ECA é marcado por desafios

Estatuto completou 28 anos e ainda enfrenta adversidades na prática. Documento foi o primeiro a definir direitos das crianças e adolescentes no Brasil

Postado em: 31-07-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Estatuto completou 28 anos e ainda enfrenta adversidades na prática. Documento foi o primeiro a definir direitos das crianças e adolescentes no Brasil

O projeto Pai Presente busca reduzir o número de crianças que não possuem o nome do pai no registro de nascimento (Wagner Soares/TJ)

Gabriel Araújo*

No mês de julho o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 28 anos. Apesar disso, Goiânia ainda enfrenta problemas para a aplicação da Lei 8.069, de 1990. O documento estipula como dever do Estado garantir diversos direitos como saúde e educação às crianças e adolescentes, mas a realidade da capital é outra.

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Somente em Goiânia, 13 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs) estão com obras paradas, além do Hospital e Maternidade Oeste, no Conjunto Vera Cruz, e do CIAMS do Jardim América. De acordo com a diretora do Foro de Goiânia e coordenadora da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, Maria Socorro de Souza Afonso da Silva, a luta para a proteção dos jovens deve ser cada vez mais ampla. “O direito é dinâmico, todos os dias surgem novas situações que exigem a contínua presença da sociedade e dos profissionais compromissados com a Justiça na busca de amparo à criança e ao adolescente”, contou.

Entre as ações encontradas no estado para cumprir com as determinações estipuladas no ECA, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-GO) conta com iniciativas como o projeto Pai Presente, que busca reduzir o número de crianças que não possuem o nome do pai no registro de nascimento. Além disso, o programa da oportunidade dos pais reiniciarem a participação na vida das criança, para contribuir com o desenvolvimento psicológico e social dos filhos e fortalecendo os vínculos parentais. 

Outra ação é o projeto adoção Legal, que trabalha com apoio a gestantes e mães que buscam entregar seus filhos para a adoção. A ação foi criada pela Divisão Psicossocial do Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, e consiste na preparação das mães para a tomada de decisão.

Tragédia

No último mês de maio, nove jovens morreram em um incêndio que ocorreu no Centro de Internação Provisória para Menores no 7º Batalhão da Polícia Militar, no Jardim Europa, em Goiânia. O Corpo de Bombeiros informou na época que os adolescentes atearam fogo a um colchão enrolado e colocado na entrada de um dos alojamentos da Ala A. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) também foi acionado e enviou uma unidade de socorro avançado para socorrer os feridos e outras quatro viaturas do Corpo de Bombeiros também estavam no local.

Devido às condições encontradas no local, a adequação do sistema socioeducativo de Goiás já havia sido solicitada pelo Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), especialmente no que diz respeito às garantias de tratamento adequado aos adolescentes em conflito com a lei.

Em entrevista ao O Hoje, na época, o Coordenador do Centro Educacional da Criança e do Adolescente, PubliusLentulus Alves da Rocha, a unidade tem capacidade para acomodar cerca de 50 adolescentes, mas haviam 80 jovens instalados no Centro de Internação Provisório. “Além da deficiência no quadro de técnicos para o devido atendimento, há também a inadequação do espaço físico. O prédio não atende as disposições da Lei Federal sobre o Sistema Nacional Socioeducativo, a instalação deveria ser em um estabelecimento educacional e nunca dentro de um batalhão de Polícia Militar”, afirmou. 

História do ECA

Criado em 13 de julho de 1990, logo após o fim da Ditadura Militar, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um marco regulatório dos direitos humanos de jovens com menos de 18 anos de idade. A Lei 8.069, que institui o Estatuto parte de diretrizes estipuladas na Constituição Federal de 1988 e em diversos documentos internacionais como a Declaração dos Direitos da Criança, as Regras das Nações Unidas (ONU) para a administração da justiça da infância e da juventude e as diretrizes do órgão para a prevenção da delinquência juvenil.

O documento define como dever “da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, e é considerado o mais completo documento de diretrizes para menores.

Para garantir os direitos determinados o ECA é dividido em três eixos fundamentais para o atendimento às crianças e adolescentes, sendo eles o eixo de promoção, de defesa e de controle social. 

Dentro do sistema, o eixo de promoção corresponde à constituição da política de atendimento dos direitos, como os conselhos de direitos humanos. Já o eixo da defesa é referente, como o nome já diz, aos meios de proteção dos jovens, como os Conselhos Tutelares, Centros de Defesa e o Ministério Público. Enquanto o eixo do controle social trata da vigilância do cumprimento dos preceitos legais dispostos em lei, nesta divisão é fundamental a participação civil no debate e na busca por opções para o cumprimento do Estatuto. 

Violação dos direitos corresponde a quase 60% das denúncias no país 

No ano passado o Brasil registrou mais de 84 mil denúncias de violação dos direitos de crianças e adolescentes, o que corresponde a um caso a cada seis minutos. Comparando com o ano de 2016, houve um aumento de 7,2% em todas as denúncias registradas no Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos.

Somente casos relacionados a crianças e adolescentes corresponde a 58,91% do total, foram mais de 142 mil denúncias recebidas pelo órgão em 2017. A grande maioria das violações constatadas é de negligência, que representa 72,1%, seguida pela violência psicológica, com 47,1%, e violência sexual, que corresponde a 24,2%.

De acordo com o relatório ‘Cenário da Infância e Adolescência no Brasil’, cerca de 17 milhões de crianças até 14 anos vivem em domicílios de baixa renda, o equivalente a 40,2% da população brasileira nessa faixa etária. As piores regiões são o Norte e Nordeste, que contam com mais da metade das crianças vivendo nesta situação e com renda domiciliar per capita mensal igual ou inferior a meio salário mínimo. 

Segundo os dados coletados, 5,8 milhões vivem em situação de extrema pobreza, caracterizada quando a renda per capita é inferior a 25% do salário mínimo. O estudo foi feito utilizando dados de fontes públicas, entre elas o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trabalho infantil

Sobre o trabalho infantil, o relatório constata que as condições de trabalho são precárias. Mesmo com a queda no número de crianças e adolescentes, na faixa de 10 a 17 anos, em situação de trabalho, houve um aumento de 8,5 mil crianças, de 5 a 9 anos, com ocupação de trabalho em comparação ao ano de 2015 com 2014.

O número de crianças e adolescentes com idades entre 5 e 17 anos que trabalhavam somou 2,67 milhões em 2015, sendo que mais de 60% delas são do Nordeste e do Sudeste, mas a maior concentração foi a Região Sul. O estudo mostrou também dados mais positivos, como a taxa de cobertura em creches do país, que passou de 28,4% em 2014 para 30,4% em 2015 – ainda distante, no entanto, da meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação, de chegar a 50% até 2024.  (Gabriel Araújo* é estagiário do jornal O Hoje sob orientação do editor interino de Cidades Rafael Melo). 

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