Preservar Cerrado e afluentes convergem para sucesso do agro, diz especialista

Na vastidão das florestas e biomas naturais, uma tendência emergente está chamando a atenção: é possível combater o desmatamento e, ao mesmo tempo, promover o crescimento econômico. Desde 2007, essa tendência tem ganhado força e pode se consolidar nos próximos anos, oferecendo uma promissora saída para uma questão global crucial.

O aumento da produção agropecuária sem a necessidade de desmatamento tem o potencial de revolucionar a economia rural em Goiás. Nas últimas quatro décadas, a área cultivada cresceu em torno de 53%, demonstrando o potencial de crescimento.

O Cerrado brasileiro, uma vasta região de bioma único e diversificado, está se consolidando como uma das principais potências agrícolas do mundo, no entanto, essa expansão precisa ser equilibrada com a preservação do bioma natural, uma tarefa desafiadora. 

Em uma entrevista exclusiva com o Engenheiro Agrônomo e pesquisador da Embrapa Soja, Décio Luiz Gazzoni, membro do Conselho Científico Agro Sustentável, exploramos os caminhos possíveis para promover o agronegócio sem prejudicar o bioma. 

Décio enfatiza que a agricultura sustentável não é apenas possível, mas essencial para o sucesso a longo prazo: “Nas últimas décadas, apesar do aumento da produção agrícola, cada vez menos o desmatamento pode ser atribuído ao agronegócio”, afirma. Além disso, ele ressalta que a adoção de práticas que aumentam a produtividade diminui a necessidade de expandir a área de cultivo, incluindo o manejo adequado do solo e a adubação de acordo com as recomendações.

Quando questionado sobre o potencial impacto do agronegócio nos rios da região, o especialista enfatiza que a responsabilidade de contaminação das águas e o assoreamento de rios recai tanto sobre os produtores rurais quanto sobre os governos, que devem orientar e fiscalizar adequadamente.

Nesta entrevista, o especialista também responde se é possível a relação do Cerrado com o agro. “O cerrado já tem uma relação umbilical com o agro, é uma das regiões de maior produção agrícola do mundo, abrigando um agro pujante, moderno e conduzido em sua grande maioria de forma tecnicamente responsável”. E ele completa: “E assim continuará sendo no futuro, com a atividade agrícola cada vez mais integrada com o ambiente, respeitando as regras e os códigos ambientais”. 

Confira a entrevista:

Que tipos de saídas podem haver para quem quer explorar o agronegócio sem prejudicar o bioma ao redor? 

O principal balizador deve ser a observância rígida das recomendações técnicas para cultivo. Elas estão disponíveis para todas as culturas de expressão no cerrado e em outros biomas. Elas podem ser obtidas junto à Embrapa, em sites de universidades, de fundações de pesquisa ou assistência técnica e do Senar. As recomendações permitem que os cultivos sejam realizados com o menor impacto possível sobre o ambiente. É importante, também, observar o Código Florestal, respeitando os seus parâmetros, particularmente as áreas de Reserva Legal e de Proteção Permanente.

Como o Cerrado e seu bioma natural podem ser preservados em conjunto com o comércio agropecuário?

A região que abriga o cerrado brasileiro está se tornando uma das principais produtoras globais de produtos agrícolas, incluindo alimentos, fibras e biocombustíveis. Apesar dessa ocupação ser inferior a 10% da área total do bioma, é fundamental que a agricultura seja praticada de forma sustentável. Para tanto, as boas práticas agrícolas devem ser rigidamente observadas, por exemplo: integração lavoura-pecuária, uso de plantio direto, produção de duas a três safras ano na mesma área (evita ampliação de área e desmatamento), uso de inoculantes (evita o uso de adubos nitrogenados), programa de manejo de pragas e doenças. Particularmente devem ser observadas as práticas que permitam aumentar a produtividade, o que diminui a necessidade de uso de mais área para obter a mesma produção. Isso inclui o bom manejo do solo, evitar camadas compactadas subsuperficiais, adubação de acordo com a recomendação dos laboratórios de análise de solos.

Existe no cerrado possibilidade de crescimento sem perder o bioma natural? 

Sim, é perfeitamente possível, não apenas no cerrado, mas em outros biomas. Para tanto é fundamental a observância das boas práticas agrícolas, seguir as recomendações técnicas para cultivo e respeitar o código florestal e as exigências para cultivo próximo a áreas sensíveis, como os parques nacionais.

Existem estudos que afirmam que o agro pode fragilizar os rios e afluentes. Como isso pode ser evitado?

A possibilidade teórica existe, sim. Entretanto, isso não é uma inexorabilidade [que não se pode discutir]. A contaminação de águas, o assoreamento de rios, ou a depleção de fontes de água somente acontecem quando as boas práticas agrícolas não são observadas. Cabe ao produtor rural observá-las e aos governos efetuar a devida orientação e a fiscalização, para evitar problemas com os cursos de água.

Levando em conta que pode levar a diminuição de chuvas e instabilidade temporal, o excesso de desmatamento pode prejudicar a produção no agro?

Sem dúvida, parcela ponderável da responsabilidade pelas mudanças climáticas atualmente em curso são atribuídas ao desmatamento. É importante ressaltar que, nas últimas décadas, apesar do aumento da produção agrícola, cada vez menos o desmatamento pode ser atribuído ao agro. O aumento da produção tem sido obtido por ganhos de produtividade, por uso da mesma área para dois ou três cultivos por ano, a integração lavoura-pecuária, o uso de áreas já antropizadas, áreas degradadas e áreas liberadas de pastagens, para ampliação das lavouras. O desmatamento das últimas décadas é um crime ambiental, cuja responsabilidade vem de madeireiros ou de garimpeiros inescrupulosos, que não respeitam as regras do código florestal.

Ainda é necessário a retirada de mata virgem para atividade agropecuária?

O aumento da produção recente no Brasil não guarda uma relação direta com o aumento da área cultivada, baseada em novas áreas. Os ganhos de produtividade têm sido substanciais e o uso de áreas já antropizadas [já utilizadas], recuperação de áreas degradadas, aproveitamento de pastagens não mais utilizadas ou a integração lavoura pecuária, juntamente com o uso de duas a três safras por ano, são as grandes responsáveis pelo aumento da produção no Brasil.