A médica paliativista que lida como último desejo antes da morte

Profissional detalha à reportagem do Jornal O Hoje como é a rotina de cuidados com pessoas em estágio terminal

Postado em: 02-01-2024 às 09h17
Por: Ronilma Pinheiro
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Profissional detalha à reportagem do Jornal O Hoje como é a rotina de cuidados com pessoas em estágio terminal | Foto: Leandro Braz/ O HOJE

Casada, mãe de três filhos, a médica geriatra e especialista em cuidados paliativos multiprofissional, Uliana Medeiros dos Santos, divide os cuidados das crianças com o marido. A médica acorda cedo todos os dias para arrumar os pequenos que vão para escola acompanhados pelo pai, enquanto ela se dirige para o Hugol, onde inicia a rotina de cuidados paliativos na unidade de saúde. “Minha manhã sempre é dedicada ao cuidado paliativo. Esta é a minha rotina aqui no hospital”, afirma.

Ao chegar na unidade de saúde, a primeira atividade é fazer a avaliação dos pacientes que são elegíveis ou não para os cuidados, após o caso ser identificado por uma equipe de assistentes. Feito isso, é hora de conhecer o paciente e sua família para esclarecer qualquer dúvida sobre a doença. “Essas reuniões são demoradas, têm pessoas que demoram a compreender os processos, talvez porque são muitas informações”, comenta.

Após longas conversas, começam os tratamentos com estas pessoas, que muitas vezes estão no final da vida. Os cuidados paliativos são abordagens que melhoram a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a continuidade da vida. Esses cuidados buscam aliviar o sofrimento não só físico, mas psicológico, espiritual e social. “De certa forma, a intenção é trazer um pouco mais de conforto, dignidade, além de controlar os sintomas da doenças”, pontua a geriatra.

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Foi assim com uma paciente de 36 anos em seus últimos dias de vida, que segundo a médica, foram os mais difíceis. Ela sentia fortes dores a ponto de não conseguir levantar da cama, além disso, tinha dificuldades para comer. “Ela já não aguentava mais todos insistindo para que comesse”, lembra. Foi então que numa conversa honesta entre médica e paciente, além de expressar a insatisfação com a alimentação, a mulher declarou que não queria mais voltar para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), uma vez que já estava em estágio terminal. Uliana explicou que entendia as vontades da paciente e que seus desejos iam prevalecer, pois naquele momento de despedida, o lugar dela era ali, ao lado do marido e da filha de 13 anos.

Ao final da conversa, a médica foi surpreendida com um pedido inesperado. A paciente que há muito tempo não tinha apetite para se alimentar, mas só  mastigava gelo para tirar a secura da boca, estava pedindo por um chá. “Conversando com você aqui agora me deu vontade de tomar um chazinho de erva-doce bem morninho”, este foi o último desejo da mulher que estava internada no Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol).

De prontidão, a equipe médica preparou o chá de ervas doce que se tornaria a última bebida da mulher que partiu no dia seguinte, deixando o marido e a filha que tanto amava, com saudades eternas. Ela faleceu em Dezembro de 2023, em decorrência de câncer de colo de útero.

Dentre as principais doenças que demandam abordagem paliativa, o câncer se destaca. Além disso, segundo o Ministério da Saúde, outras patologias frequentes são doenças cardiovasculares, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), aids e algumas de origem genética, degenerativas e progressivas, independentemente da idade.

Os encontros e despedidas são inevitáveis nesta profissão que Uliane escolheu para seguir. Mas ao final de cada dia, um sentimento de gratidão toma conta da médica. “ Apesar de estar cansada quando chega à noite, eu me sinto muito realizada em estar participando de alguma forma da vida dessas pessoas. Me conforta ver o quanto os pacientes e seus familiares são gratos pela nossa atenção”, reflete.

Após pegar os filhos na escola e ir para o aconchego do lar, a médica recarrega as energias para a rotina do próximo dia. Os momentos de descontração em família, tornam a vida de Uliana mais leve. “Eles trazem um descanso pra mim, quando interajo com eles, brinco, a gente muda um pouco o foco e tira a tensão do dia”, afirma, ao destacar que a rotina de cuidados paliativos implica no emocional dos especialistas, por se tratar de muita responsabilidade e preocupação.

“Luto vivido antes da morte”

À medida que a doença evolui, o cuidado paliativo torna-se cada vez mais mais atuante, sendo necessário intensificar os cuidados com o paciente que entra em luto pela própria vida, ao perceber que na luta contra a doença, ele perde a cada dia. Enquanto isso, a família também é acolhida pela equipe médica.

Diante de uma enfermidade grave e sem possibilidade de cura, os cuidados paliativos entram como uma forma de intervenções na vida do paciente para que não haja tanto sofrimento. “Quando a gente consegue isso, começamos a pensar num próximo passo, como tentar levar esse paciente para casa”, explica.

Todas as decisões são tomadas a partir de um acordo entre o profissional da saúde, o paciente e a família. “É importante a gente sempre conversar com esse paciente e com essa família para ver como eles conseguem enfrentar esse momento”.

O luto é um processo esperado que ocorre com todas as pessoas em algum momento da vida, após uma perda importante. Essa perda pode ser em função de um ente querido, um rompimento afetivo, pela perda da capacidade física ou psicológica, pela mudança de cidade, de casa. “Tudo aquilo que envolve uma transformação na vida da gente leva a uma situação de luto. Não precisa ser necessariamente a morte, mas todas as situações de perda das quais nós temos um vínculo com aquilo que se foi”, explica a psicóloga Célia Ferreira, doutora em psicologia que atua na área de psicoterapia em situações de luto e suicídio.

A especialista divide o luto em quatro fases, são elas: aceitar a realidade da perda; elaborar a dor da perda; se ajustar ao ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu; dá continuidade à vida após “reposicionar” em termos emocionais a pessoa que faleceu.

A psicóloga destaca que não necessariamente o enlutado precisa seguir essa ordem, mas cada pessoa passa por um processo específico. “Existem pessoas que podem caminhar em certa direção e depois voltar a sentir emoções, que pelo tempo esperaria que já tivesse sido resolvido”, pontua.

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