Auramedi firma contrato de R$ 285,8 milhões com o Ministério da Saúde

A microempresa de Aparecida de Goiânia e o único sócio são réus por improbidade administrativa no Pará por suspeita de fraude em contratação, também com dispensa de licitação.

Postado em: 26-09-2023 às 18h05
Por: Larissa Oliveira
Imagem Ilustrando a Notícia: Auramedi firma contrato de R$ 285,8 milhões com o Ministério da Saúde
Ministério da Saúde alegou que a empresa estava regular no momento da contratação - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Auramedi, microempresa farmacêutica que possui somente um funcionário registrado e um capital social de R$ 1,3 milhão, fechou contrato com o Ministério da Saúde. O acordo é para o fornecimento de 293,5 mil frascos de imunoglobulina humana. Trata-se de um medicamento hemoderivado, ou seja, produzido a partir do sangue, cujo uso visa melhorar a imunidade dos pacientes. Assinado em abril de 2023, o contrato foi feito com dispensa de licitação e a partir do pagamento de R$ 285,8 milhões.

O Ministério da Saúde firmou o contrato com a companhia chinesa Najing Pharmacare, mas a Auramedi assina como representante nacional. No Brasil, a Panamerican Medical Suplly também representa a farmacêutica asiática. Porém, Marcelo Pupkin Pitta, um dos sócios da Panamerican, foi preso em 2004 e, novamente, em 2007. Na época, as investigações apuraram suspeita de fraude em licitação no Ministério da Saúde, justamente em compras de medicamentos hemoderivados, incluindo imunoglobulina.

Auramedi

Desconhecida no mercado, a empresa Auramedi, de Goiás, tem pequeno porte e um baixo volume de recursos. Por isso, o contrato feito pelo Ministério da Saúde chamou a atenção. A sede da empresa farmacêutica é uma residência que se encontra em um centro empresarial de Aparecida de Goiânia. Ao Metrópoles, um comerciante vizinho afirmou que nunca viu movimento na casa. Além disso, um funcionário do centro empresarial disse que, ás vezes, uma funcionária vai ao local.

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Contudo, a fonte relatou que, geralmente, a mulher vai apenas para pegar encomendas que ficam na administração. Aliás, a Auramedi não possui um site próprio, o que faz com que a presença online seja tão ínfima quanto a física. Atualmente, a empresa farmacêutica e o único sócio, Fábio Granieri de Oliveira, são réus por improbidade administrativa em uma ação popular no Tribunal de Justiça do Pará. O Judiciário recebeu uma denúncia de fraude em uma contratação, também com dispensa de licitação.

A suspeita de contrato ilegal supostamente ocorreu durante a pandemia da Covid-19, no município de Parauapebas. No processo, consta o fato de que Fábio participou da tomada de preço que a prefeitura solicitou como representante da Auramedi. Todavia, também assinou da mesma forma em uma das outras duas concorrentes. Apesar disso, a Auramedi não tem restrições para participar de licitações ou firmar contratos com o Poder Público.

Faturamento

A Auramedi foi criada em 2013, mas Fábio passou a ser o único sócio em maio de 2020. Na ocasião, a empresa saiu de um capital social de R$ 50 mil para R$ 1,3 milhão. Além disso, a mudança do quadro societário ocorreu três meses após a firma ser dada como pagamento de uma dívida a outras três pessoas. Conforme o empresário informou, ele trabalhou na gigante farmacêutica EMS antes de se tornar sócio da pequena companhia de Aparecida de Goiânia.

Segundo dados do Portal da Transparência, em outubro de 2022, a Auramedi começou a participar de pregões de órgãos federais. Desde então, a empresa recebeu quantias pequenas para fornecimento de medicamentos, com notas de pagamento de até R$ 6,2 mil. O maior valor recebido até o momento foi proveniente do contrato com o Ministério da Saúde, de R$ 16,5 milhões. Aliás, para conseguir esse contrato, a Auramedi pagou R$ 246,6 mil em um seguro de R$ 14,3 milhões, 5% do valor do contrato, conforme é exigido na legislação.

Processos

A companhia chinesa Najing Pharmacare é uma tranding, ou seja, atua como intermediária entre fabricantes e compradores. Tanto a Auramedi, de Fábio Granieri, quanto a Panamerican, de Marcelo Pitta, dizem representar a farmacêutica asiática. Inclusive, neste último processo de dispensa de licitação do Ministério da Saúde para compra de imunoglobulina, as duas se apresentam como representantes nacionais da empresa chinesa.

Em contratos recentes, a Panamerican chegou a fornecer ao Ministério de Saúde medicamentos enviados pela Nanjing. No passado, apenas outra empresa brasileira, do Distrito Federal, já disse representar a farmacêutica chinesa, em 2020. Essa terceira empresa aparece como ré no mesmo processo no Pará em que a Auramedi e seu sócio, Fábio Granieri, são réus. Até o momento, o empresário não se posicionou sobre os processos e as similaridades que envolvem os casos.

Coincidentemente, o advogado que representou Fábio Granieri, da Auramedi, no processo de dispensa de licitação do Ministério da Saúde também atuou em nome de Marcelo Pitta, da Panamerican, em um processo de 2020. O advogado é de Pernambuco, longe do Distrito Federal e de Goiás, onde fica a Auramedi e onde Fábio diz morar. A imprensa chegou a procurar pelo advogado, mas este alegou que não poderia dizer se Marcelo Pitta indicou seu escritório a Fábio Granieri, devido a sigilo dos contratos.

