Em 10 anos Goiás registrou 8 mil mortes de recém-nascidos

Especialista em saúde Materno Infantil ressalta a importância do apoio psicológico imediato aos pais

Postado em: 14-08-2023 às 08h35
Por: Larissa Oliveira
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Especialista em saúde Materno Infantil ressalta a importância do apoio psicológico imediato aos pais | Foto: Reprodução/ABr

Dados compilados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) revelam que, entre 2013 e 2023, houve cerca de oito mortes de recém-nascidos em Goiás. No ano passado, foram registrados 506 óbitos neonatais precoces, de bebês de até seis dias, e 377 óbitos neonatais tardios, de bebês entre sete e 27 dias. Nos primeiros sete meses deste ano, ocorreram 414 mortes neonatais, sendo 237 precoces e 177 tardias. Apesar da redução, a mortalidade infantil ainda é um desafio para os serviços de saúde. Os níveis atuais ainda são considerados elevados e representam um foco de melhoria na Saúde Pública.

A costureira Maria Rosa Nunes contou ao O Hoje a triste experiência de já ter perdido um bebê, o pequeno Miguel que ainda estava com seis meses dentro do útero da mãe. “Na minha época, era comum as mulheres terem vários e vários filhos. Não havia muitas orientações sobre proteção e nem as tecnologias médicas que existem hoje. Lembro de perder meu Miguel, o sexto filho que tive, quando já tinha mais de 40 anos. A doutora me avisou que gravidez era de risco e ela me deu muita atenção especial enquanto estava grávida. Fiz muitos exames, mas meu Miguel não chegou a ver a vida. Quando eu o perdi, tinha seis meses. Mãe nenhuma merece ver o filho morrer antes dela”, relata com tristeza. 

Segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria de Vigilância de Saúde (SVS), em 2022, foram registrados 808 óbitos fetais em Goiás. Em 2023, o número absoluto de casos de falecimentos de fetos durante a gestação foi reduzido para 320. Embora haja declínio, a quantidade ainda é considerada alta para as entidades goianas de saúde. Por conta disso, a reportagem do O Hoje entrou em contato com o Hospital Estadual da Mulher Dr. Jurandir do Nascimento, antigo Hospital Materno Infantil, a fim de divulgar como o serviço de saúde apoia as mães e pais após as trágicas perdas.

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Luto perinatal

O Hospital Estadual da Mulher (Hemu) é referência estadual em atendimento de casos de média e alta complexidade, nas áreas da saúde da mulher (obstetrícia e ginecologia) e do recém-nascido (neonatologia). A unidade oferece atendimento de urgência, emergência e ambulatorial aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) tanto de Goiânia quanto do interior de Goiás. Apesar dos profissionais do Hemu serem especialistas em gestações de alto risco e também de bebês em estado grave de saúde, há situações em que ocorre o óbito fetal ou neonatal. 

Para esses casos, o Hospital conta com uma equipe multidisciplinar para fornecer todo o apoio necessário aos familiares. Segundo Ana Luiza de Magalhães Assis, especialista em saúde Materno Infantil e em Psicologia Hospitalar, o luto parental pode ser relacionado ao luto gestacional, perinatal, neonatal ou infantil. “É quando os pais perdem o filho. Já o luto perinatal está relacionado às perdas ocorridas na gestação e nos primeiros 30 dias de vida do bebê”, explica. A psicóloga hospitalar orienta que o luto se manifesta de forma diferente em cada pessoa.

A especialista em saúde Materno Infantil destaca que o luto é um processo de readaptação da realidade sem a pessoa que faleceu. “É um processo permeado de emoções e sentimentos não lineares. No luto não há cronômetro. Cada pessoa tem um ritmo, apesar do primeiro ano costuma ser mais difícil. Sobre as etapas, há diversas visões. Uma famosa é da autora Elisabeth Kubler-Ross, que fala sobre o estágio da negação, raiva, negociação, depressão e aceitação”, salienta Ana Luiza de Magalhães Assis, psicóloga hospitalar do Hemu. 

Ana Luiza também alerta que o silêncio e a repressão podem ocasionar diversas reações fisiológicas e psicológicas. “O apoio psicológico imediato é importante para a elaboração da perda, auxiliando na organização física e psíquica. Além disso, participar e proporcionar um processo de despedida para que a morte comece a ser percebida como real, permitindo falar, chorar e expressar os sentimentos. As manifestações psíquicas frequentes são tristeza, impotência, frustração, raiva e angústia”, informa a especialista em saúde Materno Infantil.

Apoio psicológico

Ainda segundo a psicóloga hospitalar Ana Luiza de Magalhães Assis, o momento de comunicar o falecimento do bebê aos pais é extremamente delicado. “A comunicação de óbito é realizada pelo médico porque este pode explicar com propriedade as condições do quadro clínico e intervenções realizadas no paciente, retirando as dúvidas e possíveis fantasias dos motivos do óbito. Deve ser realizada de maneira empática e sempre que possível ser acompanhada de um psicólogo para suporte psicológico posterior à comunicação”, explica a profissional do Hospital Estadual da Mulher (Hemu).

Após os pais terem conhecimento da perda, é realizado apoio psicológico imediato. “É realizado acolhimento dos pais, suporte psicológico e humanização dos processos necessários no momento. Colocamos biombo para preservar a intimidade, realizamos o preenchimento da Carta aos Pais e acompanhamos a despedida ao bebê se assim desejar os genitores, sempre respeitando a vontade deles”, afirma Ana Luiza. A Carta aos Pais é um projeto implantado oficialmente em julho de 2020 no Hemu. Segundo a psicóloga, o documento é feito após o óbito do bebê pelo setor de Psicologia do Hospital.

“Contém alguns dados do bebê como peso, data de nascimento, tamanho e carimbo do pézinho. A Carta aos Pais é elaborada de maneira humanizada, sendo escrita em primeira pessoa, como se fosse o próprio bebê que estivesse escrevendo, agradecendo e se despedindo dos papais”, descreve. Segundo a psicóloga hospitalar do Hemu, os parentes e amigos próximos dos pais que perderam um filho também podem oferecer o apoio ideal. “Evitar frases mecânicas e prontas, mas ser simples e sincero. Não impor suas crenças, não invalidar os sentimentos da família, nem culpá-los”, orienta a especialista. 

Segundo a psicóloga, é frequente algumas pessoas solicitarem à família que esqueça o que ocorreu. “Para a mulher, a eliminação das características de gestante e a realização de procedimentos médicos tornam a perda complexa. Já o sofrimento masculino tende a não ser reconhecido, geralmente remetendo-o ao mero apoio feminino e auxílio aos termos práticos da morte, como a organização do sepultamento. Mesmo com boas intenções, corremos riscos de dizer algo que magoe ainda mais aqueles que estão sofrendo. O ideal é demonstrar cuidado e respeito pelo momento que estão vivenciando, estando dispostos a ouvir com respeito e validação”, conclui Ana Luiza de Magalhães Assis.

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