Há 36 anos, césio-137 em Goiânia causava horror ao mundo
Diretora do Centro de Atendimento às vítimas do acidente, Julianna de Faria, fala da importância de garantir a lembrança de tragédia que completa 36 anos
Por: Redação
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Luana Avelar e Yago Sales
Dia 13 de setembro de 1987. Esta é a data que marca oficialmente o calendário mais assombroso de Goiânia: de repente, dos escombros de uma clínica, perto da rodoviária, no Centro, haveria o vazamento de um pó azul que causaria o pesadelo da família Ferreira, a mesma de Leide das Neves, uma menina de seis anos que se tornaria símbolo do que é conhecido como o maior acidente radiológico do mundo. Catadores de papel encontraram o artefato e, desinformados, o repassaram a um ferro-velho.
Enterrada em um caixão de chumbo, adornado de concreto no cemitério Parque, em Goiânia, ao mesmo tempo que a tia, Maria Gabriela, Leide faria 42 anos este ano. Mas ela está morta. Morta depois de ter sido invadida pela violência silenciosa, invisível durante o dia – e azul brilhante à noite – e mortal.
Como a cova da menina no cemitério 36 anos depois, abandonada, esquecida, a memória do acidente radiológico é negligenciada também na cidade que, naquele setembro de 1987, foi simplesmente sitiada pelo medo de quem ia e vinha. Não existe um memorial na cidade senão o arquivo do cantinho no segundo andar do Centro de Assistência aos Radioacidentados C.A.R.A, com fotos, imagens, mapas, livros, revistas e tudo o que possa mostrar os fragmentos do que o césio causou na vida de milhares de pessoas.
É ali que a diretora do Centro de Assistência, Julianna de Faria Bretas, fala, à reportagem do jornal O Hoje, dos desafios de oferecer atendimento às pessoas que foram, direta ou indiretamente, contaminadas pelo césio 137. Sobre a falta de um ambiente, a exemplos de tantas tragédias, que rememore o caos daquele setembro, ela reconhece: “Bom, preservar a memória é interessante primeiro porque você não deixa que a história se tente levar com o tempo, que as pessoas não conheçam mais, não falem mais”.
Julianna tem um argumento. Não esquecer pode evitar que um acidente desta proporção volte a causar dor e morte. O césio-137 matou quatro pessoas no mesmo ano de 1987. Mas matou mais, quando, por exemplo, existem relatos de depressão, vícios e alcoolismo.
Além da menina Leide das Neves e a tia dela, Maria Gabriela Ferreira, também não suportam a alta dosagem do césio os funcionários do ferro-velho do marido de Maria Gabriela, Devair Alves Ferreira. Os dois jovens eram Israel Baptista dos Santos e Admilson Alves de Souza. Quando viram a peça no ferro velho, eles a abriram. Em uma entrevista que concedeu à época, Devair conta que, quando viu o brilho azul, extasiado, colocou o pó em um recipiente e o deu à sobrinha, Leide. E o espalhou pela vizinhança.
Atualmente, os locais por onde o pó se propagou, no Setor Aeroporto, paira apenas a normalidade. E alguns lotes concretados. Sem placa. Sem nada. “[Relembrar] um acidente dessa natureza [faz com que] não volte a acontecer”, alerta Julianna que, anos depois, ganhou do destino a missão de cuidar dos sobreviventes. Ou radioacidentados, como classificam protocolos pós-tragédia.
Lá no CARA, as pessoas podem encontrar assistência farmacêutica, onde podem conseguir medicamentos de alto custo. E tem especialidades médicas também. “Geriatria, pediatria, ginecologista, proctologista, clínico geral, oncologista, cardiologista”, cita ela.
A diretora volta à questão da memória da tragédia. E tem razão quando comenta que a própria instituição é fundamental para se lembrar da época em que o mundo todo ficou grudado na televisão e rádio para saber o que aconteceria com os goianienses. “A gente está aqui das 7h às 19h. A pessoa pode vir visitar o nosso acervo, como eu disse, apesar de pequeno, mas é um acervo muito rico, uma história muito rica, com fotos, vídeos, quadros”.