Três crianças recebem órgãos de menino que caiu de janela

O corpo de Matheus Marques da Silva, de 5 anos, foi sepultado na noite desta quarta-feira (18), no cemitério Jardim da Paz Parque Real

Postado em: 19-10-2023 às 08h00
Por: Ronilma Pinheiro
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O coração de Matheus parou de bater depois de cinco dias de uma luta árdua na UTI no Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira | Foto: Arquivo Pessoal

A família de Matheus Marques da Silva, de 5 anos, parecia não acreditar. Na sexta-feira, 13 de outubro, um dia após o do Dia das Crianças, era o último dia da vida do menino que gostava de brincar pelos corredores da Escola Municipal Jardim Bela Vista. Ou nas aulas de karatê, onde aprendia alguns golpes que, com o irmão, de 12 anos, praticava no dia a dia no apartamento que ficava no terceiro andar de um prédio em Aparecida. 

O coração de Matheus parou de bater depois de cinco dias de uma luta árdua em um leito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol). Ele não sobreviveu à queda da janela do apartamento enquanto brincava com o irmão. Estima-se que a criança tenha caído de uma altura de 12 metros.

O corpo da criança foi sepultado na noite desta quarta-feira (18) às 19 horas, no cemitério Jardim da Paz Parque Real. Enquanto a família se despedia do menino, familiares de três crianças comemoravam a chegada de três órgãos captados de Matheus: dois rins e fígados, que beneficiaram uma criança no Acre e duas em São Paulo. 

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O médico Gustavo Prudente Gonçalves explica que a captação dos órgãos foi feita nesta terça-feira (17) no Hugol depois de a equipe médica identificar a morte encefálica.

Os órgãos captados do corpo da criança, foram dois rins e o fígado. Devido à alteração no ecocardiograma, o coração não foi captado. Os dois rins foram doados para crianças de São Paulo e o fígado foi doado para uma criança do Acre, segundo informou o médico. “É uma fatalidade muito grande a perda, mas é só nesses momentos de diagnóstico de morte encefálica que a gente tem a opção de realizar a captação dos órgãos”, explica.

Despedida

No cemitério, choro e tristeza foram transmitidos pelo olhar dos pais, de cada tio, tia, amigos e vizinhos do menino Matheus, que agora se tornou história e memórias de todos aqueles que o amavam.

Em estado de choque, o pai do menino não aceitava a tragédia. “Ele dava murros na parede. Está inconformado”. No velório, o homem apareceu visivelmente abalado. A mãe da criança, que chegou um tempo depois, com o esposo e o filho mais velho, também parecia não entender o que acontecia com a perda.

Uma tia, aos choros, no alpendre que fica próximo às salas de velório, disse que não sabia como consolar os pais de Matheus. “É muito difícil, é muito difícil”, diz a irmã do pai. 

Matheus estudava na Escola Municipal Jardim Bela Vista, na salinha para crianças de cinco anos. O menino brincava com o irmão quando caiu do terceiro andar do prédio onde morava com a família, no Setor Bela Vista. 

A mãe, Joseany Miguel da Silva explicou à imprensa que estava na sala, enquanto os filhos brincavam. Dado momento, Matheus, o irmão mais novo, pegou um brinquedo e saiu correndo para o quarto, em seguida, o irmão mais velho foi correndo atrás. Nesse momento, Matheus teria se apoiado na rede de proteção da janela, que arrebentou, fazendo com que o menino tenha caído.

O Capitão do Corpo de Bombeiros Márcio Ferreira Magalhães destaca a importância das redes de proteção nas janelas e chama a atenção para a má conservação dessas redes para evitar acidentes, principalmente envolvendo crianças.

Márcio afirma ainda que por mais que haja essas estruturas para evitar acidentes, elas não foram feitas para serem forçadas o tempo todo ou para serem testadas com o próprio corpo. “Elas realmente salvam vidas, mas é importante que tenham sido instaladas por uma empresa especializada que detenha as qualificações técnicas para fazer essas instalação”, explica.

O capitão alerta ainda para a validade da rede de proteção. Apesar de os fabricantes estabelecerem uma data de validade a partir de três anos, o Corpo de Bombeiros padronizou uma data, que não pode ultrapassar os cinco anos. “ Essas redes ficam expostas nas fachadas ao sol, à chuva,  e desgastam com o tempo. Então, após cinco anos, é fato que elas não terão a resistência mínima exigida, e devem ser trocadas”, afirma.

Médico explica morte encefálica e incentiva doação de órgãos

O coordenador da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e responsável técnico da Central de Transplantes Gustavo Prudente Gonçalves contou que a família foi comunicada da morte encefálica e aceitou doar os órgãos. 

“A morte encefálica é um diagnóstico irreversível no qual existe uma legislação que cria um passo a passo para se chegar a esse diagnóstico”, explica o especialista Gustavo Prudente.

Além disso, Gustavo afirma que a legislação brasileira é a mais rigorosa do mundo em relação a esse diagnóstico. “Na legislação brasileira, ele envolve um exame de imagem, três profissionais médicos diferentes, fazendo tanto testes clínicos quanto exames gráficos”, reitera.

“Então, um diagnóstico de morte encefálica é diferente até de um diagnóstico de coma. É uma parada total de funcionamento do sistema nervoso central, que não a medula espinhal”, acrescenta.

Para que haja a doação de órgãos, a família precisa estar de acordo com a doação. Quando o paciente é uma criança, o aceite tem que vir tanto do pai quanto da mãe, os dois precisam estar em concordância. No caso do falecido ser um adulto, a doação pode ser feita a partir do aceite de qualquer parente em primeiro ou segundo grau.

Quando o assunto é doação de órgãos envolvendo crianças, a lista de espera é nacional. Dessa forma, a oferta de órgãos de crianças é feita para a lista com nomes de todo o país. A lista de adultos é diferente, ela é feita regionalmente, ou seja, em cada estado há uma lista.

“Em Goiás, a gente tem uma grande taxa de negativas familiares, ou seja, a maior parte. Cerca de 60 a 70% dos familiares são contrários à doação de órgãos”, afirma Gustavo Prudente. Segundo ele, isso se dá pela falta de conhecimento do assunto por parte da população.

Além disso, segundo o médico, a falta de discussão dentro de casa, nas escolas e o fato de muitos acharem que esses órgãos doados na verdade são traficados ou roubados, colaboram para que as famílias não façam doações. O médico assegura que tais coisas são impossíveis de acontecer dentro dos trâmites da doação de órgãos no Brasil.

“Uma doação envolve mais ou menos mil pessoas, se for contar tudo. Precisa de vários hospitais terciários, super especializados. A prática de roubo, de tráfico de órgãos é praticamente impossível no cenário brasileiro”, afirma.

O especialista finaliza dizendo que a gente precisa sensibilizar as famílias em todo o estado, para modificar “essa estatística negativa, essa estatística ruim”.

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