Lei estadual quer combater preconceito contra tratamento psicológico

O projeto de lei nº 908/23 do deputado Gustavo Sebba (PSDB), que institui a Semana Estadual de Combate à Psicofobia em Goiás, foi aprovado na Alego

Postado em: 29-11-2023 às 08h00
Por: Ronilma Pinheiro
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O projeto busca combater o preconceito, a partir de ações de conscientização contra o preconceito tanto com pessoas que sofrem com algum tipo de problema mental, quanto com profissionais dessa área da saúde | Foto: Divulgação

“Psicólogo é coisa de doido”, “isso é frescura”, “na minha época, uma surra resolvia”, “essa pessoa tem um parafuso a menos”, estas e muitas outras, são frases que a psicóloga e psicoterapeuta Layne Silva ouve diariamente a respeito de quem foi diagnosticado com algum distúrbio mental e até ao próprio exercício da profissão.

Layne conta ao jornal O Hoje, que poderia passar ‘horas e horas’ citando exemplos do tipo, que reforçam o quanto a sociedade carece de psicoeducação para tratar com “naturalidade o que, de fato, é natural”. “Buscar um profissional qualificado para cuidar de um incômodo não seria comum em outras áreas? Por que ainda resistimos a dar conta sozinhos de algo complexo como nossa saúde emocional?”, questiona.

Um projeto de lei do deputado Gustavo Sebba (PSDB), aprovado em definitivo na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), na última quinta-feira, 23, busca mudar esse cenário, a partir de ações de conscientização contra o preconceito tanto com pessoas que sofrem com algum tipo de problema mental, quanto com profissionais dessa área da saúde. O projeto de nº 908/23 institui, em Goiás, a Semana Estadual de Combate à Psicofobia.

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Desse modo, segundo o texto, as associações representativas de profissionais de saúde mental, como psiquiatras, psicólogos, dentre outros, irão promover uma intensa campanha com relação à criminalização da psicofobia, ou seja, o preconceito com relação aos portadores de transtornos mentais, assim como em relação aos profissionais da área de saúde mental.

Dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, apontam que no Brasil, cerca de 50 milhões de pessoas sofrem com algum tipo de doença mental, como depressão, transtornos de humor, déficit de atenção, ansiedade, dentre outros. Os diagnósticos são variados e essas doenças podem afetar qualquer pessoa independente da idade.

Gustavo Sebba disse ao jornal O Hoje, que a iniciativa de elaborar o projeto de lei surgiu a partir da preocupação de “dar uma resposta à intensa campanha das associações representativas de profissionais de saúde mental, buscando combater a psicofobia e promover o respeito aos portadores de transtornos mentais e profissionais da área”.

“Sabe-se que a criminalização não é de competência desta Casa. No entanto, é da nossa competência trabalhar para que tais práticas preconceituosas e que causam sérios transtornos, na sociedade e em inúmeras famílias, sejam eliminadas”, afirmou o deputado ao justificar o texto, que agora segue para sanção do governador Ronaldo Caiado.

Sebba acredita que a lei seja sancionada pelo governador e que a aprovação do chefe do executivo em Goiás será crucial para a implementação de políticas que impactam diretamente a população, moldando o desenvolvimento social e educacional do estado. “Isso refletirá em uma responsabilidade do governo em atender às necessidades e aspirações da comunidade”, acrescenta.

Inicialmente, o projeto de lei abrange principalmente órgãos do poder público na esfera estadual, indicando a elaboração de ações socioeducativas e preventivas, segundo o deputado. No entanto, a menção à mobilização e conscientização no âmbito escolar sugere uma abertura para envolver iniciativas privadas, especialmente no campo da educação. “A redação não especifica claramente a participação do setor privado, mas a ênfase em conscientização ampla pode envolver colaborações público-privadas”, finaliza.

Avanços

Layne Silva, afirma que discutir e propor avanços de questões relacionadas à saúde mental é uma “necessidade de primeira ordem”. Um olhar com seriedade para estas causas é assumir que pessoas são “inteiras”. “Não só corpo físico e biológico, não só um corpo determinado pelo contexto social, não só um ser dotado de espiritualidade, mas tudo isso funcionando junto e ao mesmo tempo”, explica a psicóloga.

O fato de um líder político se propor a promover debates sobre a psicofobia pode ser um avanço no que diz respeito à ampliação de perspectivas, tanto no sentido de diagnosticar, acompanhar, compreender e cuidar da complexidade que envolve essa dimensão da vida, é o que afirma a psicoterapeuta.

Segundo ela, apesar dos avanços observados nos últimos anos em relação aos debates e diálogos sobre saúde mental , ainda existem mitos que impedem o acesso aos tratamentos psicológicos. Ela destaca o período pandêmico como uma das principais épocas que favoreceu a discussão sobre saúde mental. Além disso, a exposição exacerbada nas redes sociais também colaboram para essa abertura de diálogos sobre a importância de se cuidar da saúde mental, bem como cuidar da saúde como um todo. “Tudo isso aliado à possibilidade de criar leis, e gerar debates mais amplos, abre uma nova e necessária porta para um mundo menos reducionista e mais compreensivo. É o que esperamos”, reflete.

Barreiras

O psiquiatra Daniel Martins destaca que a psicofobia, bem como a falta de conhecimento sobre a importância dos cuidados com a mente, são verdadeiras barreiras que impedem as pessoas de buscarem os tratamentos adequados para suas condições. “O preconceito de fato é uma das principais barreiras que impedem que as pessoas tenham acesso ao tratamento”. O psiquiatra afirma ainda que é importante que hajam esses momentos em que esses debates viram pautas a serem discutidas, uma vez que o tema da saúde mental tem certa “dificuldade de ter uma agenda positiva”.

“Então você marcar ali ativamente, olha, esta semana nós vamos parar, nós vamos conversar sobre a saúde mental, o que é o transtorno mental, o que não é, falar sobre a importância de se tratar. Enfim, combater de fato o preconceito levando informação é bastante importante”, afirma Daniel, ao comentar o projeto de lei do deputado Gustavo Sebba.

Daniel destaca que apesar das grandes resistências vistas atualmente em relação aos tratamentos dessas patologias, o preconceito vem diminuindo ao longo dos anos. “20 anos atrás quando eu estava começando na psiquiatria, havia mais preconceito, já vivenciei situações que de fato as pessoas acham estranho estar perto de um psiquiatra”, relembra.

Muitos pacientes demoram a procurar ajuda clínica devido aos preconceitos, segundo o especialista. “Existem pacientes que chegam até o tratamento e muitas vezes falam que adiaram [o tratamento]”. Essa demora, faz com que o quadro desses pacientes se agrave. Daniel afirma que essa resistência é preconceituosa, e se dá na maioria das vezes por falta de informação.

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