Da terra às folhagens: a vida cantante das cigarras
Harmonia efêmera da natureza: O curto, mas marcante canto das cigarras aladas, onde o canto é a chave para a procriação
Por: Tathyane Melo
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Ela até pode esconder-se por algum tempo, debaixo da folhagem da copa de alguma árvore, mas, pela necessidade anatómica, a cigarra, em seus 3,5 centímetros, passam a ecoar, no início e no fim dos dias, a sua trilha sonora inconfundível. Começa como um assobio, depois como uma bateria esgoelada até um som intermitente. E elas podem viver nos campos ou nas cidades, onde vivem seu ciclo de vida em jardins ou nos parques.
O biólogo Douglas Henrique Bottura Maccagnan, mestre e doutor em entomologia e professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Goiás (UEG) de Iporá, é um especialista que dedicou anos ao estudo das cigarras. Em entrevista ao Jornal O Hoje, ele trouxe informações e detalhes sobre essas criaturas e sua biologia.
Douglas destaca que as cigarras iniciam suas vocalizações principalmente no início da primavera e durante o verão, um período caracterizado por chuvas. No entanto, existem diferentes espécies que podem cantar em outros períodos: “Aqui em Goiás temos espécies de cigarra que ocorrem no período da seca, e a gente pode ouvir o canto dessa cigarra a partir de fevereiro até setembro, essa vai ao contrário de todas as outras, é um caso específico aqui da região. Existem cigarras no campo cantando o ano todo”, diz.
A biologia das cigarras, conforme desvendada pelo dedicado biólogo Douglas Maccagnan, é uma narrativa de metamorfoses e ciclos de vida dignos da epopeia natural. O canto que embeleza os campos e bosques é exclusivo dos machos, uma serenata da vida destinada à procriação, e, quando a fêmea reproduz os filhotes, até 500 ovos podem ser deixados em uma planta hospedeira. Cada espécie de cigarra possui um canto único, uma sinfonia que reflete a diversidade da natureza. À medida que várias espécies entram em ação ao mesmo tempo, esse canto coletivo cria uma orquestra sonora única.
Há ainda um mito popular que sugere que o canto das cigarras é um indicativo de chuva iminente, mas, de acordo com Douglas, isso não tem fundamento científico. A coincidência entre o período de canto das cigarras e as chuvas é devido à época do ano. “Isso não tem relação direta com as chuvas. O que acontece é uma coincidência, que assim como os demais insetos, a cigarra é mais abundante, mais comum nessa época do ano, que é justamente o período de chuva. A cigarra está cantando, mas não quer dizer que vai chover naquele dia. Então, essa relação é uma impressão que a gente tem, é algo mais popular mesmo. Cientificamente, ela é sem valor”, esclarece.
Quanto à antecipação do canto das cigarras este ano, Douglas explica que através de pesquisas feitas por ele regularmente, as cigarras não necessariamente iniciaram seu ciclo mais cedo. Ele conta que o que pode estar ocorrendo é que as altas temperaturas, especialmente neste ano, podem estar fazendo com que esses insetos cantem com mais intensidade, visto que isso pode influenciar diretamente a atividade das cigarras, e um clima mais quente pode levá-las a cantar com mais vigor.
No entanto, a vida das cigarras transcende a efemeridade de suas sinfonias aéreas, afirma o biólogo. Grande parte de sua existência é vivida embaixo da terra, onde permanecem por anos, sugando seiva das raízes vegetais. Este período de larva pode estender-se por dois a três anos, e, em casos extraordinários, como a cigarra norte-americana, a espantosos 17 anos, antes de emergir para a curta e intensa vida adulta. O estado de casulo que deixa para trás é o vestígio de transformação, como uma roupa trocada num enredo épico, e dela surge a cigarra alada, pronta para suas breves semanas a poucos meses de vida.
E falando em troca de roupa, Douglas retifica mais um mito sobre o inseto. Cigarras cantam até estourar? A resposta é negativa e apenas uma impressão pela casca deixada pela cigarra quando sai da terra e passa pela metamorfose.
“Como o pessoal acha aquela coisa estourada e sabe que a cigarra está cantando, eles associaram, né? Ela estourou de tanto cantar, porque o som é tão alto que tem hora que parece que vai estourar mesmo. As cigarra podem chegar a cantar mais de 100 decibéis – volume que pode ser ouvido em apresentações de rock – então é muito alto, é muito intenso”, esclarece.
Cigarras gastam grande parte de sua energia vocal não apenas para atrair as fêmeas, mas também para anunciar a sua breve presença no mundo exterior. É a corrida contra o relógio que justifica tal alarde. Quanto à alimentação das cigarras, a resposta dada por Douglas é tanto fascinante quanto simples: elas continuam se alimentando da seiva das plantas na vida adulta. Para desempenhar essa função, as cigarras têm um aparelho bucal adaptado, permitindo-lhes inserir-se nas plantas e absorver o néctar.
Douglas destaca ainda a importância do estudo das cigarras e enfatiza que como professor do curso de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Goiás (UEG) de Iporá, os investimentos estão fazendo muito a diferença e ainda existe muito mais a ser explorado. “Aqui a gente leva a nossa bandeira, que é a UEG do interior. Inclusive, só de material que eu já coletei, já foram descritas quatro espécies novas, tudo aqui de Goiás, e tem uma que a gente está trabalhando para descrever. O Brasil tem 180 cigarras registradas, mas imaginamos que o número real deva ser entre os 500. Então, tem um monte de espécies para a gente descobrir e estudar ainda”, enfatiza.
Para promover o estudo e a compreensão das cigarras, o biólogo e sua equipe lançaram um projeto nas redes sociais intitulado “Cigarras do Brasil”, que incentiva a participação da população na coleta de informações sobre cigarras. Por meio desse projeto no Instagram (@cigarrasdobrasil), as pessoas podem enviar fotos e informações sobre cigarras, contribuindo para o entendimento e a preservação desses insetos. Douglas Maccagnan destaca que o envolvimento da comunidade é fundamental para ampliar o conhecimento sobre cigarras em Goiás e todo o Brasil.
“A gente já conseguiu resultados espetaculares com o projeto. Por exemplo, tem uma espécie de cigarra, muito bonita, que tem a asa verde e vermelha, que a gente imaginava que ela só ocorria no Mato Grosso e no Paraguai, mas com o auxílio da população, a gente já sabe que isso ocorre em todo o Brasil”;
Ele conta que recebeu fotos da espécie de pessoas do Nordeste e de Goiás. “Então, a gente conseguiu ampliar a distribuição dessa cigarra só com o auxílio da população em geral e isso tem grande valia para nós”, revela.
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