Preço de recicláveis despenca e catadores estão abandonando atividade em Goiânia

O Governo Federal aumentou o imposto de importação de resíduos sólidos com o objetivo de fortalecer a cadeia nacional de reciclagem e tentar frear a importação de plásticos e papel

Postado em: 01-09-2023 às 09h00
Por: Ronilma Pinheiro
Imagem Ilustrando a Notícia: Preço de recicláveis despenca e catadores estão abandonando atividade em Goiânia
Queda de preço esvazia depósitos e provoca fuga de catadores | Foto: Leandro Braz

Para os trabalhadores do ramo da reciclagem o sobe e desce dos preços é algo normal, haja vista que todo ano, seja pela muita oferta ou em decorrência do período chuvoso, os valores costumam cair, dentro de uma média de 10 a 20 centavos, que é considerado aceitável no mercado, segundo a presidente da Cooper Rama (cooperativa de materiais recicláveis),  Dulce Vale.

No entanto, a queda de preços desses materiais este ano é preocupante para os trabalhadores do setor que, inclusive, estão deixando os carrinhos. Segundo Dulce, os produtos apresentaram uma baixa significativa no valor. O papelão, por exemplo, até o mês de fevereiro era comercializado a 60 centavos, atualmente, o produto é vendido a 30 centavos. O plástico mole, branco, que antes era vendido por um custo de R$3, agora vale apenas R$ 1 ,20.

A situação pegou todos de surpresa, haja vista que a previsão de queda para o mercado em decorrência do tempo chuvoso não iria ultrapassar os 20 centavos, segundo Dulce. “E agora você tem essa queda brusca, toda semana cai, até chegar em um nível que você não sabe o que fazer”, reflete. “Então, essa queda infelizmente é algo que não está dentro do campo da reciclagem porque nunca se viu algo nesse sentido”, acrescenta. 

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E este é justamente um dos motivos de Flávio, 63 anos, ter perdido o sono nos últimos dias. “A queda dos preços foi brutal, não tem nem comparação. Material que eu pagava 70 centavos, eu estou pagando 17 centavos”. Ele reclama ainda: “O meu lucro nesse material é de 10 centavos cada quilo, que é o papelão. Desde o dia 1º de janeiro caiu 300% todo tipo de material”, reclama.

Flávio, que tem um depósito de reciclagem no Jardim América, está apreensivo com o sumiço de catadores em Goiânia. “Se você andar aqui no Jardim América, você vai ver que tem muito reciclável jogado em lixeiras sem ninguém para pegar porque o valor é baixo”. 

Ele reconhece que, embora esteja difícil para quem tem depósito, a situação piora para quem tem apenas o carrinho – e tem aqueles que precisam alugá-lo. “Eu pagava no quilo da garrafa pet R $1 ,50 e vendia a R $2 ,60. Hoje eu pago a R $1 real e vendo a R $1 ,50. Isso porque eu tenho um cliente que me paga esse preço. Tem gente que quer pagar R$1,20”, revela.

Dessa forma, os catadores precisam triplicar a produção para que consigam manter o rendimento e assim, pagar as suas despesas do mês. A situação piora, quando essas pessoas não conseguem atingir as vendas necessárias e precisam abandonar o trabalho. “Os cooperados acabam saindo e procurando outras atividades, porque tem sua família para sustentar, tem que levar alimento para casa. Então é uma situação muito complicada a questão da reciclagem no Brasil e principalmente para as cooperativas”, ressalta  Dulce Vale. 

“Não é fácil você chegar ao fim do mês e olhar para o seu rateio e vê ali 200, 300 ou 400 reais. É muito triste isso. Como é que você vai sustentar a sua família, pagar aluguel, água, energia e ainda botar comida dentro de casa?”, acrescenta.

O Governo Federal aumentou o imposto de importação de resíduos sólidos com o objetivo de fortalecer a cadeia nacional de reciclagem e tentar frear a importação de plásticos e papel. A medida está em vigor no país desde o início  do mês de agosto deste ano. A alíquota, que estava zerada para resíduos de papel e vidro e em 11,2% para plástico, passou a ser de 18%.

