Construções de empreendimentos irregulares burlam a lei

Autoridades confrontam denúncias que vão desde fraude para concessão de alvará à falsificação de documentos

Postado em: 08-08-2018 às 06h00
Por: Sheyla Sousa
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Autoridades confrontam denúncias que vão desde fraude para concessão de alvará à falsificação de documentos

O empreendimento Nexus Shopping & Business foi acusado de crime de falsificação de documento no Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)

Rafael Melo*

A situação de grandes empreendimentos irregulares tem sido um fator recorrente nos últimos anos na capital goiana. Recentemente, a atual gestão municipal levou à Câmara de Vereadores o projeto de Lei Complementar nº 44 com o objetivo de conceder alvará de regularização para edificações construídas após 19 de outubro de 1995 que estejam em desacordo com o Plano Diretor e com o Código de Obras e Edificações. A proposta do Paço determina que todos os prédios já em fase de finalização e que não ofereçam risco estrutural no fim da obra, passam a ficar regulares.

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No entanto, a emenda aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) estabelece que seja concedido o alvará apenas para construções com no máximo sete pavimentos e altura máxima de 21 metros do térreo à laje da cobertura. A modificação também exige que a obra não obstrua e/ou ocupe área pública, logradouro público ou área de preservação permanente. O projeto foi aprovado em primeira votação, passará por análise na Comissão de Habitação e volta para segunda apreciação do plenário.

Em junho, o presidente da comissão, vereador Carlin Café (PPS), declarou que o assunto será esgotado durante a tramitação no colegiado e novas emendas devem ser apresentadas à proposta. “Vamos esgotar toda discussão, trazer a sociedade para discutir também. Sabemos que muitas pessoas precisam dessa regularização, mas vamos observar para que os grandes empresários e pessoas com alto poder aquisitivo não se aproveitem desse momento pra tentar regular. Temos que limitar, por exemplo, o tamanho de áreas, para não darmos  um certificado que pode concordar com o que está errado na cidade”, disse.

O vereador Paulo Magalhães (PSD) também pediu vista do projeto e afirmou que pretende propor emendas à proposta. O parlamentar declarou que vai apresentar outras modificações à matéria, estabelecendo regras mais rígidas para os proprietários que se interessarem em obter o alvará pela nova lei. Emendas vão prever obrigatoriedade de vagas de estacionamento quando se tratar de um estabelecimento comercial e o imóvel precisará estar em conformidade com as leis ambientais para obter a regularização, além de alterações nas multas estipuladas pela prefeitura.

Apesar das legislações e regulamentações fiscalizadas pelo município, algumas construtoras ainda dão continuidade nos empreendimentos mesmo de forma irregular. Em 2017, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) das Pastinhas da Câmara de Vereadores apontou que pelo menos 10 dos 20 processos que concederam alvarás autorizando a construção de habitações coletivas residenciais em Goiânia foram protocolados irregularmente na extinta Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo (Seplam) entre 2007 e 2010.

Um dos casos de repercussão recente foi o processo da 10ª vara criminal de Goiânia em desfavor do controverso empreendimento Nexus Shopping & Business, localizado no cruzamento das avenidas D e 85 no Setor Marista, de propriedade da Consciente Construtora e da JFG Construções. O empreendimento foi acusado de crime de falsificação de documento no Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV). Apesar disso, os responsáveis pelo megaempreendimento, a Consciente Construtora e da JFG Construções e o engenheiro Ilézio Inácio Ferreira acabaram excluídos pela magistrada, alegando que os réus não tinham conhecimento da fraude.

Com essa exclusão, a Construtora Milão Ltda. e os engenheiros Mário Rassi e Paulo de Tarso Rassi Paranhos, junto com a consultora de vendas Sueli Rassi seguem respondendo ao processo na Justiça, ambos responsáveis diretos pela confecção do estudo fraudulento.

Além do crime falsificação, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado de Goiás (CAU-GO) produziu uma extensa análise de todo o processo do Nexus, que revelou ainda a existência de dezenas de outros erros e ilegalidades no processo de aprovação. Em resposta a equipe do jornal O Hoje, a assessoria do empreendimento declarou que prefere não se manifestar sobre o assunto. 

Projeto que libera alvará receberá modificações 

Aprovado em primeira votação na Câmara Municipal no dia 7 de junho, o projeto de lei que concede alvará de regularização a prédios que foram construídos em desacordo com o Plano Diretor e com o Código de Obras e Edificações de Goiânia deve sofrer novas alterações na Comissão de Habitação e Urbanismo da Casa. Foram 20 votos favoráveis e apenas uma abstenção. Agora, o projeto segue para a Comissão de Urbanismo e depois regressará ao plenário pra ser votado em segunda e última votação.

Na oportunidade, foram votadas e aprovadas emendas de autoria do vereador Vinicius Cirqueira (PROS) que alteram o teor do projeto do Paço e voltam as exigências para que seja concedido o alvará apenas para construções com no máximo sete pavimentos e altura máxima de 21 metros do térreo à laje da cobertura. A mudança também estende o prazo para que os imóveis se regularizem de 12 para 36 meses e exige que a obra não obstrua e/ou ocupe área pública, logradouro público ou área de preservação permanente.

Existem 5.759 obras embargadas em Goiânia, sendo 55% residenciais e 3,5% com área acima dos mil metros quadrados. O último programa para regularizar imóveis foi em 1995, segundo o Vinicius Cirqueira. Ele apontou como responsáveis pelo alto número de imóveis irregulares a falta de fiscais e funcionários na Prefeitura e a burocracia para a expedição dos documentos, o que causa demora e faz com que as pessoas deixem de solicitá-los. “A partir da regularização dessas construções, precisamos fazer um apelo para que a Prefeitura faça concurso para contratar mais profissionais e melhore a fiscalização e o atendimento à população”, disse o vereador na época.

A modificação impede que megaempreendimentos imobiliários, como o City Vogue Praça do Sol Residence, no Setor Oeste, passem a contar com alvará de regularização, viabilizando, por exemplo, a liberação da certidão de conclusão de obra, o Habite-se. O prédio construído em desacordo com o projeto aprovado pela gestão municipal extrapolou em mais de 20 metros a altura prevista inicialmente. Mas, ainda sim, a prefeitura concedeu a certidão que atesta que o imóvel está pronto para ser habitado e que foi construído conforme as exigências legais.

A concessão do documento só foi possível mediante decisão liminar emitida pelo juiz José Proto de Oliveira, da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal, em favor da construtora City Soluções Urbanas. Ao ser questionada pela equipe do Jornal O HOJE, a construtora declarou que prefere não se manifestar sobre o assunto, alegando que o “empreendimento já está devidamente entregue aos proprietários/clientes com todos os documentos legais necessários para tal”.

No entanto, o secretário-geral da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Goiás (OAB-GO), Diogo de Figueiredo, avaliou a liminar como perigosa, uma vez que abre precedente para que outros empreendimentos irregulares possam existir na Capital. “A partir do momento que uma construtora consegue judicialmente fazer com que a legislação seja descumprida, ao meu ver, abre-se precedente para que as demais construtoras façam o mesmo”, pontuou. (*Especial para O Hoje) 

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