele. No terceiro dia, teve falência cerebral. Fomos consultados sobre a possibilidade de doação de órgãos. Eu e meu esposo autorizamos pois não queríamos que outros pais passassem pela dor que sentíamos, já que os órgãos dele salvariam a vida de outras pessoas”, conta a mãe.

O estigma, contudo, fez com que alguns familiares vissem o ato com desconfiança. “Depois da morte cerebral a equipe conseguiu transplantar e salvar cinco vidas. Uma das coisas que alega o nosso coração é saber que essas famílias deixaram de sofrer com a espera de um transplante na fila. E hoje tenho certeza que muitos devem estar saudáveis e gratos por esse ato de empatia e consciência humana”, argumenta Cristiane. 

Continua após a publicidade

Mesmo antes da tragédia, a família do Wictor já era doadora de órgãos, tanto a mãe quanto o pai, e após o acidente, tiveram a certeza de que essa é uma atitude que salva vidas. “No caso do nosso filho, cinco pessoas foram beneficiadas”, finaliza a mãe.

Doador 

Valdeson Amaral Rodrigues, de 39 anos, esperou onze anos por um transplante de rim. Parte deste tempo, paciente renal crônica, teve de submeter-se à rotina da hemodiálise, que fez por um ano e onze meses. Ele entrou na sala de cirurgia no Hospital Geral de Goiânia (HGG) dia 4 de junho deste ano. Em conversa com a reportagem do jornal O Hoje, ele destacou a importância da fé em Deus. “A gente tem que se apegar em Deus primeiramente quando está passando por esse processo de hemodiálise que não é fácil. É luta.”

Ele lembra que a cirurgia foi um sucesso e, além do procedimento, é grato ao acompanhamento psicológico e com nutricionista que teve na unidade hospitalar. E faz um apelo para que as pessoas se tornem um doador. “A pessoa que está na fila de transplante, cara, ela sonha todos os dias de sair daquela maca, de sair daquela máquina, sair daquela cadeira, porque não é fácil, sabe? Só quem está fazendo a hemodiálise sabe o que é essa jornada?”. 

E ressalta a importância de familiares de pessoas que têm condições de fazer a doação de permiti-la quando os médicos orientam. “Órgãos salvam vida, sabe? Infelizmente é uma vida que foi. Mas a doação vai salvar outra vida e tenho certeza que Deus se agrada disso. E quem recebe o órgão e tem a vida salva vai ser grato pelo resto da vida”. 

Ainda que o Brasil seja considerado um especialista em transplantes, o número de doadores no país está abaixo da média mundial. Enquanto a taxa de não-autorização por parte dos familiares é de 25% no mundo, no Brasil esse índice chega a 43%. Já no estado de Goiás, a taxa de negativa da família em doar ainda permanece elevada, semelhante à maioria dos estados brasileiros, sendo 45,5%, seguido de 22,5% por contraindicação clínica, parada cardiorrespiratória antes do fechamento do protocolo de ME com 19,6% e outras causas 12,4%.

No que tange aos 496 transplantes de órgãos e tecidos realizados no ano de 2022, os transplantes de córneas continuam liderando com 339 (68,3%), seguidos de transplante renal com 22,2% (110), medula óssea com 5,4% (27), musculoesquelético com 2,6% (13), e por fim o transplante hepático representando 1,5% (7) dos transplantes em Goiás.

Comparando o número atual de pacientes em lista de espera, com o número anterior à pandemia, no Brasil, observa-se que houve aumento para transplante de rim (18%), fígado (9%) e coração (23%). Atualmente, temos mais de 52.000 pacientes em lista de espera no Brasil e Goiás representa 3,3% desse número total absoluto.

Apesar do Brasil ter um sistema de transplantes bem consolidado e regulado, o crescimento insuficiente das doações, elevados índices de recusa familiar à doação e baixo índice de notificações de morte encefálica representam fatores impeditivos à efetivação da doação. No entanto, diante desse cenário, CET-GO tem realizado, constantemente, a capacitação dos profissionais de saúde envolvidos no processo de doação e transplante, bem como campanhas de sensibilização junto à população geral sobre a importância da doação de órgãos e tecidos.

Entrevista Katiuscia Christiane Freitas, Gerente de Transplantes da Secretaria Estadual de Saúde 

Quais são as condições para doação de órgão? Quem está apto? 

No caso da doação de órgãos em alguns casos podem ser doados em vida como um dos rins, parte do fígado e parte do pulmão. Nesse caso, a doação ocorre entre parentes de até quarto grau, desde que avaliados a compatibilidade pela equipe médica transplantadora Se não for parente tem que ter autorização judicial. E tem a doação após a morte. 

Em quais casos tem mais doadores? 

O maior número de doadores que nós temos acontece nos casos de morte encefálica. E o que é a morte encefálica? É quando a pessoa teve alguma lesão grave neurológica, seja por um traumatismo craniano, por meio de acidente, um tiro ou afogou e faltou oxigênio no cérebro. Então o cérebro ali, a parte encefálica morreu, isso significa a morte do corpo. Nesses casos é possível manter o suporte artificial através dos aparelhos e medicações. 

E qual o maior desafio?

Não existe documento que a pessoa possa deixar que possa autorizar a doação, apenas se a família permite, mas é bom que a pessoa deixe por escrito. A família costuma se perguntar se o ente realmente gostaria de doar e quando tem algo que diga isso fica mais fácil. Então, as nossas campanhas hoje são sobre isso. Converse com a sua família sobre o seu desejo de ser um doador de órgãos. Hoje uma parcela pequena da população vai ter morte encefálica. Todos os outros casos são mortes que a gente chama de coração parado. Nesses casos só é possível doar aqui em Goiás, as córneas, que podem ser retiradas até doze horas depois.

Veja Também