Desinformação faz com que mulheres não denunciem violência obstétrica, diz advogada

A violência obstétrica consiste na apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais da saúde, segundo a OMS

Postado em: 20-12-2023 às 08h00
Por: Ronilma Pinheiro
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Toda mulher tem direito à acompanhante em consultas, exames e procedimentos realizados em unidades de saúde públicas ou privadas, de acordo com a vigência da Lei Federal n. 14.737/2023 | Foto: Divulgação

Desde a concepção, ou seja, o ato ou efeito de conceber ou gerar um ser vivo no útero, que a mulher passa por inúmeras transformações tanto no corpo quanto na mente, principalmente para aquelas que estão entrando nessa viagem pela primeira vez, que são as famosas “mamães de primeira viagem”. Independente da mãe, o período gestacional é muito delicado, é onde essas futuras mamães sofrem muitas vezes com a insegurança de não saber as formas adequadas de cuidar do bebê, além da fragilidade causada pela oscilação hormonal presentes na gravidez.

Agora, se o período da gestão é caracterizado por um mix de emoções, o momento do parto talvez seja um dos mais especiais e transformadores na vida dessa mulher. Porém, quando feito por um profissional que não tenha as devidas preparações ou até mesmo que não tenha a sensibilidade necessária com a gestante, esse momento pode ser um dos mais assustadores e traumáticos. É importante destacar que as práticas abusivas e direitos violados na hora do parto possuem uma denominação: violência obstétrica.

Muitas vezes, por desconhecer o que é ou não violência obstétrica, a vítima não denuncia ou procura seus direitos junto aos órgãos competentes. Dessa forma, a paciente precisa buscar informações, para compreender se de fato foi vítima desse tipo de violência, é o que afirma a advogada Maria Carla Baeta, especialista em Gestão Jurídica e em Gestão em Saúde. A advogada pontua que em alguns casos em que a paciente, por desinformação, tende a interpretar como violência processos que são naturais e fisiológicos. “Por exemplo, o mero fato do bebê nascer com circular de cordão não é indicador de que houve negligência no parto”, explica. “Então, antes de mais nada, é importante assegurar às mulheres informações de qualidade em seu pré-natal e até mesmo antes, no período em que a mulher está realizando seu planejamento familiar”, reitera.

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A partir do momento em que o fato é constatado e não há dúvidas de que ocorreu a violência obstétrica, a paciente pode se socorrer de diversas vias, segundo a especialista, como: reportar o fato à unidade de saúde em que foi atendida, para que esta adote procedimentos internos de modo que o fato não mais ocorra, e verifique a possibilidade de reparar o dano causado à paciente; reportar o fato ao conselho de classe, para que seja instaurado procedimento ético a fim de verificar a conduta do profissional e aplicar penalidades; pode pleitear, na via judicial, reparação por danos que porventura tenha sido desagradável; caso o fato configure ilícito penal, pode acionar a Polícia e demandar ação penal também.

A definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), diz que a violência obstétrica consiste na apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais da saúde. Isso pode ocorrer na forma de tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar as próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que pode acarretar em consequências negativas à vida da mulher.

Mas para que essa mulher exerça a autonomia sobre o próprio corpo é preciso que ela conheça os seus direitos. Um deles é o direito à informação. “Ou seja, com base nas informações que possuir, entendendo os riscos e benefícios de cada procedimento, pode optar pela forma como quer trazer seu filho ao mundo.

Além disso, a mulher em trabalho de parto tem o direito à analgesia – drogas usadas que têm o objetivo apenas de aliviar ou minimizar a dor – segundo a  recente Lei Municipal de Goiânia n. 11.106, de 11 de dezembro de 2023. “Outros direitos já consagrados à gestante são: o direito a acompanhante de sua escolha no período do trabalho de parto, parto e pós-parto imediato e, no Estado de Goiás, a parturiente tem direito à presença da doula também”, afirma a advogada.

Para além desses, toda mulher tem direito à acompanhante em consultas, exames e procedimentos realizados em unidades de saúde públicas ou privadas, de acordo com a vigência da Lei Federal n. 14.737/2023.

De 2022 até abril de 2023, 24 manifestações foram registradas na rede de ouvidorias do Sistema Único de Saúde (SUS) de Goiás, segundo a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES).

A coordenação de obstetrícia e diretoria técnica do Hospital Estadual da Mulher Dr. Jurandir do Nascimento (Hemu) promoveu uma roda de conversa sobre a humanização na assistência obstétrica e o combate à violência obstétrica. A ação foi realizada na última segunda-feira (18), no auditório da unidade. O objetivo do encontro foi conscientizar médicos obstetras, residentes e equipe de enfermagem, a respeito do assunto, onde foram discutidas estratégias e práticas que contribuam para a construção de um ambiente mais acolhedor.

Na ocasião, as palestrantes Polyanna Mattedi, médica obstétrica do Grupo Humaniza Gyn e Renata Lopes, enfermeira obstétrica e mestre em Gestão Organizacional, destacaram a necessidade de abordagens personalizadas que respeitem a individualidade de cada gestação. A humanização na assistência obstétrica vai além do aspecto técnico, abrangendo o apoio emocional, o respeito à autonomia da mulher e uma comunicação eficaz, segundo a abordagem das especialistas.

“O objetivo da assistência humanizada é deixar que o processo fisiológico de parir aconteça, numa postura respeitosa quanto aos desejos e necessidades da mãe e do bebê. Não cabe a nós obrigar e sim orientar”, salienta a obstetra Polyana. “Como unidade escolar, precisamos ter cautela na entrada da sala de parto e sempre lembrar dos três pilares do parto humanizado: autonomia, acolhimento e respeito”, pontua a enfermeira Renata.

A ação destaca o papel fundamental da instituição como referência em média e alta complexidade, segundo a preceptora da Residência de Enfermagem Obstétrica, Alinne de Sá, que também colaborou com a roda de conversa. “Achei muito boa a roda de conversa. Gerou muitas discussões, contribuindo para as boas práticas de atenção ao parto humanizado, evidenciando o comprometimento da unidade”, avalia.

Para a diretora técnica do Hemu, Cristiane Carvalho, momentos como esse de reflexão e aprendizagem, reforça o papel de cada profissional como defensores da qualidade de vida e dignidade das mulheres em uma das fases mais significativas de suas vidas, além de provedores de serviços de saúde. “Essa roda de conversa fortaleceu os laços interprofissionais e reforçou o compromisso coletivo com a melhoria contínua na prestação de cuidados”, afirma Cristiane Carvalho.

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