Unimed Goiânia é acusada de coação em reunião por piso da enfermagem

Em áudio, gerente da cooperativa promete demissão em massa caso enfermeiros não aceitem proposta em meio a acusações do sindicato da categoria

Postado em: 12-09-2023 às 08h00
Por: Gabriel Neves Matos
Imagem Ilustrando a Notícia: Unimed Goiânia é acusada de coação em reunião por piso da enfermagem
Cooperativa tem usado de estratégia para conseguir driblar, diz o sindicato, o pagamento do piso da enfermagem | Foto: Leandro Braz

O áudio vazado de uma reunião de profissionais de enfermagem e representantes da Unimed Goiânia deixou a cooperativa em maus lençóis com a categoria. Enquanto enfermeiros e enfermeiras buscam garantir o pagamento do piso salarial, a Unimed tem buscado um mecanismo desanimador aos profissionais: ajustar alguns benefícios para atingir o valor do piso. 

Em um áudio a que a reportagem do jornal O Hoje teve acesso é possível ouvir a gerente de gestão de pessoas da Unimed, Elaine Campos, tentando convencer, em uma reunião, os trabalhadores a aceitarem a proposta da cooperativa e afirmando que, caso não haja consenso, a saída seria o desligamento dos profissionais. A postura foi entendida como coação. Em resposta, a cooperativa afirma que “tem o compromisso de manter um relacionamento transparente e respeitoso com todos os seus colaboradores e parceiros”.

Antes de pedir para que todos assinassem os nomes em uma lista, a gerente, captada no áudio, se identifica como representante da diretoria e gestão da Unimed. “Convidamos vocês para tratar de um tema delicado, aguardado, que é o piso da enfermagem”, diz ela, acompanhada de uma advogada e um analista. Antes de oferecer uma proposta, Campos garantiu que o piso chegaria a ser pago, mas, logo depois, disse que seria necessário fazer alguns ajustes de benefícios.  

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“[…] não aceitar a proposta, e aqui eu não falo em tom de ameaça, mas falo com transparência e sinceridade, é uma decisão que vocês vão tomar sabendo que a Unimed em contrapartida infelizmente não vai poder manter o vínculo CLT da cooperativa de técnicos de enfermagem e enfermeiros. O que isso quer dizer? A gente vai desligar em massa todos os nossos colabores, todos os nossos técnicos de enfermagem e enfermeiros, e vamos colocar terceirizado através da cooperativa Multicare”, disse a gerente. 

O pagamento do piso salarial da enfermagem foi definido em julho deste ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por oito votos a dois. De lá pra cá, não são poucos os movimentos de enfermeiros reivindicando os direitos salariais. Com a presença de cerca de 100 enfermeiros, o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Goiás (Sieg) realizou uma assembleia na última segunda-feira (4) para deliberar sobre o assunto. 

Na pauta da assembleia, a Unimed havia proposto pagar o piso salarial, mas apenas como salário básico. Ou seja, a empresa complementaria o valor do pagamento com uma série de auxílios até chegar ao total estabelecido por lei. Segundo pessoas que estavam presentes, a reunião foi marcada pelo sentimento de tensão. A votação, que foi realizada de forma aberta, decidiu por não aceitar a proposta da empresa.

Ao jornal O Hoje, a presidente do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de Goiás, Roberta Rios, afirmou inclusive que antes da assembleia, um grupo de enfermeiros teria telefonado ao Sindicato para pedir que a votação fosse feita por meio de cédula, temendo represálias — o que não ocorreu. “Eles [os enfermeiros] estão se sentindo amedrontados e assediados”, diz ela. 

Presidente do sindicato denuncia pressão de diretoria 

A própria presidente do Sindicato, Roberta Rios, denuncia que tem sido alvo de uma pressão por parte da diretoria da Unimed Goiânia. À reportagem, ela afirmou que, em uma ligação telefônica, teria sido assediada moralmente. “Eles me disseram que iam colocar os enfermeiros contra o Sindicato caso não fosse realizada uma nova assembleia. Não cheguei a fazer boletim de ocorrência sobre isso”, diz. 

Em comunicado aos enfermeiros, o Sindicato reforçou o episódio: “Uma representante da Unimed agiu de forma grosseira, indelicada, agressiva e coercitiva, ameaçando, inclusive, que colocaria os enfermeiros da empresa contra o Sieg por dizer que o mesmo se recusa a realizar nova assembleia.”

