MPF promove audiência sobre possíveis retrocessos na legislação ambiental que põem em risco o bioma Cerrado

Evento ocorreu na sede da Procuradoria da República em Goiás e reuniu representantes do poder público, entidades da sociedade civil, especialistas e acadêmico

Postado em: 18-10-2023 às 20h11
Por: Vitória Bronzati
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Além de debater os potenciais retrocessos e danos ambientais decorrentes das leis estaduais 22.017/2023 e 21.231/2022, a audiência pública deve nortear a atuação do MPF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.438 | Foto: Comunicação MPF

O Ministério Público Federal (MPF) promoveu, na tarde desta terça-feira (17), audiência pública para definir estratégias eficientes e articuladas de defesa do Cerrado. O evento, presidido pelo procurador da República Wilson Rocha Fernandes Assis e pela promotora de Justiça Daniela Haun de Araújo Serafim, da Área do Meio Ambiente do Ministério Público de Goiás (MPGO), contou com a participação de representantes do poder público, entidades da sociedade civil, especialistas e acadêmicos.

Além de debater os potenciais retrocessos e danos ambientais decorrentes das leis estaduais 22.017/2023 e 21.231/2022, aprovadas pela Assembleia Legislativa de Goiás e que flexibilizaram o desmatamento no estado, a audiência pública deve nortear a atuação do MPF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.438, ajuizada pela Rede Sustentabilidade contra a primeira lei, no Supremo Tribunal Federal (STF).

Retrocessos 

Para o procurador da República, a lei estadual 22.017/2023 — que foi aprovada a toque de caixa em junho deste ano — aponta isenção de responsabilidade criminal. “O estado não pode legislar sobre tal tema”, esclareceu o Wilson Rocha durante a audiência, mencionando, ainda, que o MPF já abriu inquérito civil para apurar o impacto da legislação goiana no afrouxamento do combate ao desmatamento no Cerrado.

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Com o objetivo de apresentar dados técnicos aos presentes e embasar futuras ações do MPF e do MPGO, o professor doutor em Ciências Ambientais Manuel Eduardo Ferreira, da Universidade Federal de Goiás (UFG), esclareceu que o cenário atual é de perda da biodiversidade, redução de disponibilidade hídrica e que a condição climática está comprometida. De acordo com estudos e dados apresentados por ele, quase 87% dos desmatamentos em Goiás são ilegais.

Já o chefe da Divisão Técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Goiás, Jessé Rodrigo Rosa, apontou diversos conflitos legislativos entre as normas federais e as normas estaduais que regem o tema. Para ele, a legislação estadual pode significar dano ambiental ao ecossistema do Cerrado.

Os advogados e professores José Antônio Tietzman e Luciane Martins de Araújo, que atuam e lecionam na área de Direito Ambiental, discutiram os aspectos jurídicos da lei e também entendem que ela, mesmo que aprovada, é inconstitucional. A dupla já redigiu Nota Técnica apontando a inconstitucionalidade da norma. Para além do aspecto de legalidade, Tietzman e Araújo consideram que o Estado de Goiás retrocede na proteção ao seu meio ambiente.

Mudanças

Na prática, as normas podem facilitar o desmatamento e também o uso de áreas desmatadas ilegalmente, sendo menos restritivas que as leis federais em diversos pontos. Alguns trechos tratam, por exemplo, da regularização de passivos ambientais de imóveis rurais e urbanos, assim como da definição dos parâmetros da compensação florestal e da reposição florestal no Estado de Goiás, de modo menos rígido que a legislação federal, ou seja, em desfavor do bioma Cerrado.

Nas novas leis, o conceito de “limpeza de área” e a introdução de “área abandonada”, na prática, podem permitir a supressão de vegetação nativa de modo abusivo por procedimento de “registro eletrônico”, que seria uma forma mais simplificada que o processo de obtenção de autorização ou licença ambiental para remover vegetação.

A Rede Sustentabilidade, autora da ADI no STF, entende que a legislação estadual afronta, inclusive, alguns artigos do atual Código Florestal e da Constituição Federal, como ignorar as regras estabelecidas no Cadastro Ambiental Rural (CAR) nacional ao determinar que haverá sistema próprio estadual para o cadastramento.

Semad

Durante a sua participação na audiência, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás (Semad), por meio de seus técnicos e procurador, falaram sobre o pacto firmado entre as frentes do agronegócio do estado, empresas e outros órgãos públicos para combater o desmatamento e que o trabalho de fiscalização vem sendo feito a rigor em Goiás. Asseguraram, ainda, que o sistema CAR Federal não opera de modo eficiente e que, por isso, entende necessário um sistema próprio, que se comunique com sistema federal.

Para a Semad, a lei estadual seguiu seu trâmite regular e não há que se falar em “legalização do desmatamento”, pois há competência concorrente entre a União e o Estado para legislar sobre a matéria. De acordo com os técnicos, a secretaria apenas cumpre o que está na lei.

O procurador da República Wilson Rocha Assis deve enviar, nos próximos dias, ofícios à Semad pedindo novas informações acerca de sua atuação com base na atual legislação estadual.

Participação da sociedade

O presidente da Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (Arca), Gerson Neto, destacou, em sua fala durante a audiência, que não houve debate acerca da elaboração da lei estadual. Para ele, o tema é extremamente sensível e a celeridade na aprovação da norma inviabilizou a participação popular.

Durante o evento, também falaram o defensor público Tairo Batista Esperança; Alexandre de Almeida França, representante do Partido Rede Sustentabilidade; Álvaro de Angelis, em nome da Frente Parlamentar de Defesa do Bioma Cerrado; Irene Maria dos Santos, da Rede do Cerrado/IBRÁS e Graça Fleury e Elder Rocha, representantes da sociedade civil.

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