A Panamerican pediu a impugnação do processo de dispensa de licitação em questão, solicitando melhoria do termo de referência. No pedido, ela alegou prazos inexequíveis de início de entrega; dúvida sobre quantitativo a ser fornecido em cada entrega; e sobre a possibilidade de apresentação de proposta em dois cenários (um respeitando o cronograma, e outro não respeitando o cronograma). Apesar do pedido de impugnação, que inclusive mostra ciência da existência do processo, a empresa não enviou nenhuma proposta.

Licitação

Além da microempresa não ser conhecida no mercado, a dispensa de licitação também chama a atenção. O Ministério da Saúde poderia ter aberto um processo de dispensa para aquisição de uma quantidade menor em regime de urgência. No entanto, optou por comprar sem licitação o equivalente ao consumo de seis meses. Porém, o processo de dispensa de licitação vem de um imbróglio para aquisição de imunoglobulina que de fato colocou em risco o abastecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em 2020, durante o auge da pandemia da Covid-19, o produto estava em falta no mercado. Dois pregões iniciados pelo Ministério da Saúde fracassaram. No ano seguinte, houve outra disputa pública, mas uma das empresas alegou irregularidades em sua desclassificação, e o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu. Posteriormente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a compra. Com a compra autorizada pelo STF, o ministério abriu novo pregão em dezembro de 2022.

Contudo, o TCU determinou que fosse permitida a participação de empresas sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por isso, o Ministério da Saúde iniciou outro processo, dessa vez com dispensa de licitação, alegando urgência. Além disso, o órgão ressaltou o acórdão de fevereiro deste ano do TCU, no qual determinou que a pasta adotasse “as medidas estritamente necessárias para garantir o estoque” de imunoglobulina.

Inclusive, a aquisição do produto poderia ocorrer por meio, “por exemplo, de contrato emergencial ou termo aditivo, se couber”, incluindo a participação de empresas estrangeiras com produtos sem registro. A Anvisa, ao autorizar a importação em caráter excepcional do medicamento que não tem registro sanitário, cita que não resta provada a indisponibilidade do medicamento do mercado, mas que entende que o fato não afasta a determinação do TCU.

Propostas

O Ministério da Saúde abriu a tomada de preços no dia 27 de fevereiro, com publicação no Diário Oficial da União (DOU), para recebimento de propostas até as 23h59 de 3 de março. Uma das empresas foi desclassificada porque enviou a proposta um minuto depois, à meia-noite. Além disso, outras cinco foram desclassificadas sob alegação de falta concordância com o edital. Por fim, o ministério selecionou as cinco propostas com menores preços.

As primeira e segunda colocadas acabaram eliminadas por alegação de que o produto oferecido é fabricado na Índia, país que não é membro da ICH. A quarta colocada foi eliminada porque, segundo o ministério, não atendeu a convocação de envio de documentação para se habilitar. Com isso, restou a Farma Medical, que estava em terceiro, e a Auramedi, que estava em quinto no ranking de propostas mais vantajosas. A todo tempo, a Auramedi ressaltou que tinha quantia suficiente para suprir a demanda completa do ministério, de 383,5 mil mil frascos, e tentou desabilitar a concorrente Farma Medical.

O Ministério da Saúde informou que precisava que a primeira parcela de medicamento fosse entregue em abril deste ano, para não ocorrer desabastecimento. Porém, a Auramedi, que representa a companhia chinesa Nanjing Pharmacare, entregou os medicamentos em meados de junho. Representando a Prime Phama LLC, dos Emirados Árabes, a Farma Medical ficou responsável por fornecer 90 mil frascos em um contrato menor, de R$ 87,6 milhões. Mas, segundo o ministério, não entregou nada até o momento. O dono da empresa nega e diz ter entregue 30 mil frascos em junho, mas não enviou provas.

Críticas

No âmbito dos processos, farmacêuticas maiores e com registro na Anvisa alegaram que não havia justificativa para dispensa de licitação, tampouco para permitir que produtos sem registro na agência entrassem na disputa. Na própria tomada de preço, as propostas de empresas com registro somaram o equivalente a 82% do quantitativo que o ministério precisava. No entanto, o valor seria menos vantajoso e poderia chegar a R$ 716,8 milhões, quase o dobro do que o ministério comprometeu nesses dois contratos. E, diante da decisão do TCU de fevereiro, manteve-se a compra com empresas sem registro.

Aliás, Fábio Granieri, da Auramedi, criticou a concorrente Farma Medical, que não entregou os medicamentos compactuados, e alegou que as informações trazidas pela reportagem são equivocadas, “vez que desprovidas de fundamentação fática”. Para mais, Fábio considera que o “inadimplemento contratual da Prime Pharma LLC prejudica a saúde pública, irreversivelmente”. Em síntese, a Auramedi argumentou que a Nanjing cumpriu as exigências e ressaltou problemas da concorrente.

O Ministério da Saúde informou que a compra emergencial visa evitar o desabastecimento de imunoglobulina e que a aquisição seguiu regulamentação da Anvisa que trata de critérios para importação em caráter de excepcionalidade. A pasta acrescentou que recebeu até o momento da Nanjing Pharmacare, representada nacionalmente pela Auramedi, 245.842 frascos, equivalentes às cinco primeiras parcelas, e que já recebeu parte da última parcela, prevista para entrega no próximo 30/9. O ministério detalhou que as empresas contratadas estavam regulares no momento da contratação, “não incorrendo em qualquer impedimento legal”.

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