Ex-moradora de rua à frente de projeto de acolhimento a excluídos em Goiânia

Há 27 anos instituição é destino de quem não tem para onde ir e a quem recorrer para ajudar a construir novo futuro

Postado em: 02-10-2023 às 08h58
Por: Luana Avelar
Imagem Ilustrando a Notícia: Ex-moradora de rua à frente de projeto de acolhimento a excluídos em Goiânia
Há 27 anos instituição é destino de quem não tem para onde ir e a quem recorrer para ajudar a construir novo futuro | Foto: Leandro Braz/O Hoje

Nos cantos mais desafiadores da vida, onde muitos perdem as esperanças, a ONG Metamorfose surge como um farol de transformação e apoio. Fundada por Sônia Oliveira há 27 anos em Goiânia, a organização tem uma trajetória marcada por superações e um compromisso com a comunidade. 

O compromisso para cuidar dos abandonados e esquecidos: idosos, pessoas com transtornos mentais e dependentes químicos. Sônia, hoje aos 57 anos, sabe bem como é estar à margem da sociedade. Por isso, ela compartilha uma infância marcada pela dificuldade de relacionamento com o pai, o que a conduziu a uma jornada envolvendo alcoolismo, dependência química e prostituição.

Aos 7 anos, Sônia encontrou na escola crianças com o mesmo problema familiar e um caminho quase sem volta: as ruas e as drogas. “Eu senti que havia encontrado meu lugar”, diz ela, sentada em uma poltrona, com seu par de óculos escuros, vendo o vai e vem das pessoas que ajuda a cuidar na instituição. 

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Responsável pelo lugar que cuida de quem chega desesperada por causa da droga, acrescenta algo mais sobre a infância: “Eu não usei droga só para ficar drogada, eu usei droga para morrer”.

E rememora: “Convivi entre 8 e 12 anos com as drogas em casa. Cinco anos vivendo com muita droga, mas sem sair de casa. Peguei o que eu tinha condição de pegar numa bolsa e saí, a partir daí eu passei a morar na rua”. Ela conta também que, naquela época, a presença de meninas em situações semelhantes não era comum. Ela enfrentou prisões, tentativas de homicídio e overdose.

Após 3 anos e 7 meses na rua, a mãe de Sônia conseguiu reencontrá-la na Estação da Luz, em São Paulo. “Nossa, eu estava num mundo estranho e mal, sabe? Todo mundo queria tirar proveito. Quando eu vi minha mãe, eu só queria colo. Eu amo demais a minha mãe”, conta. 

Com muito esforço, a  mãe dela lutou para levá-la até uma instituição em Piracicaba, em São Paulo. Foi lá que Sônia encontrou uma nova perspectiva. Aos 17 anos, ela vivenciou uma transformação espiritual, impulsionada pela fé e apoio. Ao deixar a instituição, ela enxergava o mundo de maneira totalmente diferente.

Mais tarde, casou-se e teve filhos. Após um tempo, separou-se e retornou para Goiânia. Ao voltar, Sônia dedicava suas tardes a entregar marmitas em troca de drogas para os desabrigados. Ela compartilhava sua fé e a mensagem de esperança em Deus. Contudo, ao refletir sobre a disparidade entre sua própria realidade e a dos desabrigados, sentiu a necessidade de agir. Ofereceu-lhes a chance de tomar banho em sua casa e, com o passar do tempo, muitos começaram a ficar. Essa situação levou a mudanças de moradia, pois os vizinhos começaram a se incomodar com a crescente presença de moradores de rua.

Depois de uma série de mudanças, incluindo uma chácara maior que não pôde ser mantida, Sônia e os assistidos se estabeleceram em uma delegacia abandonada no centro de Goiânia, onde permaneceram por 12 anos. Recentemente, a ONG mudou para um hospital abandonado em Campinas, continuando seu trabalho de apoio a cerca de 90 pessoas, mas nesses 27 anos de ong, 32 mil pessoas já foram atendidas. 

Enquanto narra a história que quase poderia tê-la levado à sepultura, a rotina da Ong Metamorfose não para. 

Foto: Leandro Braz/O Hoje

Luiz Roberto, 43 anos, coordenador da ala masculina, destaca a diversidade dos assistidos, enquanto Nuala Borges, 34 anos, coordenadora da ala feminina, enfrenta desafios burocráticos na obtenção de documentos para os atendidos. “Eu fui em várias Defensoria Pública, e me pulavam de um canto pro outro. Eu peguei pra resolver e eu quero resolver. Tanta gente sem documento, é muito difícil, complicado”, disse Nuala. 

Devido à limitação de espaço, os colchões são distribuídos na capela à noite, oferecendo abrigo a todos. “Precisamos otimizar o espaço para assegurar que todos tenham um lugar para descansar”, ressalta Luiz. 

Um dos assistidos, Alessandro Moreira, 48 anos, , compartilha sua jornada de 14 anos no Metamorfose, ressaltando as reviravoltas e conquistas que a instituição proporcionou. Sua luta contra o vício o levou a se afastar temporariamente. 

Ele recorda: “Fiquei uma semana nas ruas e retornei. Tinha o sonho de conhecer a Europa e, após um ano no projeto Metarmofose, finalmente consegui viajar para Portugal. Permaneci lá por oito meses, depois retornei ao Brasil. Fiquei um tempo afastado do projeto. Nesse vai e vem, já se passaram 14 anos desde que me tornei parte da família Metamorfose, onde atuo como voluntário, realizando o trabalho de captação. Não consigo viver sozinho, pois lido com o alcoolismo e o uso de drogas, mas estou em tratamento psiquiátrico. O Metamorfose é o meu porto seguro, um lugar que considero como minha verdadeira família”.

Hoje, a ONG enfrenta desafios e conta principalmente com doações de fraldas, alimentos e produtos de higiene pessoal para continuar seu importante trabalho de apoio à comunidade. A equipe do abrigo Metamorfose busca soluções criativas para maximizar os recursos disponíveis, como o uso de lenha na cozinha, uma alternativa mais econômica ao gás. Além disso, caixas são usadas para coletar doações de alimentos, que são preparados com cuidado para as refeições dos residentes. “Essas caixas, apesar de parecerem insignificantes, são colocadas no carrinho. O homem do mercado nos chama e pede para recuperar o que seria desperdiçado. E é dessas ‘perdas’ que tiramos o sustento para cuidar de todas essas pessoas”, relata Luiz

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