Sobre não fazer chamada para uma nova assembleia, Rios justifica o fato pela falta de tempo, já que o prazo para um acordo se esgotaria no domingo (10); e também por causa da suposta coação praticada pela empresa e das denúncias de assédio moral. “E se nós fizéssemos uma nova assembleia, estaríamos compactuando com a proposta da empresa”, afirma. 

Maria da Conceição Machado, advogada do Sieg, informou para a reportagem do jornal O Hoje que um grupo de enfermeiros fez uma denúncia nesta segunda-feira (11) no Ministério Público do Trabalho de Goiás (MPT-GO) exigindo que o Sindicato apresente uma contraproposta à enviada pela Unimed. “A notícia de fato foi apresentada e o Sieg vai se manifestar com uma resposta em até 48 horas. Se o MPT decidir que seja apresentada a contraproposta em nova assembleia, nós apresentaremos”, afirma Machado. 

A Unimed Goiânia conta com cerca de 600 enfermeiros e técnicos de enfermagem. Ainda de acordo com o áudio obtido pelo jornal O Hoje, além da ameaça aos funcionários, há também um plano de contratar uma cooperativa terceirizada para substituição dos enfermeiros em caso de demissão em massa. 

“É esse o plano. Complicado para todo mundo. Por isso, estamos trazendo a proposta antes para vocês para vocês pensarem e votarem com consciência quando forem para o Sindicato. Por acaso, se for uma proposta que não caminhe, infelizmente a gente não tem outra forma a não ser terceirizar. Então, na decisão de vocês, no outro dia já começamos com as ondas de desligamento”, disse Elaine Campos, gerente de gestão de pessoas da Unimed. 

A cooperativa terceirizada a qual Campos se refere no áudio é a Multcare, especializada em enfermagem e que foi condenada por fraudes à legislação trabalhista no ano passado. A ação, movida pelo MPT-GO, considerou que a cooperativa fraudava a legislação trabalhista por meio da associação de trabalhadores da área de saúde para atuar como falsos sócios.

A justiça do trabalho condenou a empresa e três dirigentes a pagarem multa de R$ 1 milhão. Na decisão, a cooperativa também foi proibida de fornecer mão de obra cooperada de profissionais de saúde para trabalho em hospitais públicos (federais, estaduais ou municipais), clínicas/hospitais privados ou empresas de serviços de saúde de forma geral, sob pena de multa de R$ 20 mil por cada trabalhador cooperado em atividade.

Questionada sobre o episódio, a Unimed Goiânia respondeu, via nota, que “tem o compromisso de manter um relacionamento transparente e respeitoso com todos os seus colaboradores e parceiros” e que por isso “comunicou, em primeira mão, aos profissionais de enfermagem de suas unidades assistenciais próprias o posicionamento sobre o reajuste do piso salarial da categoria dos enfermeiros”.

Veja nota da cooperativa na íntegra:

A Unimed Goiânia – Cooperativa de Trabalho Médico tem o compromisso de manter um relacionamento transparente e respeitoso com todos os seus colaboradores e parceiros. Em consonância com esses valores fundamentais, comunicou, em primeira mão, aos profissionais de enfermagem de suas unidades assistenciais próprias o posicionamento da Cooperativa sobre o reajuste do piso salarial da categoria dos enfermeiros.  

Nesse contexto, informou a proposta de negociação apresentada ao Sindicato da classe, que visa o equilíbrio financeiro necessário para manter os enfermeiros com contratos de trabalho regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Esta proposta foi feita em busca de uma solução que atenda ambas as partes: a Cooperativa e seus colaboradores. O objetivo é evitar riscos de dificuldades de gestão financeira, bem como terceirização dos serviços e desligamentos inevitáveis.  

A Unimed Goiânia acredita no processo de diálogo franco, aberto e transparente. Por isso, repudia veementemente qualquer interpretação de que a ação de diálogo foi realizada de maneira ilícita ou ameaçadora em relação aos seus funcionários. Ao contrário, a Cooperativa está comprometida em encontrar uma solução que seja justa e equitativa para ambas as partes, de modo a preservar os empregos e a qualidade dos serviços prestados aos beneficiários. 

A Cooperativa segue aberta para continuar o diálogo construtivo com a categoria e o Sindicato, buscando alcançar uma solução justa e que atenda a todas as partes envolvidas.

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