Os resíduos de vidro incolor não foram afetados pela medida, já que não há fonte alternativa no Brasil em volume suficiente para atender as necessidades da indústria. Entre 2019 e 2022, as compras externas de papel, vidro e plástico subiram, respectivamente, 109,4%, 73,3% e 7,2%  e isso afetou o preço de venda dos materiais no mercado nacional, segundo informou o governo.

Sobre a iniciativa, a presidente da Cooper Rama disse ao jornal O Hoje, que apenas o estímulo à reciclagem não é suficiente. “Tem que ter uma lei no qual dê preferência para a cadeia de recicláveis antes de qualquer outra. Caso não haja o suficiente para a produção, aí sim procurar outras vias”, afirma a presidente.

Além disso, acredita que é necessário haver a isenção de impostos sobre os materiais reciclados, a fim de que eles se tornem mais baratos. “Um dos problemas é justamente esse, os impostos que tornam o produto muito caro. As cooperativas, tratam esse produto, ele volta para a cadeia, aí você industrializa e cobra outro imposto de novo”, explica.

O trabalho dos catadores deveria ser reconhecido pelos governantes, haja vista que além de ser uma tarefa árdua, é uma atividade de preservação ao meio ambiente, é o que afirma a presidente. Segundo ela, as cooperativas devem ser pagas por essa prestação de serviço. “Quanto mais a gente recicla, menos material vai estar na rua, menos material vai para o aterro. Então a gente deveria ser valorizado. E respeitado como profissional da altura que é o nosso trabalho”, finaliza.

Trabalhadores reclamam da queda dos preços

Josimar, de 38 anos, conheceu a reciclagem morando nas ruas. Para ele, esta foi uma oportunidade de conseguir manter as suas necessidades básicas. “Um homem me viu dormir na rua e perguntou se eu queria ‘puxar um carro’. Alguns amigos meus já trabalhavam na área. Aí eu falei: demorou! Dinheiro não cai do céu né?”, relata.

Há mais de 25 anos trabalhando com materiais recicláveis, esta é a primeira vez que Josimar se depara com uma queda tão brusca de preços. “Os preços estão caindo muito, papelão, latinhas, tudo, todos os preços estão caindo”, afirma.

Segundo o trabalhador, a baixa excessiva dos valores começou ainda no início deste ano.  “Ano passado estava mais alto. Agora nós temos que dar duas ou três viagens para poder ganhar algum dinheiro e pagar as contas”. Dentre os colegas de trabalho, a desistência é nítida, em lugares que antes tinham cerca de 15 catadores, a média caiu para sete, segundo Josimar.

Wellington Mateus Silvestre, de 29 anos, trabalha com materiais recicláveis há cerca de três anos. Ele conta que a situação está difícil desde que os preços começaram a cair. Apesar de trabalhar para si, teve que aumentar a carga horária para poder alcançar os objetivos no final do mês.

Mas, diferente de Wellington, muitas pessoas foram obrigadas a desistir do trabalho, devido a baixa de preços. “Hoje quase ninguém mais em Goiânia trabalha com reciclagem, tanto que eu encho duas vezes esse carro, o que antes era difícil. Os depósitos praticamente estão vazios de recicladores”, relata.

João Victor, de 21 anos, abriu um negócio de reciclagem há seis meses e reclama do baixo valor dos materiais. Segundo ele, a latinha que já chegou a custar R$ 7,00, agora é vendida por apenas R$ 4,00. “É a mesma coisa que trocar figurinha”, ironiza. 

O jovem também lamenta a desistência dos colegas de trabalho e diz que atualmente está com apenas três catadores ativos no seu depósito, enquanto em tempos normais, o número era de dez pessoas. “O povo está morando mais na rua do que trabalhando. A gente tem que vender balinhas no sinal para ganhar dinheiro, porque com o material ninguém quer trabalhar”, finaliza.

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