Como a estiagem e o calor podem afetar o preço dos produtos da cesta básica

O clima é um fator importante para a produção agrícola. E a longo prazo, essas alterações podem causar prejuízos ao agronegócio

Postado em: 16-11-2023 às 08h07
Por: Alexandre Paes
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O clima é um fator importante para a produção agrícola. E a longo prazo, essas alterações podem causar prejuízos ao agronegócio | Foto: Divulgação/Seapa

O Brasil tem enfrentado uma intensa onda de calor e essa situação pode afetar o agronegócio. São esperadas temperaturas acima de 42°C em algumas localidades. No Centro-Oeste, em especial no estado de Goiás, as máximas previstas podem passar dos 40°C, o que levou o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) a emitir alertas sobre a situação.

O clima é um fator importante para a produção agrícola. E a longo prazo, essas alterações podem causar prejuízos ao agronegócio. O Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Gilberto Cunha afirmou em entrevista à CNN que a atual onda de calor — que vem associada a menor volume de chuvas, em resultado do El Niño — impacta negativamente duas das principais culturas agrícolas do país, soja e milho. 

“Quanto mais se atrasa a soja, mais se predispõe a cultura do milho aos riscos de problemas de seca. A agricultura brasileira sofre estes impactos negativos”, disse. Cunha explica que o El Niño gera dúvidas em produtores sobre quando semear a soja, e esse atraso afeta indiretamente o milho de segunda safra, plantado após a colheita da soja, no final do verão.

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O pesquisador Eduardo Monteiro, da Embrapa Agricultura Digital, explica o impacto que essa onda de calor pode provocar, por exemplo, nas culturas de longo ciclo. “Quanto mais se atrasa a soja, mais se predispõe a cultura do milho aos riscos de problemas de seca. A agricultura brasileira sofre estes impactos negativos”, disse.

“A produção agrícola pode ser bastante afetada, de diferentes formas. Algumas culturas perenes, como o citros e o café, que estão em fase de florescimento podem apresentar abortamento floral e redução significativa de produção, dependendo da combinação dos níveis de temperatura com maior ou menor disponibilidade de água no solo, a possibilidade de abortamento floral e do desenvolvimento inicial do fruto é bastante grande, podendo ter perda de produção acima de 60%”, estimou Monteiro.

Dados da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) mostram que os produtores goianos estavam com cerca de 15% das lavouras de soja semeadas, até o fim de outubro. No ano passado, na mesma época, a área plantada chegava a 30%. De acordo com a Emater (Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária), os produtores aguardam novas chuvas para avançar nas atividades de cultivo.

Na visão do gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), André Amorim, vários produtores agrícolas de Goiás já deram uma desacelerada ou praticamente estão parados aguardando o retorno das chuvas. “As chuvas estão atrasadas, a produção está atrasada expectativas se não dá pra jogar a semente com esses com essa lua gigante que está aí né? Esse sol muito quente. Então a princípio nesse final de semana nós teremos aí mais chuvas, aí sim o produtor rural começa a retomar esse plantio que está tão atrasado aqui no estado”, aponta André. 

Temperaturas altas e tempo seco fazem parte da realidade da maior parte do Brasil, exceto na região Sul, que vive situação oposta. Por lá as cidades estão sendo atingidas por volumes de chuva acima da média, que também trazem impactos negativos para algumas culturas, como o trigo. Com baixa luminosidade e alta irrigação, a qualidade da safra pode ficar pior e o produto ser direcionado ao consumo animal, em vez de humano. 

Por outro lado, Cunha, da Embrapa, indica que a situação tende a beneficiar a soja e milho cultivados nas regiões abaixo do estado do Paraná. Para Amorim do Cimehgo, esse excesso de chuvas no Sul também gera problemas de plantio. “Por lá os produtores plantam e perdem porque está com excesso de água. E aqui e outras regiões do Brasil os problemas com a decorrência do calor excessivo e também da seca ainda persistem”, destaca. 

Como solução, o engenheiro agrônomo Diogo Alfaix indica uma tecnologia criada para proteger as culturas dos raios solares pode ajudar o produtor que já iniciou o plantio da safra e cuja lavoura se aproxima do estágio reprodutivo, com a formação das folhas, flores e vagens. “O protetor deve ser aplicado pouco antes, cerca de 40 dias depois do plantio, um momento em que ela está sensível e não pode sofrer estresse”, orienta Diogo. O engenheiro agrônomo explica que o período crucial para a planta é exatamente o início deste estágio reprodutivo, quando ela inicia a floração. No caso da soja, a aplicação costuma ser feita no fim de novembro ou início de dezembro.

IBGE estima queda na produção agrícola 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou na última semana seu primeiro prognóstico para a safra de 2024 e estimou 308,5 milhões de toneladas em grãos, cereais e leguminosas. Caso se confirme, a produção deverá ser 2,8% inferior a deste ano.

Segundo Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados e consultor Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), há relação entre a queda e os impactos do El Niño. “Certamente as questões climáticas, o El Niño, podem atrapalhar a safra. Estaremos longe do crescimento muito forte que tivemos neste ano”.

O pesquisador da Embrapa reitera os possíveis impactos negativos para a produção agrícola do próximo ano, mas indica que ainda é cedo para mensurar o tamanho, já que ainda é período de semeadura das principais culturas. Ele também prevê redução na produção do campo em comparação ao ciclo anterior, mas ressalta que “não se bate recorde todo ano”.

“O mais difícil é lidar com essas previsões. Não se constrói resiliência climática no pré-safra. Isso é um processo de longo prazo e, dependendo do nível da anomalia climática, não há prática de manejo de cultura, tecnologia que resista”, diz. Para André, este “Super El Niño” também se relaciona com as mudanças climáticas e ocorre pelo aumento da temperatura geral.

Com uma safra de previsões incertas, esses especialistas acreditam que o preço dos produtos pode subir, isso de acordo com a demanda do mercado. “Se a longo prazo o plantio atrasa, a colheita da safra também fica atrasada, é assim a quantidade de produtos diminui. Mas vale lembrar que isso só ocorrerá em circunstâncias onde não tenhamos chuvas até o final de dezembro”, apontam os engenheiros agrícolas da Embrapa.

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