Operação identifica trabalhadores análogos à escravidão que dormiam em camas de tijolo

Goiás é o segundo estado com mais trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em agosto; foram 126 pessoas encontradas

Postado em: 07-09-2023 às 08h00
Por: Vitória Bronzati
Imagem Ilustrando a Notícia: Operação identifica trabalhadores análogos à escravidão que dormiam em camas de tijolo
Integrantes de órgãos conversam com trabalhadores em uma das empresas em que foram encontrados trabalhadores | Foto: Divulgação

Gabriel Neves 

“Aquilo ali não era alojamento de trabalhador, era depósito de gente com lixo junto”, diz o procurador do trabalho Alpiniano Lopes. A afirmação é referente aos flagrantes da Operação Resgate III, que ocorreu durante o último mês de agosto em todo o país. Em Goiás, foram registrados 126 resgates de trabalhadores em situação análoga à escravidão, principal foco da força-tarefa. O alto número eleva o estado ao segundo lugar no ranking nacional, ficando atrás apenas de Minas Gerais, que registrou 204 resgates.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) visitou 11 empreendimentos em Goiás durante a operação. Dos 11, pelo menos três apresentaram irregularidades. Os trabalhadores eram terceirizados ou estavam sem registro, sendo alguns deles menores de idade, vivendo em alojamentos precários, sujos e com restos de equipamentos cortantes — isso quando não trabalhavam sem nenhum tipo de proteção ou eram submetidos a atividades perigosas e a jornadas exaustivas.

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A lista de irregularidades detectadas durante a operação inclui instalações em estado degradante e sem recursos básicos como banheiros, alojamentos superlotados e mal-ajambrados, além de comida insuficiente e salários atrasados. Para se ter uma ideia, como mostram fotografias e vídeos feitos pelos agentes, trabalhadores análogos à escravidão dormiam em camas de tijolo no mesmo ambiente em que era obrigados a cumprir jornadas exaustivas de trabalho. De acordo com Alpiniano Lopes, os trabalhadores que viviam sob essas condições estavam envolvidos em diversas atividades, sendo 84 no cultivo de cebola, 20 no corte de cana-de-açúcar, três na carvoaria e 19 no corte de cerâmica.

A escravidão moderna, conforme explica Lopes, submete trabalhadores a situações tão degradantes a ponto de eles serem vistos como coisas e não como pessoas. Em alguns casos, disse o MPT, ocorre apenas a notificação dos empregadores, quando não há detecção de situações análogas à escravidão — o que é comum acontecer. Mas na maioria dos casos, a aplicação da legislação desemboca em consequências penais.

“Quando resgatamos trabalhadores, o empregador vai para o que é chamado de ‘lista suja’ de empregadores do Ministério do Trabalho. Se ele vai para essa lista, ele não consegue, por exemplo, vender o produto dele depois, não consegue pegar empréstimo em banco, nem financiamento em bancos oficiais. Além, é claro, da ação penal”, explica o procurador do trabalho. Na visão dele, é importante que se entenda que são graves as consequências para quem contribui com esse tipo de trabalho.

Lopes aproveita para destacar que hoje o MPT conta com um número menor de pessoas em seu efetivo de fiscalização e adianta que há uma busca da instituição por um apoio do governo federal para que se promova novos concursos públicos a fim de preencher as vagas existentes. “Se não tiver auditor-fiscal do trabalho não tem como realizar nenhuma operação”, diz. Segundo ele, é o trabalho de fiscalização que permite que casos de escravidão moderna venham à luz. A efetividade da realização desse trabalho no estado de Goiás, ele avalia, pode ser vista nos números.

O Código Penal brasileiro define o trabalho escravo contemporâneo como crime, e configura-se dessa forma quando alguém é submetido a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, sujeitando-o  a condições degradantes de trabalho, restringindo, por qualquer meio, a locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. O artigo 149 do Código ainda prevê prisão de dois a oito anos e multas.

Para viabilizar a Operação Resgate III, o MPT se juntou a outras seis instituições: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF). 

Segundo o governo federal, a força-tarefa resgatou um total de 532 pessoas em condições análogas à escravidão. Do total, 441 são homens, 91 são mulheres, seis são crianças e adolescentes e dez são trabalhadoras domésticas. Entre elas, ainda de acordo com as informações do governo, havia uma idosa de 90 anos que trabalhou por cerca de 16 anos sem carteira assinada na casa de uma empregadora de 101 anos no Rio de Janeiro. A vítima é a pessoa mais velha já resgatada no Brasil nessas condições.

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